Resenha: Os Tipos de Principados em O Príncipe
Por: Samir Mahmoud • 8/10/2018 • Resenha • 1.398 Palavras (6 Páginas) • 503 Visualizações
RESENHA: os tipos de principados em O Príncipe
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Maria Júlia Goldwasser. Revisão de Roberto Leal Ferreira. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, pp. 3-16.
A presente resenha é resultado de leitura e depreensão dos conceitos trazidos nos três primeiros capítulos da obra de Nicolau Maquiavel, O Príncipe, juntando análise e embasamento teórico em outros autores.
O capítulo inicial da obra de Maquiavel, apesar de bastante curto, é de relevante complexidade. Arendt chega afirmar que o pequeno trecho “contém todo o quadro principal de toda sua obra” (2002, p. 298) e Giorgio Inglese argumenta que o capítulo inicial é um grande sumário da obra.
“[...] na verdade o capítulo I não diz apenas ‘de quais espécies são os principados e como se conquistam’; mas também, primeiramente, que ‘todos os Estados, todos os domínios que tem havido e que há sobre os homens foram e são repúblicas ou principados’.”(INGLESE, 1992, p. 10 apud. FALCÃO, 2013, p. 54)
Diante da leitura de Inglese e outros complementares, torna-se nítido que existem duas características importantes no primeiro capítulo: como já dito, ele assume a função de sumário para a obra apontando uma teoria geral das formas de governo. A forma simples como Maquiavel classifica as formas de governo (BIGNOTTO, 1991, p. 122) não impede de, mais à frente, identificar a multiplicidade característica do medievo e do humanismo e em O Príncipe ela se refere apenas os principados. Entretanto, essa ruptura com a tradição não significa que ele rompe com as formas de governo. A carta de Maquiavel a Francesco Vettori, de 10 de dezembro de 1513, mostra isso.
“[...] compus um opúsculo De Principatibus, onde me dedico até que ponto conheço esse tema, desenvolvo que coisa é um principado, de quais espécies são, como se conquistam e como se mantêm.” (MACHIAVELLI, 1997, p. 296 apud. FALCÃO, 2013, p. 55)
Inglese (1992, p. 10) confirma esta ideia, afirmando que o sentido do capítulo I é dado no mesmo correr da carta e da dedicatória, ou seja, mostrando o campo em que se enquadra o texto recém-escrito e, para isso, destacando como tema central as formas de governo.
À frente no texto, Maquiavel classifica os principados em dois grandes grupos: hereditários (ereditari) e novos (nuovi). Para tal classificação ele utiliza o modo de se chegar ao governo, apresentando, nesse ponto, uma peculiaridade em relação à tradição aristotélica. As maneiras de se obter o governo, pela hereditariedade ou pela conquista, se fazem pelo sangue, com base na tradição, ou pelo assalto do poder.
“No primeiro capítulo, ele divide principados entre classes com uma visão para as diferenças de materiais e maneiras de aquisição mais do que as diferenças de estrutura e propósito.” (STRAUSS, 1978, p. 70)
Os principados novos dividem-se ainda em “inteiramente novos” (tutti nuovi) e “membros anexados ao estado hereditário do príncipe que os adquire” (Príncipe, I, p. 3). Os Estados acrescentados “estão habituados ou a viver sob um príncipe ou a ser livres” (Príncipe, I, p. 3). Aqui é ampliado o critério de classificação por Maquiavel, passando a importar como os Estados acrescentados viviam antes da anexação, ou sujeitos a um príncipe ou livres, e não a forma como esses Estados foram conquistados.
Finalizando o capítulo, retoma o critério inicial, pois os principados são obtidos com tropas próprias ou de outrem, pela fortuna ou pela virtù, critérios que podem ser emparelhados de dois a dois, “através das tropas ou do binômio fortuna/virtù.” (FALCÃO, 2013, p. 54). Essa bifurcação dos conceitos, atrelada às classificações, se reúne de modo que ambos os critérios sejam atendidos (GRAZIA, 1993, p. 291-292 apud. FALCÃO, 2013, p. 54), entretanto, vale destacar que o comando as tropas é um elemento submetido à virtù do comandante. Essa estrutura complicada do pequeno parágrafo que inicia O Príncipe marca não apenas as definições de principados, mas todo o caminho a ser seguido ao longo do livro (SKINNER, 1996, p. 141; INGLESE, 1992, p. 10-11).
O capítulo II, Dos Principados Hereditários, se inicia com uma referência ao tema indicado no título, apesar do livro dar destaque aos principados novos. Com isso, fica claro que o objetivo inicial do capítulo é dar a definição de uma das formas de governo. Um principado hereditário, baseado no sangue e na tradição, é caracterizado pelo poder familiar para a manutenção do mesmo, basta a um príncipe manter a tradição e os velhos costumes que ele se sustentará no poder (ALTHUSSER, 1999, p. 69 apud. FALCÃO, 2013, p. 55). A identificação de como se governa é vista maid como uma alternativa posta ao príncipe do que uma definição de governo, propriamente dita. Esta continua sendo pelo modo de obtenção do principado, pelo sangue e pela herança. Surge então, de modo mais forte, a distinção entre se manter e obter um principado pela tradição aristotélica de quem governa e como governa.
Os governos mistos surgem no capítulo III. Até então, eles não haviam sido mencionados no livro, sequer no sumário inicial. Àquele conjunto classificado como Estados acrescentados no primeiro capítulo, Maquiavel agora dá o nome de principados mistos, pois não é nem inteiramente novo, nem inteiramente hereditário. Mesmo relatando como deveria ser o comportamento de um príncipe, este não é o caráter central do critério classificatório maquiveliano, pelo contrário, continua sendo a maneira como se obtém um Estado. Nesse ponto, surge uma questão: um principado misto é simplesmente um Estado acrescentado, sendo assim uma subcategoria dos principados novos, ou deve ser classificado primariamente ao lado do novo e do hereditário? A questão é válida justamente por podem haver duas categorias entre os principados mistos: a união entre um principado hereditário que acrescenta, unilateralmente, um outro, formando um todo unificado (Príncipe, I, p. 3); ou a mistura pode ser através de um movimento em que dois principados novos se unem através da empreitada conquistadora de um deles. Esta última hipótese não contradiz o modelo de classificação, entretanto, Maquiavel não fornece nenhum registro que a autorize, permanecendo o principado novo como tema central.
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