O ESQUECIMENTO E MEMÓRIA NA HISTÓRIA DE PARATY: REFUGIADOS NO PARAÍSO
Por: Juan Pablo • 17/11/2022 • Projeto de pesquisa • 2.242 Palavras (9 Páginas) • 106 Visualizações
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
JUAN PABLO CARNEIRO DA SILVA
ESQUECIMENTO E MEMÓRIA NA HISTÓRIA DE PARATY:
REFUGIADOS NO PARAÍSO
Paraty
2021
Introdução
Paraty é uma pequena cidade litorânea do interior do Rio de Janeiro. Por seu difícil
acesso, abundancia em belezas naturais e preservação do patrimônio arquitetônico, sempre foi
usada como uma válvula de escape da agitada vida das grandes cidades. Mesmo antes da
abertura do trecho da BR 101, - que liga o Rio de Janeiro a São Paulo pelo litoral - a cidade já
era bastante visitada por turistas, principalmente, durante o verão.
Essa cidade, por muito tempo esquecida, que foi redescoberta na década de 70, se
tornaria refúgio de artistas e intelectuais, que se autoexilaram durante a ditadura. Sua beleza e
seu difícil acesso – que só se podia chegar de barco ou pelo antigo caminho do ouro, descendo
a serra de Cunha – atraiu a atenção de artistas, que desejavam criar longe dos olhos dos censores.
É curioso que, proposital ou não, exista um esquecimento, ou melhor dizendo, um vazio,
quando se trata da “Paraty refúgio político”. Um dos maiores incômodos, deixado por esse
período, foi o silêncio. Estranhamente, a cidade que teve um “boom” cultural e turístico após
se tornar conhecida internacionalmente por filmes como “Azyllo muito louco” e “Como era
gostoso meu Francês”, (ambos de Nelson Pereira dos Santos) não registra a perseguição sofrida
pelos cineastas e o elenco.
Esse trabalho tem como proposta portanto, registrar a ausência de fontes (jornais,
revistas, trabalhos acadêmicos sobre o tema), entender as motivações desse esquecimento, e
buscar expor, através de relatos e memórias, como a ditadura impactou, não só os refugiados,
mas todos os moradores da antiga e bucólica cidade. Foram perseguidos e presos não apenas
quem buscava o exílio no paraíso, mas também antigos moradores que eram críticos ao regime.
Em uma carta aberta aos moradores de Paraty, José Kleber Martins Cruz (1988), o Zé Kleber,
como ficou conhecido o artista e político da cidade, declara:
(...) Em 1964, logo no início da inquisição imposta pelos preconceitos
arcaicos, fui envolvido, através de denúncia de dedos-duros irresponsáveis,
em um IPM (inquérito policial militar). Tive minha casa invadida por
soldados, que de lá, tiraram tudo que encontraram. Cópias de processos,
documentos de clientes de meu escritório de advogado, livros, fotos e até
correspondência particular - cartas de amor, etc. Foi decretada minha prisão e
me vi em curso na lei de segurança nacional, artigo segundo: ligação com
potências estrangeiras. O que em síntese, significa espionagem contra a pátria.
Fiquei foragido por mais de um ano, e estive a pique de me exilar na
embaixada do México, conforme fizeram muitos dos perseguidos naquela
ocasião. Resisti a essa ideia e permaneci amparado em casa de amigos
enquanto pude (...) tive que fugir, e com nome suposto, amarguei um exílio
em minha própria terra. Afastado de todos os parentes e amigos durante quase
dois anos.
Zé Kleber possui um papel chave nesse período, pois possibilitou a vinda de precursores do
Cinema Novo a Paraty. Poeta, advogado, músico, ator e escritor, ele quem oportunizou a vinda
e acolheu em sua casa Nelson e sua equipe. Atuou em nove filmes, três deles do próprio Nelson,
considerados transgressores para o período. Seu posicionamento político e sua relação com
diversos intelectuais, tanto brasileiros, como de várias partes do mundo, lhe renderam uma
prisão e o julgamento em um tribunal militar. Outro fator que contribuiu para sua perseguição
foi que, junto de outros políticos, iniciou a desapropriação de quatro fazendas da região, que
serviram como ocupação para trabalhadores sem-terra vindos do Espírito Santo. Isso atraiu a
atenção do governo militar, pois, a região de Angra e Paraty, passou a ser fonte de cobiça para
o “desenvolvimento” turístico.
Importante registrar, que apesar de o período da ditadura ser o tema central deste artigo,
farei um apanhado geral sobre a história da cidade, apontando os apagamentos, e falta de fontes
relacionados a ela. Justamente por conta da ausência de fontes, que a oralidade se faz tão
importante em todos as etapas dessa pesquisa, tendo em vista que, muitas pessoas que
participaram da criação da narrativa em torno da atual história da cidade (membros fundadores
do Instituto Histórico e Artístico de Paraty – IHAP) e estavam envolvidos nos acontecimentos
das décadas de 60 e 70, ainda estão vivas.
Fica então, a cargo deste artigo, tentar responder algumas questões. Qual o motivo do silêncio
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