Direitos Humanos No Brasil
Casos: Direitos Humanos No Brasil. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: Kerton • 23/11/2013 • 3.839 Palavras (16 Páginas) • 598 Visualizações
DIREITOS HUMANOS NO BRASIL:
O PASSADO E O FUTURO*
Nilson Kerton
O eixo em torno do qual se desenvolve a história dos direitos humanos é a idéia de que os homens são essencialmente iguais, em sua comum dignidade de pessoas, isto é, como os únicos seres no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza .
O primeiro reconhecimento normativo da igualdade essencial da condição humana remonta ao final do século XVIII, com a proclamação das liberdades indivi-duais e da igualdade perante a lei, nos Estados Unidos e na França revolucionária.
A partir do século XIX, com o reconhecimento de que todos têm direito a condições de trabalho dignas, à fruição dos serviços públicos de caráter social, bem como à garantia previdenciária contra os principais riscos da vida em sociedade, a história dos direitos humanos passou a desenvolver-se em função do princípio fundamental da solidariedade. A exigência de uma organização solidária da vida em so-ciedade estendeu-se, na segunda metade do século XX, do plano interno para o internacional, com a afirmação dos direitos dos povos à existência, à autodeterminação, à democracia, à paz e ao desenvolvimento. Chega-se agora, no limiar do terceiro milênio da era cristã, à dimensão universal da dignidade humana, com o reconhecimento, por várias convenções internacionais, dos direitos fundamentais da humanidade, tais como o de proteção ao equilíbrio ecológico, o de preservação dos monumentos de valor estético ou histórico, o de exploração comunitária das riquezas minerais do leito marinho, umas e outros considerados patrimônio mundial.
Nessa perspectiva exaltante de unificação do mundo em função dos valores supremos da liberdade, da igualdade e da solidariedade, é de se perguntar em que estado se encontra o nosso País e qual a perspectiva que nos abre o futuro. Conti-nuaremos a acumular atrasos, ou saberemos defender de modo sempre mais efetivo a dignidade humana de todos os que vivem neste vasto território?
Comecemos por considerar o fato notório de que o Brasil detém, já há algum tempo, o sinistro galardão de país onde impera a mais acusada desigualdade sócio-econômica do mundo. Para que possamos organizar, com alguma probabilidade de êxito, a terapêutica adequada, é indispensável compreender a etiologia profunda do mal.
A origem dessa profunda divisão da sociedade brasileira entre ricos e pobres, entre proprietários que mandam e escravos ou assalariados que obedecem, encontra-se, a meu juízo, na estrutura própria da sociedade portuguesa à época da colonização. Como observou Tocqueville argutamente, "é nas colônias que se pode melhor julgar da fisionomia do governo da metrópole, porque é aí que de ordinário todos os traços que a caracterizam se encontram ampliados e tornam-se mais visíveis"1 .
Portugal foi de fato, juntamente com a Itália setentrional e central, a região da Europa onde o feudalismo mais cedo deixou-se suplantar pela organização sócio-econômica capitalista. Por isso mesmo, foi nessas regiões que a burguesia mais rapidamente ascendeu ao poder, provocando a substituição dos estamentos tradicionais pela moderna sociedade de classes.
Os povos de origem indo-européia, já se salientou2 , compuseram-se, basicamente, de três ordens ou estados (status, Stände, États), isto é, de grupos sociais dotados de um estatuto jurídico próprio, ligado à condição pessoal de seus integrantes: a nobreza, o clero e o povo. Os dois primeiros eram titulares de privilégios hereditários. O terceiro tinha como única vantagem própria o status libertatis, isto é, o fato de que os seus componentes não se confundiam com a multidão dos servos de todo o gênero, ligados à exploração da terra.
Na península ibérica e, especialmente, em Portugal, essa organização estamental da sociedade foi profundamente perturbada, já no século VIII, com a invasão sarracena e a instauração de uma nova civilização. Tal fato contribuiu decisivamente para que o sistema feudal, dominante à época na Europa nórdica e central, abortasse em quase toda a região ibérica.
É velha de mais de um século a polêmica em torno da tese defendida por Herculano, de que Portugal jamais conheceu um feudalismo autêntico3 . A historiografia contemporânea considera essa interpretação um tanto simplista, assinalando que não se há de confundir o regime feudal propriamente dito com o sistema de dominação senhorial4 . Naquele, havia uma relação bilateral voluntária de proteção e vassalagem entre homens livres e iguais; nesta, a submissão de servos à dominação de proprietários das terras, às quais os cultivadores, com suas famílias e bens, se prendiam por vínculo real.
Ora, embora admitida a justeza dessa distinção conceitual, é impossível deixar de reconhecer que a duradoura ocupação da península ibérica pelos mouros e as subsequentes guerras da reconquista prejudicaram não só o desenvolvimento normal das instituições feudais, como também a continuidade do exercício dos poderes de dominação servil, ligada à posse da terra. No primeiro caso, pela acentuação precoce da supremacia do poder real sobre as prerrogativas estamentais da nobreza e do clero; no segundo, de um lado, pela antecipada eclosão das liberdades urbanas, com a multiplicação dos forais outorgados aos burgos livres (concelhos)5 e a rápida ascensão social dos que vieram ao depois a ser chamados burgueses; de outro lado, pelo predomínio da riqueza material como fonte de poder, relativamente à titulação nobiliárquica6 .
No tocante ao precoce florescimento das cidades na península, importa lembrar o caráter marcadamente urbano que os árabes desde cedo imprimiram à organização social em terras ibéricas, com a multiplicação da mão-de-obra assalariada e do trabalho artesanal, a especialização mercantil de cambistas, almocreves e regatões e a aglomeração nas cidades de toda sorte de pobres, pedintes e marginais. Em suma, o estabelecimento antecipado da moderna sociedade de classes, em que pessoas livres e iguais em direitos diferenciam-se fundamentalmente pela sua situação patrimonial.
Tudo isso parece explicar o fato notável de que foi em Portugal que eclodiu a primeira revolução burguesa no Ocidente. O movimento político que levou ao trono a dinastia de Aviz, em 1385, foi liderado pelo povo dos mesteres e mercadores citadinos. É verdade, aliás, que o espírito mercantil já vinha conquistando largas camadas da nobreza. Em conhecido estudo histórico,7 João Lúcio de Azevedo mostrou que, no século XIV, o povo acoimava de modo geral os nobres de mercadores e regatões, e que
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