A Luna Clara & Apolo Onze
Por: HideoSumihara • 2/2/2020 • Resenha • 8.758 Palavras (36 Páginas) • 975 Visualizações
Luna Clara & Apolo Onze
LUNA CLARA, SEXTA-FEIRA, NO FINALZINHO DA TARDE
Naquela sexta-feira, dia 7 de julho, Luna Clara estava sentada na beira da estrada como ficava todos os dias esperando seu pai que ela não conhecia.
Quando, de repente, veio um vento do Sul para o Norte. O que era muito estranho, pois desde que Luna Clara nasceu nunca tinha ventado nem chovido na sua cidade (Desatino do Norte). Foi quando ela viu dois homens vindo do Sul completamente molhados/encharcados. A última vez que choveu na cidade foi na noite em que Luna Clara nasceu (doze anos, oito meses e quinze dias atrás).
Luna Clara nunca tinha visto ninguém molhado ou encharcado antes, não conhecia nem a chuva nem o vento, e a vida inteira esperou pelo dia em que finalmente seu pai ia chegar a Desatino do Norte, trazendo a chuva com ele, pois o pai de Luna Clara andava por aí pelo mundo, com a chuva sempre chovendo em sua cabeça.
Fazia mais de treze anos que o pai e a mãe de Luna Clara se encontraram, se apaixonaram, se casaram e se perderam um do outro, tudo isso em três dias. Diziam que ele era muito sortudo e um dia, ele perdeu a sorte na estrada que ficava entre Desatino do Sul e Desatino do Norte, no Vale da Perdição que ficava no meio do mundo. Seu nome era Doravante e uma de suas características era que ele tinha mania de juntar as palavras para apressar as coisas.
Luna Clara não conhecia seu pai. Jamais tinha visto nem mesmo em retrato, a não ser na imaginação com as histórias que sua mãe Aventura contava e pelos desenhos que ela fazia de Doravante, forte/bonito e Equinócio, seu cavalo, branco e marrom.
Quando Luna Clara era pequena, tinha mania de esperar o pai sentada na janela do seu quarto, olhando para o céu, tentando avistar alguma nuvem. Assim que ficou maiorzinha ia esperar na frente de casa. Depois cresceu mais ainda e preferia na beira da estrada. De dia ela esperava seu pai e de noite, ela contava seus segredos para a lua.
Luna Clara era uma menina reservada e tímida, por isso ela falava pouco e tentava passar despercebida nas poucas obrigações sociais que frequentava, um ou outro casamento, alguns batizados ou festas de aniversário. Luna Clara herdou o sorriso de Aventura (sua mãe), a teimosia do seu avô, a cabeça aluada (que sempre usava o mesmo chapéu xadrez) dela mesma, um certo olhar de vagalumes num par de olhos verdes e o gosto de aventura do seu pai Doravante, embora nunca tenha se aventurado na vida e é por isso que a coisa que mais ela gostava no mundo era ouvir as histórias sobre o pai. A segunda coisa era olhar a lua.
Por isso, Luna Clara, que passava todos os dias procurando a chuva, ficou tão perturbada quando viu dois homens encharcados, pois sabia que seu pai (que nem sequer sabia de sua existência) andava com a chuva e que devia estar ali por perto. Então perguntou para os dois de onde eles vinham, eles apontaram para o Sul e ela saiu doida pela estrada atrás da chuva, louca para encontrar com Doravante.
APOLO ONZE NA MANHÃ DAQUELE MESMO DIA
Naquela sexta-feira dos ventos, 7 de julho, de manhã, Apolo Onze acordou com o barulho de chuva e pressentiu que aquela chuva ia estragar a sua festa que iniciou desde o dia em que ele nasceu (treze anos, cinco meses e catorze dias atrás) e nunca parou.
Os homens da família de Apolo Onze sempre recebem o mesmo nome, e existe a tradição de dar uma festa em homenagem a cada um deles. Era uma tradição de família, toda vez que um Apolo nascia, os outros comemoravam. Acontece que Apolo Onze nasceu apenas depois de sete irmãs mais velhas, o que foi tempo suficiente (oito anos) para que seu pai, Apolo Dez, juntasse dinheiro para dar uma festa sem fim. Suas irmãs tinham os nomes das 7 maravilhas do mundo: Ilha de Rodes (onde foi construída uma estátua de Apolo chamada Colosso de Rodes), Pirâmides, Muralha da China, Artemísia (princesa que mandou construir o Mausoléu de Mausolo), Diana, Alexandria e Babilônia.
Toda gravidez, Madrugada (mãe de Apolo Onze) tinha um desejo e na gravidez dele, ela teve desejo de desejos. Apolo Onze puxou à mãe no que dizia respeito à preferência pela noite e aos tais desejos de desejos (queria querer alguma coisa e não conseguia).
A festa que nunca acabava dava muito trabalho mas gerava muitos negócios/empregos: Garçons para servir todo pessoal, cantadores, sapateiros (de tanto dançar os sapatos acabavam), criadores de galinha (ovos para doces, miúdo e galetos), mulher do cachorro-quente, vendedor de amendoim, fornecedor de bebidas, o velhinho da confeitaria, a dona da butique, os floristas, Dona Remédios da farmácia (sais de fruta, xarope para o fígado), fabricante de lenços (lenços com motivos festivos para usar nos cabelos, pescoço ou enxugar o suor da dama), professor de matemática (ensinava uma conta, uma fração, uma raiz quadrada ou uma equação) entre uma dança e outra, professor de filosofia, professora de história (ensinava história do mundo para as crianças dormirem à noite), professor de geografia (explicava onde ficavam a África, Europa, América, deserto, o mar, os rios).
A cidade inteira vive em função dessa festa, exceto pelo Sr. Noctâmbulo, que nunca participa de nada e que detesta o barulho. Noctâmbulo, que era dono de um pedaço de terra dez vezes maior que Apolo Dez, era a única pessoa da cidade que não gostava da festa e vivia triste. Antes de Apolo Onze nascer e de começar a festa, Noctâmbulo contava com a população toda para servir de mão de obra só para ele. Depois que a festa começou, o povo descobriu que podia trabalhar por conta própria e se divertir. Assim ele perdeu todos os funcionários disponíveis no mercado, deixou de ser a pessoa mais importante e passou a ser “o vizinho”.
Noctâmbulo fez tudo para acabar com a festa: rogou praga, jogou pedra, acendeu vela, fez abaixo-assinado só com a sua assinatura, fez intriga, cara feia, desaforo, ate foi reclamar do barulho ao juiz e exigir uma solução.
Apolo Onze era um bebê de cabelos compridos e louros que suas irmãs faziam trancinha. Herdou a curiosidade sobre tudo o que se relacionava com a lua da linhagem dos Apolos e também a bandeira de Desatino do Sul que ficava hasteada na porta do seu quarto.
Quando Apolo Onze acordou com a chuva e vento, ele sabia que ia acontecer uma tragédia e que a chuva ia estragar a festa (o salão estava inundado, os guardanapos de papel não serviam mais para nada, os enfeites tinham murchado, a comida desmilinguida, os docinhos completamente ensopado, a bebida misturada com água da chuva, a banda parou de tocar e decretou um intervalo (não dava para cantar, tocar e se enxugar ao mesmo tempo). Era
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