Reflexões sobre o trânsito livre
Resenha: Reflexões sobre o trânsito livre. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: Viniicoutinho • 13/5/2014 • Resenha • 1.486 Palavras (6 Páginas) • 312 Visualizações
Reflexões sobre o trânsito livre dos
doidos pelas ruas da cidade
do Rio de Janeiro*
José Francisco Xavier Sigaud
No número de melhoramentos que a Câmara Municipal
tem prometido efetuar por suas posturas, e conforme as
atribuições judiciárias e administrativas de que se acha investida,
muitas há que dizem respeito à higiene pública e à polícia
médica; tais são as medidas que têm por fim a salubridade das
ruas e do interior das casas, a vigilância sobre os gêneros
vendidos nos mercados para consumo do povo, a remoção das
imundícies, coisas estas todas de certa importância higiênica
para a conservação da saúde pública. Porém, outros objetos
há de viva solicitude para ela, que são do domínio da polícia
médica, e que importa recomendar à sua atenção.
Em primeira linha, poremos a residência de doidos em
casas particulares, no seio de suas famílias; seu livre trânsito
pelas ruas da cidade; e finalmente a sua fatal reclusão no
Hospital da Misericórdia.
Se existe classe que mereça uma vigilância esclarecida,
benévola e ativa, é a dos doidos. Destes, aqueles que pertencem
a famílias abastadas ou são objeto da caridade vivem pela
maior parte isolados em quartos fechados, vigiados,
alimentados e tratados, principalmente quando são atacados de
* Publicado originalmente em Diário de Saúde – ou efemérides das ciências médicas e
naturais do Brasil, Rio de Janeiro, n.1, p. 6-8, abr./1835. Foi feita atualização
ortográfica do texto.REVISTA
LATINOAMERICANA
DE PSICOPATOLOGIA
FUNDAMENTAL
ano VIII, n. 3, set/ 2 0 05
monomania com delírio, ou idiotia, ou paraplégicos. Neste caso não fica a
humanidade em falta com estes desgraçados, mas em desforra a sua presença é
um fardo penoso, uma vizinhança incômoda e às vezes insuportável para os
vizinhos, e a reclusão a que são condenados em aposentos pequenos e pouco
arejados (tornam?) quase sempre ineficaz o curativo. Quem acreditará que o
número de tais infelizes é considerável, e que as famílias ricas que os têm em
suas casas nunca tiveram de fundar, por uma associação, um asilo em que as
regras da higiene pudessem auxiliar com vantagem as prescrições da terapêutica?
Não é para esta ordem de doidos que a vigilância da Câmara Municipal é
de rigoroso dever. Esta deve se estender, pelo contrário, àqueles que circulam
livremente pelas ruas, e que embuçados em grotescos andrajos excitam as risadas
dos viandantes, e provocam apenas um sorriso de compaixão de envolta com a
torrente de grosseiras injúrias e ridículos epítetos com que são amofinados. Temos
ainda presentes as cenas cômicas do pobre brigadeiro, cujos vestidos e razão
estavam tão maltratados pelo tempo. Ainda faz rir a lembrança do músico, que
com exótico vestuário percorria as ruas desta cidade arrulhando árias, e
executando com trejeitos de braços partições de orquestra. Estes seres inóxios
eram um espetáculo, mas este espetáculo de risadas e graçolas tinha às vezes
seu lado trágico.
Quem não viu, ou não ouviu falar, de um desgraçado ator, que depois de
atravessar a cidade em uma sege, puxada a quatro, foi a São Cristóvão, e na
volta se pôs a mergulhar no tanque do chafariz da lagoa da sentinela, nu e com
a roupa debaixo do braço? Quem não o encontrou nas ruas, cortejando todos os
homens de casaca, fazendo parar o ministro da França para pedir-lhe que
apresentasse seus cumprimentos a seu compadre Luis Felipe, e trincando, no
entanto, uma bolacha envolvida em trinta e quatro capas de papel pardo? Quem
não se recorda do assalto em forma que ele sustentou em seu domicílio? Se
quereis fatos mais recentes, mas diários, passem pela rua nova do Ouvidor! Aí
pasmareis à vista de um velho alto, com o braço estendido para fora da porta,
na atitude dum mendigo, com a boca meio aberta deixando escapar uma torrente
de palavras sem nexo nem seguimento! Ah! Se este espetáculo vos apresenta
pouco interesse dramático, ide a Mata-Porcos, e aí, no período lunar, tereis
ocasião de ver um infeliz a quem a razão abandona dois ou três dias em cada
mês. João é um mestre-escola apaixonado pelo estudo; quando lhe chega o acesso,
salta para a rua e com uma voz muito forte ordena a um exército imaginário que
devaste o país; seu semblante se torna então horrível e sinistro, mas a esta
expressão sucede um sorriso estúpido que parece pintar certa satisfação interna
de sua alma. Um
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