ANÁLISE ESTILÍSTICA NA OBRA DE CECÍLIA MEIRELES
Por: Douglas Bezerril • 3/2/2018 • Trabalho acadêmico • 1.891 Palavras (8 Páginas) • 981 Visualizações
MOTIVO: ANÁLISE ESTILÍSTICA NA OBRA DE CECÍLIA MEIRELES
"...Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda..."
(Romanceiro da inconfidência – Cecilia Meireles)
A vida e a obra
Cecilia Meireles é considerada uma das maiores vozes femininas da poesia brasileira. Mesmo sendo jornalista, pintora e professora, conquistou sua glória como escritora, conquistando leitores de todas as idades, e alcançando o sucesso com obras renomadas, ganhando destaque principalmente na literatura feminina.
Nascida em 7 de setembro de 1901, na cidade do Rio de Janeiro, Cecilia Benevides de Carvalho Meirelles, teve uma infância marcada com dor e sofrimento. Criada pela avó, ficou órfã da mãe ainda quando criança, e foi marcada pela solidão por nem ter conhecido o pai, que morrera antes de seu nascimento:
“Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano. ” (Cecilia Meireles, quando questionada sobre sua vida, por alguns intelectuais)
Se formou como professora e, com apenas 18 anos, publicou sua primeira obra, o livro “Expectro, na qual, apesar de se tratar de um momento extremamente modernista, a obra é composta fundamentalmente com elementos simbolistas.
Em 1922, ela se casa com Fernando Correia Dias, pessoa a qual, proporciona a Cecilia o contado com o movimento poético português. Em 1934, no cargo de Secretária da Educação, ela cria a Biblioteca Infantil do Rio de Janeiro. Após ficar viúva, em 1936, Cecilia e suas três filhas passam por momentos de aflições, o que acarretou em graves crises de depressão sofrido por ela.
No mesmo ano, após receber uma carta anônima, Cecilia deixa de grafar seu nome com dois l (Meirelles), pois o autor desconhecido dá essa sugestão propondo como efeito uma vida mais leve. Coincidência ou não, depois disso as coisas começaram a mudar na vida da escritora. Em 1939, a escritora ganha o Prêmio Poesia/Academia Brasileira de Letras, e no ano posterior, ela casa-se novamente com o médico Heitor Grilo. A partir de então, sua vida ganha estabilidade e sua careira entra em ascensão.
O último livro que ela lança, ainda em vida é o “Solombra”, em 1963, onde a autora expõe todo o seu “universo poético. Cecília faleceu em sua cidade natal no dia 9 de novembro de 1964.
Analise da obra
O poema de Cecília Meireles escolhido para ser analisado é o poema “Motivo”, Obra publicada no livro “Antologia Poética, publicado em 2001 pela editora Nova Fronteira.
Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Cecília Meireles
Logo no início do poema, é possível se notar uma marca de subjetividade do eu lírico marcado pela presença do pronome eu. É possível perceber também, ainda na marcação de subjetividade, a exposição dos sentimentos do eu lírico. É possível notar essa relação quando o eu lírico fala “Não sou alegre nem sou triste: poeta. ”
Na primeira estrofe, o eu lírico da importância a criação do seu poema, testemunhando suas emoções para as pessoas, porém mantendo o poeta imparcial. No terceiro e quarto verso, o eu lírico, apesar da sua triste existência, se satisfaz apenas pelo fato de ser um poeta.
Na segunda estrofe, o foco está no valor dado de forma equivocada a coisas momentâneas, que assim como o vento, elas passam e o valor dado a elas se perde. Ao dizer que não sente nem o gozo nem o tormento, ele se refere à ausência de qualquer prazer ou angustia que tais coisas não proporcionam, e que por isso não se deve apegar a elas, mas viver livres como o vento, como a mente de um poeta.
A terceira estrofe é marcada por duvidas do eu lírico, dúvidas sobre qual decisão tomar e dúvidas quanto a sua existência. Essa dúvida é marcada com recorrência da expressão “Não sei”. O eu lírico questiona a transitividade, a vicissitude da vida, por meio de um paradoxo entre os verbos ficar e passar, postos em relação com os termos fico e edifico apresentando que, na vida sempre algo é glorificado, mas que ao passar, esses valores de desmancham, e nada mais resta.
Na quarta estrofe, o eu lírico revalida a importância dada ao agora. Ele ainda ressalva que o canto de um poeta é eterno e vivo assim como o bater de asas dos pássaros, e que apesar do poeta um dia se findar, seu canto se torna eterno, assim como o espirito, mesmo a música sendo desconsiderada por muitos.
Relacionando o poema de Cecilia Meireles com as ideias de Octávio Paz e Mikhail Bakhtin, é possível perceber que a poesia transcende o eu lírico, e chega ao leitor por meio do poema. Paz diz que a poesia é sublimação, libertação do indivíduo. Capaz de explorar sensações, expurgar sentimentos, ela é capaz de dialogar com a existência, e é exatamente isso que a poetisa faz nesse poema. Ao apresentar os questionamentos do eu lírico sobre sua existência, a autora, transita pela obra. Nos temas nos quais ela aborda com sua escrita, é possível perceber toda a leveza e delicadeza que ela utiliza na abordagem de suas temáticas.
No que diz respeito as concepções de forma e conteúdo, abordadas por Bakhtin, Cecilia realiza o seu dever com plena maestria. Com um poema rico em recursos estilísticos, evidencia claramente os pressupostos de Bakhtin, onde a relação de forma e conteúdo não deve ser desconsiderado O poema Motivo é abundante em significações e por meio da percepção dos fatos estilísticos vemos como a poetisa os utiliza com tanto domínio, que ela cria um estilo único, singular.
O poema é todo constituído por antíteses, o que podemos perceber na relação entre “alegre” x “triste”; “noite” x “dia”; “desmorono” x “edifico”; “permaneço” x “desfaço”; “fico” x “passo”.
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