História do MST 32 anos do Movimento Sem Terra
Por: Rondinelly Lima Silva • 27/1/2017 • Relatório de pesquisa • 1.642 Palavras (7 Páginas) • 357 Visualizações
História do mst
32 anos do Movimento Sem Terra
Há 32 anos, em Cascavel (PR), centenas de trabalhadores rurais decidiram fundar um movimento social camponês, autônomo, que lutasse pela terra, pela Reforma Agrária e pelas transformações sociais necessárias para o nosso país. Eram posseiros, atingidos por barragens, migrantes, meeiros, parceiros, pequenos agricultores... Trabalhadores rurais sem terras, que estavam desprovidos do seu direito de produzir alimentos. Expulsos por um projeto autoritário para o campo brasileiro, capitaneado pela ditadura militar, que então cerceava direitos e liberdades de toda a sociedade. Um projeto que anunciava a “modernização” do campo quando, na verdade, estimulava o uso massivo de agrotóxicos e a mecanização, baseados em fartos (e exclusivos ao latifúndio) créditos rurais; ao mesmo tempo em que ampliavam o controle da agricultura nas mãos de grandes conglomerados agroindustriais. Mas seria injusto dizer que começamos ali. A semente para o surgimento do MST talvez já estivesse lançada quando os primeiro indígenas levantaram-se contra a mercantilização e apropriação pelos invasores portugueses do que era comum e coletivo: a terra, bem da natureza. Como imaginar o Movimento Sem Terra hoje, sem o exemplo de Sepé Tiarajú e da comunidade Guarani em defesa de sua terra sem Males. Ou da resistência coletiva dos quilombos ou de Canudos? Da indignação organizada de Contestado? Como imaginar nosso movimento sem o aprendizado e a experiência das Ligas Camponesas ou do Movimento de Agricultores Sem Terra - Master. Por tudo isso, nos sentimos herdeiros e continuadores de suas lutas. E somos também parte das lutas que nos forjaram no nosso nascimento. Do sindicalismo combativo, da liberdade política e das Diretas-Já em 1984, quando já em nosso primeiro Congresso afirmávamos que “Sem Reforma Agrária não há democracia”. E com este ímpeto, nos empenhamos também na construção da nova constituinte, aprovada em 1988, quando conquistamos, entre outras vitórias, os artigos 184 e 186, que garantem a desapropriação de terras que não cumpram sua função social. Os lemas dos Congressos Nacionais do MST - realizados de cinco em cinco anos - refletem as elaborações coletivas, as lutas e projetos do Movimento. Refletem também o momento ao qual o nosso país está passando, e a situação da classe trabalhadora camponesa e seus desafios. Desde cedo, conhecemos o atraso, a raiva e a violência do latifúndio. Uma ira que ceifou a vida de mais de mil trabalhadores e defensores da Reforma Agrária nos últimos dez anos. E assim, nos levaram valorosos companheiros e companheiras... Padre Josimo, Dorcelina Folador, Roseli Nunes, Fusquinha, Doutor, Oziel, Antônio Tavares... Um latifúndio que não se envergonhou de aparecer publicamente e oficialmente como União Democrática Ruralista (UDR) defendendo a violência armada contra a Reforma Agrária e à todas e todos aqueles que lutavam por ela. Ao mesmo tempo em que fincava seus interesses no Congresso com a bancada ruralista. Cedo, aprendemos também que os interesses do latifúndio encontravam nos aparatos do Estado suas melhores ferramentas de repressão ou omissão. Foi assim, com o I Plano Nacional de Reforma Agrária, no Governo Sarney, em que apenas 6% da meta de assentamentos foi cumprida - cerca de 90 mil famílias - ainda assim, graças à pressão das ocupações da terra. E quando não recorria à burocracia e à falta de vontade política para inviabilizar a Reforma Agrária, o Estado omitia-se ou estimulava a violência. Assim foram os anos de Fernando Collor na Presidência da República, com despejos violentos, assassinatos e prisões arbitrárias. Nossa resposta estava na organização, na expansão do Movimento nacionalmente, no avanço na área de produção. Como dizia o lema de nosso II Congresso, em 1990, “Ocupar, Resistir e Produzir”. Nestes piores momentos de repressão, desde os nossos primeiros acampamentos, é que conhecemos o valor da solidariedade. Expresso de forma organizada por meio das ações de sindicatos, partidos, da Comissão Pastoral da Terra ou muitas vezes anônima, nos gestos de milhares de apoiadores e simpatizantes de nossa luta. Como as cem mil pessoas que nos receberam em Brasília, na chegada da Marcha Nacional por Reforma Agrária, em 1997. Naquele momento, lembrávamos um ano do assassinato de dezenove companheiros em Eldorado de Carajás, no Pará. Crime que permanece impune até hoje. Nos forjamos, portanto, dentro deste princípio de solidariedade. Compreendendo que a Reforma Agrária não é uma luta por benefícios apenas para os camponeses, mas uma forma de melhorar a vida dos que vivem nas cidades, com a redução do inchaço urbano e, principalmente, com a produção de alimentos sadios e acessíveis aos trabalhadores. Expressamos esta idéia em nosso III Congresso (1995), com a palavra de ordem “Reforma Agrária. Uma luta de todos”. E com estes lutadores e lutadoras do povo, compreendemos que a Reforma Agrária não poderia ser uma política isolada das demais transformações que o povo brasileiro necessita. Que era necessário construir um Projeto Popular para o Brasil. E que nossa contribuição para este país mais justo e soberano estava nas declarações do nosso Congresso seguinte, “Reforma Agrária. Por um Brasil sem Latifúndio” (2000). Esta palavra de ordem estava materializada no outro Brasil que queremos construir no cotidiano. Está nas mais de 400 associações e cooperativas que trabalham de forma coletiva para produzir alimentos sem transgênicos e sem agrotóxicos. Estão nas 96 agroindústrias que melhoram a renda e as condições do trabalho no campo, mas também oferecem alimentos de qualidade e baixo preço nas cidades. Um outro país que construímos com 2 mil escolas públicas em acampamentos e assentamentos que garantem o acesso à educação à mais de 160 mil crianças e adolescentes Sem Terras ou que alfabetizaram 50 mil adultos e jovens nos últimos anos. Ou ainda, nos mais de 100 cursos de graduação em parceria com universidades por todo o Brasil. O país que queremos construir para todos já está presente hoje, quando podemos nos orgulhar em dizer que nenhuma criança passa fome nos assentamentos de Reforma Agrária. Uma realidade para 350 mil famílias que conquistaram a terra e resgataram sua dignidade ao longo destes 30 anos. É certo que já fizemos muito. Mas, outros desafios que sequer sonhávamos em enfrentar se colocam à nossa frente. A agricultura sofreu mudanças drásticas com os oito anos de neoliberalismo do governo Fernando Henrique Cardoso. E pouco desta lógica foi alterada com o governo Lula. Os mecanismos do Estado para a agricultura foram sendo desmantelados um a um: o controle dos preços, o abastecimento, a pesquisa, a assistência técnica. Se antes eles eram acessíveis à poucos, hoje sequer existem. O neoliberalismo na agricultura foi abrindo caminho para que poucas empresas estrangeiras - todas pertencentes aos bancos estrangeiros -, passassem a controlar nossa agricultura. Desde as sementes à comercialização. Incorporaram terras, agroindústrias, supermercados... Definem preços de alimentos nas bolsas de valores e transformam novamente nosso país em uma grande colônia. No lugar de alimentos, as terras passam ser ocupadas pela cana-de-açúcar - para combustível nos Estados Unidos, por soja - para ração de animais na Europa e pela celulose - para papel em todo o mundo. As monoculturas tomam e redividem nosso território, inflam o preço da terra, reduzem a produção de alimentos e geram uma grande crise mundial de alimentação. Um cenário que se repete – sem mudarem as empresas, apenas as monoculturas – nos cinco continentes. Expulsando camponeses e afetando o abastecimento de alimentos para os trabalhadores nas cidades. Assim, a luta por Reforma Agrária foi se tornando cada vez mais internacional, porque os empecilhos para a democratização do acesso à terra não estavam apenas no Brasil – no Estado ou nas ações dos latifundiários – mas eram também parte dos movimentos do capital financeiro internacional. E a resposta à globalização da miséria, veio na forma da globalização da luta, por meio da Via Campesina, que congrega os movimentos camponeses de todo mundo em torno da Reforma Agrária e da soberania alimentar, ou seja, do direito de que os povos – e não os mercados - decidam o que produzir e possam garantir a alimentação de todos. Assim, aquele latifundiário improdutivo se associou com o capital financeiro internacional. Mas não perdeu sua natureza violenta e opressora. Esta natureza se manifestou, por exemplo, quando milícias da empresa suíça Syngenta Seeds assassinaram Valmir Motta, o Keno, no Paraná. Keno e tantas outras famílias denunciavam a contaminação transgênica do Parque Nacional do Iguaçu e queriam construir ali, uma área de produção agroecológica. E também quando as mulheres da Via Campesina foram reprimidas quando denunciaram a monocultura da celulose no sul do país. Violência que indígenas, quilombolas e sem terras testemunham diariamente pelas mãos da Vale do Rio Doce em suas comunidades, destruindo o meio ambiente de forma acelerada para remeter mais lucros para as bolsas no hemisfério norte. Para finalmente realizarmos uma Reforma Agrária verdadeira em nosso país, é preciso agora enfrentar o agronegócio e os interesses do capital internacional. Realizar a Reforma Agrária que defendemos é libertar estas terras para produzir alimentos, é criar condições dignas de vida no campo e na cidade, é construir uma sociedade em que o nosso povo tome seu destino pelas mãos e decida o seu caminho. E é por isso que nosso V Congresso afirma que lutamos por “Reforma Agrária, por Justiça Social e Soberania Popular” Completar 33 anos e se tornar o mais antigo movimento camponês já existente na História do Brasil tem estes significados. É reafirmar os valores de solidariedade; é reafirmar o compromisso com uma sociedade mais justa e igualitária; é manter aceso o legado de milhares de lutadores e lutadoras do povo; é exercer cotidianamente a capacidade de se indignar e agir para transformar; é não perder o valor do estudo e aprender sempre. E, fundamentalmente, é reafirmar nosso compromisso em organizar os pobres do campo. É momento de olhar adiante. De perceber que muito já foi feito e que há muito a se fazer, até que uma verdadeira e efetiva Reforma Agrária seja realizada em nosso país e que todos os seres humanos possam ter uma vida digna.
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