Europa, América e China: A Construção de Um Mundo Globalizado e Eurocêntrico
Por: IgordeLima • 24/8/2020 • Resenha • 2.096 Palavras (9 Páginas) • 269 Visualizações
GRUZINSKI, Serge. A águia e o dragão: ambições europeias e mundialização no século XVI. Trad. Joana Angélica d’Avila. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 407.
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Europa, América e China: a construção de um mundo globalizado e eurocêntrico[1]
Igor de Lima e Silva[2]
Serge Gruzinski tem participado ao lado de Carmen Bernand de pesquisas voltadas para a história e as culturas hispano-americanas. Obras tais como a História do Novo Mundo (1997) [3], buscam apresentar as complexidades dos povos que aqui habitavam antes do contato com os europeus e após o desembarque desses homens em terras, posteriormente, denominadas de América. Além disso, os dois historiadores têm se dedicado a demonstrar como esses espaços foram se constituindo através das relações entre diferentes sujeitos históricos, oriundos dos quatro cantos do planeta, propiciando a formação de uma nova realidade de âmbito planetário.
Nessa perspectiva, Gruzinski, em 2015, trouxe à luz o livro A águia e o dragão: ambições europeias e mundialização no século XVI, um texto de história comparada que utilizou de diferentes fontes para compor o percurso do contato dos americanos e chineses com os ibéricos. Recorrendo, por exemplo, as crônicas quinhentistas e aos vestígios arqueológicos, o historiador francês apresentou a conquista e o fim do Império Mexica pelo espanhol Hernán Cortés (1519-1521), cuja águia era símbolo desse povo. Do outro lado, a chegada dos portugueses à China (1520), que se configurou como frustrada em comparação à vitória sobre o México-Tenochtitlán. É destrinchando e cruzando as fontes, além de construir uma narrativa fluida e recheada de exemplos, que o autor nos apresenta um passado de forma muito natural, possibilitando que nós leitores pudéssemos vivenciar regiões e povos distintos e, assim, confrontá-los e verificar quais são os efeitos desta expansão sobre o globo.
Desse modo, o contato dos ibéricos com várias partes além-mar propiciou, segundo o autor, o germe de “uma globalização que não era nem a primeira nem a última, mas que se instalou rapidamente durante o século XVI [...]”. Destarte, engana-se quem acredita que a nossa unificação global é datada do final do século XX, ou seja, o nosso tempo “é devedor dessa época longínqua [...]” (GRUZINSKI, 2015, p. 15).
Para Serge Gruzinski, a formação de uma rede de contato global contou também com a participação de outros sujeitos históricos, a saber, as populações africanas, asiáticas e ameríndias. Porém, destacou-se que essas três sociedades não possuíam o arsenal religioso, comercial e expansionista na mesma proporção que os portugueses, espanhóis e italianos. Mesmo, assim, pode-se afirmar que a “globalização não tem autor” é fruto de “mistura histórias múltiplas [sic] cujas trajetórias de repente se entrechocam, precipitando desenlaces imprevistos e até então inconcebíveis.” (2015, p. 17).
Na sua narrativa, se apoiando nas crônicas e nos relatos, Gruzinski fez uma comparação entre o México asteca e a China Imperial, que hoje são considerados incrivelmente longínquos, porém ligados de forma excepcional durante as grandes navegações. O século XVI, marcado pelas ações e conquistas dos europeus, aliados à expansão da cristandade, foram os elos de aproximação entre essas duas sociedades. Segundo o autor, esses impérios não são passíveis de comparação na sua organização política e administrativa, uma vez que os antigos chineses eram formados por uma “colossal máquina administrativa e judiciária [...].”, na qual era composta e controlada por uma infinidade de juízes, inspetores, magistrados etc. (2015, p. 34). Além disso, havia uma estrutura de rotas marítimas e terrestres que interligava o comércio com outros agentes históricos, obtendo, dessa forma, o domínio sobre diferentes povos. Por outro lado, os mexicas coexistiam com outros povos sem uma unificação política e administrativa, não conseguindo, portanto, dominar grupos que possuíam línguas, histórias e culturas distintas. A ausência também de estradas, canais, animais de tração e um exército fixo, foram pontos que proporcionaram o declínio desse império no instante da chegada dos invasores castelhanos.
O livro segue uma estrutura fixa composta por dezessete capítulos, divididos em diversos subtópicos curtos. Ao longo do texto, Gruzinski vai demonstrar que os chineses e os astecas não caminharam isoladamente e, menos ainda, eram ignorados por outros povos. Mesmo diante das limitações de mobilidade interna, em decorrência da carência de estradas e caminhos hidrográficos, o México criou uma extensa rede de comércio. Por sua vez, os chineses, diferentes dos mexicas, ampliaram os seus domínios por áreas e sociedades muito diferentes e distantes, usando principalmente os mares como meio para proporcionar conhecer outras sociedades. Nessa rede, a China imperial se deparou com os persas, árabes, africanos e religiões diferentes, tais como o budismo, islamismo, maniqueísmo e cristãos nestorianos. Foi nessa multiplicidade de interlocutores estrangeiros, que os portugueses ao chegarem à China encontraram uma administração decidida a reter “[...] tudo o que vem dos mares do Sul.” (2015, p. 51).
O autor chama a atenção sobre as aparentes certezas que cercam a submissão do México frente aos espanhóis e, numa análise precipitada, acredita-se que os chineses estavam mais habilitados a repelir os invasores portugueses. Essa construção é traçada a posteriori, ou seja, através dos conhecimentos e das interpretações que os estudiosos adquiriram através das fontes, mas, em nada responde as complexidades históricas que envolveram tanto os mexicas, os chineses, quanto os ibéricos. Entretanto, Gruzinski destaca que os ibéricos foram capazes de adentrar esses povos e observá-los, descrevê-los e compreender os seus mundos. Logo, tiveram que lidar com múltiplas realidades e histórias, contribuindo sobremaneira para a fundação das bases da globalização.
A proximidade e a conexão entre esses mundos aguçaram a curiosidade dos europeus e outras nações sobre a América e a China. Durante o século XVI houve uma intensa troca de missivas, as quais foram copiadas, comentadas, impressas e traduzidas, como as escritas pelo conquistador Hernán Cortés. Viu-se também a circulação de livros, como o Codex Vindobonensis Mexicanus, que os portugueses manusearam em 1521 (GRUZINSKI, 2015, p. 84-89). Infelizmente, os primeiros testemunhos sobre o contato lusitano em terras chinesas se perderam. Tomé Pires não deixou escrito esse momento, como fez Cortes, e suas cartas não chegaram até nós. Não obstante, as escassas notícias sobre a China e a variedade dos testemunhos sobre os mexicas registram somente o lado europeu, escamoteando as reações dos adversários. Somente na segunda metade do século XVI, que escritores indígenas e mestiços vão trazer a sua visão sobre os conquistadores e, dessa forma, apresentar e ampliar as versões sobre o contato entre esses personagens. Com relação aos relatos da administração de Beijing sobre os portugueses, existe a dificuldade de traduzi-las, de modo que o seu conteúdo pode desmentir parte das elucubrações feitas pelos portugueses.
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