Movimentos Religiosos na África Central

Movimentos Religiosos na África Central

Um estudo teórico

Willy de Craemer

Universidade de Pennsylvania

Jan Vansina

Universidade de Wisconsin

Renée C. Fox

Universidade de Pennsylvania

O sentido partilhado de descoberta incita-nos a escrever este artigo. Independentemente da nossa pesquisa antropológica, histórica e sociológica no Zaire^[1], após um período de muitos anos, ficamos impressionados com o papel pivô da religião e da magia naquela sociedade. A recorrência e o desenvolvimento dos movimentos religiosos em todo o Zaire e sua história conhecida é uma expressão arquetípica dessa predominância. Na nossa visão, é que estes movimentos estão numa dimensão integral de culturas comuns de muitas partes do Zaire e de áreas contíguas da África Central^[2]. Uma característica sistêmica destas culturas é que elas propiciam a emergência e evolução de movimentos com símbolos peculiares, ritos, crenças e valores. Por sua vez, estes movimentos constantemente enriquecem as culturas das quais elas emanam.

Apesar da inundação de recentes publicações dos movimentos religiosos da África Central, suas características centrais não estão ainda adequadamente reconhecidas. Um grupo de escritores trata os movimentos numa conjuntura estrutural social determinista. Eles dão importância primordial aos fatores políticos ou econômicos, ignorando as obras da cultura ou reduzindo-as para produtos de outros processos. Outro grupo de autores lida exclusivamente com componentes culturais, mas assim duma maneira que focaliza nos símbolos e reedifica-as como entidades últimas, inalteráveis e universais. As classificações existentes dos movimentos estão baseadas num critério errado. Elas não contribuem para uma compreensão das características centrais envolvidas. Assim, elas tendem a etiquetar os movimentos, particularmente os africanos como “milenares”, “culto de carga”, “caçadores de bruxa”, “zionistas”, “etiópicas”, e coisas semelhantes. Fazendo assim perdem as características mais essenciais de todos os movimentos religiosos da África Central. Pela escolha de características proeminentes em alguns movimentos, mas de fato presentes em muitos deles, eles dão impressão errada de que estas características estão ausentes em movimentos não etiquetados como tal. Por exemplo, ainda que a caça as bruxas seja o principal objetivo nos chamados (movimentos de caça bruxas), eles não são movimentos centro africanos sem este objetivo.

A nossa perspectiva nos movimentos religiosos Zairenses é baseado na extensa pesquisa de campo em área rural e urbana de todo o país (com a exceção da região nordeste). Aprendemos também com uma ampla rede de colegas e amigos zairenses e da nossa longa imersão na vida diária do Zaire. Além disso, tivemos o acesso privilegiado dos materiais do arquivo que estenderam o nível do nosso conhecimento e compreensão.

Religião e magia  P.459

A religião como nós a definimos é um sistema de símbolos, crenças, mitos e ritos experimentados como profundamente importantes ou sérios, principalmente porque esta fornece aos indivíduos, grupos e sociedades uma orientação para condições fundamentais de existência. A religião fornece uma auto definição individual e coletiva. Esta forma a cosmologia do Homem e padrões relacionados de cognição é a fonte fundamental da solidariedade social. Alguns dos problemas de significado aos quais as religiões são endereçadas é transcultural no sentido de que estes são confrontados e experimentados por membros de todas as sociedades. Outros problemas de significado são mais de fronteiras culturais (Culture-bound). Na nossa visão os componentes da magia são os mesmos que aqueles da (religião) magia. Portanto, em contra distinção à religião, a magia está preocupada em maximizar a realização de objetivos específicos de importância pessoal para o ator através da manipulação padronizada de ritos, fórmula e símbolos. Embora analiticamente distinguíveis de um e outro, na prática a religião e a magia são muitas das vezes misturadas no desempenho (performance) ritual. As atitudes, melhor do que o comportamento dos indivíduos ou grupos envolvidos em tais ritos, determinam as misturas da religiosidade e magia envolvida.

As diferenças entre religião e magia colocadas em diante estão consoante com um conjunto de distinções feitas nas culturas da África Central. Nesta tradição se a meta declarada é específica e auto orientada, a atividade é considerada magia anti-social. Por exemplo, na taxonomia cultural dos amuletos, os amuletos para se tornar rico, roubar ou para atingir sucesso pessoal de qualquer forma não são socialmente aprovados mesmo que eles abundem. Aqueles amuletos coletivos que são usados para alcançar metas mais difusas e auto orientados são considerados como religiosos. Uma categoria intermediária de amuletos é específica em intenção, mais orientada a grupo; o amuleto que confere invulnerabilidade nos homens em batalha é religioso para a comunidade mais muita das vezes mágica para o indivíduo. Amuletos que asseguram a fertilidade para as mulheres são religiosos para o indivíduo que deseja uma criança, com a condição de que o desejo dela coincida com aquele da comunidade. Mas se ela deseja ter a criança principalmente como um meio para alcançar superioridade sobre uma esposa rival, então para esse alcance os amuletos são considerados mágicos.

Atributos dos movimentos religiosos da África Central p.460

Um movimento religioso centro africano existe quando uma coletividade não só aceita uma nova forma religiosa, mas também a transmite a outros indivíduos e grupos. Uma nova forma religiosa normalmente consiste de conjuntos de rituais existentes, símbolos, crenças e ou mitos que foram remanejados ou recombinados: só ocasionalmente são materiais novos incorporados a este.  Um movimento origina-se num líder, uma figura carismática de quem a inspiração origina-se de visões recebidas nos sonhos ou num estado de possessão controlado. Se os materiais religiosos então introduzidos são para ser reconhecidos e aceites por outros, eles têm que estar próximos o suficiente para os componentes fundamentais da religião clássica da África Central serem compatíveis com este.