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O Homem Bizantino

Por:   •  16/3/2021  •  Trabalho acadêmico  •  3.806 Palavras (16 Páginas)  •  140 Visualizações

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O homem Bizantino

CAPITULO I: O POBRE (Potlagean, 1998; 21)

PATLAGEAN, EVELYNE. O homem bizantino. Editora  Presença. Lisboa, 1998.279p.

Os pobres e a pobreza constituem hoje parâmetros que moldam definições econômicas e sociais precisas, mas, contudo, também relativas. Para os que acham a sociedade bizantina um estado nascente, é encontrada imediatamente, nos estudos das fontes, a referência direta a essa condição social, pautada diretamente ente seus respectivos personagens, como: os necessitados que abrigam-se sob os pórticos, recém-nascidos abandonados na rua, estropiados ( multilados incapazes de exercer um serviço), enfermos, camponeses empurrados para as cidades, famintos, serventes à procura de emprego, mendigos inválidos ou não. Para, contudo, em tal sociedade, pode-se separar dois termos que designam modos diferentes de pobreza, são eles: penês e ptôchos.

Esse primeiro termo, em geral, refere-se aos pobres que exercem uma atividade, mas cujos esforços não são o bastante para garantir-lhe um sustento satisfatório e seguro. Já a pobreza do ptôchos, é referente aos que estão em estado de prostração passiva, tornando-os, assim, inteiramente dependentes dos outros. Outros termos complementam a definição de pobreza como sendo um estado de falta, carência, alguém que não pode testemunhar. Ao contrário do pobre, o rico então transforma-se em algo magnânimo, por meio de uma dádiva concedida ao âmbito da cidade e a seu favor. Tal concepção, portanto, não coloca o rico na frente do pobre. O rico encontra-se aqui, em uma posição de excesso que, sucessivamente, este deixa de ser definido em relação com o justo meio, ou seja, toda sua fortuna deve dissolver-se por meio da distribuição coletiva, baseada diretamente em uma concepção cristã.

A partir desse momento, podemos pautar alguns aspectos referentes ao pobre na estrutura social tardo-antiga. Antes de mais, conseguimos saber, com bastante precisão, o que era a pobreza que circundava a sociedade diariamente. O regime alimentar dos pobres era, ao mesmo tempo, desequilibrado e insuficiente, tanto no que se refere às condições tidas como “normais” naquela sociedade, quanto em termos absolutos. Suas habitações eram bastante precárias e, muitas vezes, arrendadas. As sepulturas eram ou coletivas, ou incertas, pelo menos referente ao âmbito urbano. Quando existia, a estrutura familiar ou conjugal do pobre era inseparável de sua ocupação, e assim, permanecia constantemente sujeita aos seus altos e baixos, instável. Este dedicava-se à produções fáceis e comuns, como por exemplo as dos vimes, ou a serviços simples como o de guarda. Assim, seu trabalho era pouco ou nada qualificado e muito descontinuo. Sua retribuição pelo trabalho corresponde ao restante do quadro; é paga, no melhor dos casos, em moedas de ouro divisionárias ou em moedas de bronze. A possibilidade de acumulação de bens também é escassa ou inexistente.

Vemos também, por um lado, os pobres sofredores. Infortúnios e enfermos fazem cair no desespero do ptôchos o pênes já não conseguia sustentar-se. Os anciãos e as crianças órfãs ou abandonadas não podem prover às suas necessidades. É verídico o fato de que as condições de saúde dos pobres eram agravadas pelos males devidos à subnutrição e, provavelmente, por uma fragilidade psicológica. Para os pobres, qual fosse as intempéries a que fossem colocados, as consequências eram sempre piores. A pregação cristã encontra certamente nisso os motivos edificantes ou milagrosos de seus Evangelhos.

A partir da primeira metade do século V, e talvez da segunda metade do IV, pode-se notar uma abundancia demográfica relativa. Tal fato pode explicar que, o ritmo normal dos casamentos e dos nascimentos não tenha sido contrariado por nenhum fator decisivo, pelo menos durante uma ou duas gerações, e que, ao mesmo tempo, os escritos provinciais atestam famílias com vário filhos, que, no entanto, devemos reconhecer que não deveriam ser demasiado pobres. Assim, as cidades se enchem com uma população que aflui  dos campos e que, uma vez urbanizada, não encontra nada para fazer. Verifica-se, portanto, uma marcada mudança de escala e de frequência dos fenômenos de violência urbana: povo citadino contra representantes do poder; grupos étnicos, confessionais, facções do Hipódromo umas contra as outras, e Antioquia em Constantinopla.

Os temas referentes aos mais pobres remontam, certamente, às origens evangélicas e a solidariedade com os necessitados e marginalizados, referente às primeiras comunidades cristãs. Constantino, primeiro imperador cristão, lança as bases do modelo em questão, delegando na Igreja, mediante a isenção fiscal, certas funções de assistência ou, pelo menos, de interesse público. Assim fazendo, o imperador aplicou simplesmente a esse novo corpo que é a Igreja, e para uma responsabilidade de nova concepção, um principio tradicional. Porém, na segunda metade do século IV, o discurso cívico confirma, à sua maneira talvez, o emergir do problema, ao assinalar recém-chegados à cidade. Perigosos na perspectiva da cidade clássica, mas valorizados na perspectiva cristã. Pregando “o amor aos pobres”, Gregório de Nissa descreve efetivamente grupos de desgraçados chegados em bandos às margens da cidade, destruídos por uma peste horrivelmente nova aos seus olhos e que é, evidentemente, a lepra. A partir desse momento, podemos enumerar os textos que fundam a definição social do pobre: desenraizado, só, instável, privado de recursos, muita vezes debilitado fisicamente.

A partir daí, começa uma elaboração das respostas, que, em geral, são novas. Começa-se a observar um vínculo entre caridade e abstinência sexual. A pregação desenvolve o tema da esmola e da sua recompensa celeste e, o bispo, por seu lado, assume perante a cidade antiga um papel não menos original que a sua autoridade. A partir daí, se começa a instalar às portas da cidade um centro de acolhimento que recebe vagabundos e enfermos e, ao que parece, em particular, leprosos. É, efetivamente, nessa época que se inventa o hospital, constituindo uma virada histórica de grande importância. Logicamente, o hospital da antiguidade cristã destina-se essencialmente a reunir os que tem necessidade de assistência, privilegiando os fisicamente impossibilitados de prover a sua “manutenção”, diferenciando da definição de hospital que temos hoje.

O monaquismo (forma de vida cristã totalmente consagrada a Deus no retiro, no silêncio, na oração, na penitência e no trabalho) ultrapassa o quadro citadino, ou melhor, abole-o. mas toca em mais de um ponto a questão da pobreza e dos pobres. Antes de mais nada, os monges encarnam então a máxima disponibilidade para com os cuidados da caridade cristã e para os desenraizados que os reclamam. O monaquismo delineia já a figura dos seus santos homens, cujas proezas ascéticas são coroadas pelo privilégio de poderes milagrosos que fazem deles imitadores de Cristo; ademais, os milagres ligados ao sustento e à cura concedem, naturalmente, um lugar importante perante os pobres.

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