Os Direitos Humanos
Por: jamilnobrega • 8/11/2019 • Artigo • 1.685 Palavras (7 Páginas) • 137 Visualizações
É fato que a África do Sul vive o regime democrático mais sólido de todo o continente Africano. Mas no que concerne os direitos humanos e políticos dos seus cidadãos, o país sul africano viveu um traumático regime, baseado no racismo e injustiças sociais contra negros. Tal regime ficou conhecido como Apartheid, o mais longo e rígido regime de segregação racial do mundo, o qual chegou a ser legalizado e institucionalizado, politicamente e juridicamente.
Para entender como a institucionalização de um regime desumano e perverso foi possível, é preciso entender suas raízes desde o período de sua colonização pelas potências européias, sobretudo França, Holanda e Reino Unido se estabeleceram ali, em sucessivas ondas migratórias. Até que o Reino Unido Incorporou a África do Sul aos domínios da coroa em 1806. A independência só viria em 1909 e a soberania total em 1931.
O termo “Apartheid” significa “segregação” em africâner, língua de origem holandesa. E na África do Sul, representou a segregação dos que não fossem brancos.
“Apartheid” significa “segregação” em africâner, língua de origem holandesa. No caso da África do Sul, significou a segregação de todos os que não fossem brancos. Esse regime racista começou a ser implementado oficialmente no país a partir de 1948. O Partido Nacional venceu a eleição daquele ano. Era um partido formado por homens brancos, descendentes de imigrantes europeus no sul do continente africano que eram minoria no país, apenas 20% da população na época. Os negros e mestiços não tinham direito a voto. O primeiro-ministro responsável pela implementação das primeiras políticas institucionais do Apartheid foi de Daniel François Malan, um filho de protestantes franceses que haviam emigrado da Europa para o sul da África. Essa presença européia na África austral vinha desde pelo menos o século 15, quando navegantes portugueses buscavam a rota marítima para o Oriente, contornando o Cabo das Tormentas ou Cabo da Boa Esperança. Ao longo dos anos seguintes, franceses, holandeses e britânicos se estabeleceram ali, em sucessivas ondas migratórias. O Reino Unido Incorporou a África do Sul aos domínios da coroa em 1806. A independência só viria em 1909 e a soberania total em 1931. Ao longo de todo esse período, esses imigrantes europeus e seus descendentes nascidos na África do Sul editaram uma porção de normas racistas, restringindo o direito dos negros e dos mestiços ao livre deslocamento, à propriedade de terras e ao direito de votar. Mas foi só no pós-guerra, 1948, que o Apartheid ganhou forma institucional. Em 1949, é publicada uma lei que proíbe todos os casamentos inter-raciais na África do Sul. Em 1950, uma nova lei torna obrigatória a classificação das pessoas em grupos raciais, inserindo essas informações no documento de identidade dos maiores de 18 anos. No mesmo ano, 1950, uma emenda chamada “emenda da imoralidade” torna crime as relações sexuais entre pessoas de grupos raciais diferentes. A própria idéia de classificar negros e mestiços em diferentes raças era confusa, além de claramente preconceituosa. Comitês governamentais responsáveis por essa triagem terminavam até mesmo por colocar irmãos consanguíneos em grupos e subdivisões diferentes, com base nas aparências – Tamanha a arbitrariedade dessa política que visava, no fundo, proteger os interesses dos brancos em detrimento de todos os demais. A partir de 1953, surgem normas para proibir os negros de andarem nas mesmas calçadas que os brancos, freqüentarem as mesmas praias, usarem os mesmos ônibus, hospitais, escolas e universidades. A partir de 1959, tem início uma política que leva a segregação a um novo patamar: a remoção forçada de negros para os chamados “Bantustões” ou “Lares tribais”. Esse nome era dado a regiões designadas pelos brancos para que os negros e mestiços vivessem em espécies de guetos localizados fora dos maiores centros urbanos. A justificativa moral era de criar espécies de estados negros independentes. Na prática, esses bastiões eram controlados por administrações marionetes. Nos anos 1950, mais de 60 mil sul-africanos foram retirados à força de Joanesburgo e confinados num bairro chamado Soweto, acrônimo em inglês para South Western Townships, ou Municípios do Sudoeste. A comunidade de negra de Sophiatown, nos arredores de Joanesburgo, foi removida pela polícia. As casas que ficaram para trás foram demolidas e o terreno aplainado por escavadeiras. Os novos moradores, brancos, batizaram o local com o nome de Triunfo. Esse fenômeno, que se manteve pelos anos de 1960, 1970 e 1980, é considerado uma das maiores remoções populacionais forçadas da história. Na África do Sul do Apartheid, negros eram tratados como estrangeiros. Só entravam em bairros brancos como “trabalhadores convidados”, portando um passe específico, uma espécie de passaporte. Em 1960, moradores do bairro negro de Sharpeville queimaram seus passes na frente da polícia, que responde matando 69 manifestantes. Aquele ano marcou uma virada. Enquanto a África do Sul vivia o Apartheid, o mundo vivia a Guerra Fria, com americanos e soviéticos disputando grande parte das relações entre os países com base na divisão simplista entre capitalistas e comunistas. Temendo que os movimentos de resistência dos negros sul-africanos pendesse para o lado dos soviéticos, muitas potências ocidentais, sobretudo o Reino Unido e os EUA, toleraram o Apartheid. Mas isso começou a mudar, com o crescimento do movimento por direitos civis nos EUA e com os massacres que ocorriam na África do Sul. Em 1960 pela primeira vez, a Organização das Nações Unidas, em Nova York, se pronuncia contra a política do Apartheid do governo sul-africano. Em 1961, a pressão internacional aumenta com a visita do primeiro-ministro britânico Harold Macmillan à África do Sul, onde ele faz um pronunciamento ao parlamento local chamado “Os ventos da mudança”, no qual pede mudanças na política do Apartheid . Porém, nenhuma dessas pressões externas teriam efeito se não fossem a luta dos próprios negros sul-africanos. E, entre eles, um em especial: Nelson Mandela. Aos 43 anos, Mandela assume a linha de frente das ações de sabotagem que eram praticadas por uma organização do movimento negro local chamada “Lança da Nação”. O ano era 1961. A África do Sul havia se autoproclamado república, se afastando da órbita da coroa britânica e da liga de ex-colônias do Reino Unido chamada commonwealth. Mandela e seus companheiros ameaçaram de marca a data com uma série de greves e manifestações, atentados e atos de sabotagem, colocando explosivos em estruturas da rede elétrica e de telefonia, em quartéis e linhas de transporte. O líder negro militava desde os 25 anos num partido político chamado CNA, sigla do Congresso Nacional Africano. Ele fundou a ala jovem do partido que, nos anos 1950, tomou o controle da CNA, pregando uma linha muito mais combativa em relação ao Apartheid. Em 1962, Mandela – que havia recebido treinamento em técnicas de guerrilha no exterior – é preso e condenado a prisão perpétua. Em 1964, ele é colocado numa cela de aproximadamente cinco metros quadrados no presídio de Robben Island, onde é submetido a trabalhos forçados em pedreiras de cal. Do lado de fora, os confrontos aumentam. Em 1976, um protesto de estudantes em Soweto termina com 23 mortos, segundo o governo. Militantes do movimento dizem que o número pode ter chegado a 700. É nesse contexto que Mandela permanece detido 18 anos em Robben Island, até 1982. Em seguida, ele passa por outros presídios do país. Os anos de 1980 são marcados por embargos de armas e embargos comercias impostos por mais de 20 países contra a África do Sul. Em 1989, a queda do Muro de Berlim e a distensão da Guerra Fria reduzem a paranóia do governo e abrem novas possibilidades de diálogo na África do Sul. Naquele ano, morre o então presidente Pieter Botha e, no lugar dele, assume o homem que negociaria a saída de Mandela da prisão: o presidente Frederik de Klerk. Num gesto político contra o Apartheid, Mandela havia recusado outras ofertas de libertação nos 27 anos em que esteve preso. Ele fez do comprimento da pena uma forma de protesto aos olhos do mundo. Em 1990, Mandela é solto e seu partido, o CNA, volta a ser permitido. Ele dá inicio a um périplo internacional, sedimentando a imagem de lutador pela paz e pela reconciliação. Em 1993, Mandela e de Klerk dividem o prêmio Nobel da paz. Em 1994, Mandela é eleito o primeiro presidente negro e o Apartheid, que havia entrado em declínio a partir de 1990 finalmente chega ao seu fim. O país foi unificado e a transição democrática foi pacifica, sem guerra civil. Inaugurou-se uma era de otimismo, com o fim das divisões étnicas institucionalizadas e com a ascensão da imagem da “nação arco-íris”, que garantiria direitos iguais as pessoas de todas as cores. A eleição de Mandela suspendeu as sanções estrangeiras a economia saiu da estagnação, fazendo da África do Sul um país emergente, hoje conhecido como um dos “Brics”, junto a Brasil, Rússia, Índia e China. Mandela governou o país ate 1999. E morreu em 2013. O desemprego, por exemplo, caiu drasticamente, em 1994, ano do fim do Apartheid. Porém, desde então, voltou a subir. Depois de Mandela, outros três lideres do movimento, companheiros de Mandela, ocuparam a presidência, Mantendo o poder sempre nas mãos do CNA, o Congresso Nacional Africano. O mais recente dos Três, Jacob Zuma, acabou renunciando em fevereiro de 2018, Quando o Apartheid completou exatamente 70 Anos. Zuma foi acusado de envolvimento em casos de corrupção. A história revolucionária do CNA, o partido de Mandela, passou, desde então, a se fundir com acusações de desvios de recursos e outros crimes. O ciclo de luta contra o Apartheid estava encerrado. Mas isso não foi suficiente para acabar com os graves problemas sociais e econômicos do país. A desigualdade e o desemprego, que atinge principalmente a população negra, assolam a África do Sul, mais de duas décadas depois do fim do regime segregacionista. O país é líder no ranking de desigualdade de renda entre ricos e pobres. A África do Sul do século 21 é um exemplo de luta contra o racismo e um exemplo de reconciliação. Porém, permanece adiante o desafio comum a tantos outros países africanos: o de conciliar democracia, respeito aos direitos humanos e crescimento econômico para todos.
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