ANÁLISE DA FIGURAÇÃO FEMININA EM O TEMPO E O VENTO, DE ÉRICO VERÍSSIMO
Monografias: ANÁLISE DA FIGURAÇÃO FEMININA EM O TEMPO E O VENTO, DE ÉRICO VERÍSSIMO. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: engalobada • 14/3/2015 • 4.543 Palavras (19 Páginas) • 391 Visualizações
BORGES. Gisele do Rocio. Análise da figuração feminina em O tempo e o vento de Érico Veríssimo.
Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009.
www.utp.br/eletras
Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009
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ANÁLISE DA FIGURAÇÃO FEMININA
EM O TEMPO E O VENTO, DE ÉRICO VERÍSSIMO
Gisele do Rocio Borges1
anabel-lee@pop.com.br
Árvore pesada de flores,
minha amada, na primavera:
tão só naquele descampado,
quando as águas caíam, era
uma cruz alta a florescer
no chão tão triste do meu ser,
assim pensava Pedro, bem antes
de possuir sua Ana Terra,
e ser morto em campos distantes,
campos de coxilhas e serras.
Alberto da Cunha Melo
De modo geral, estamos condicionados a analisar e a pensar a História a partir
dos grandes episódios e seus ilustres protagonistas. Do mesmo modo, a História
considerada “oficial” passou a ser meramente a narrativa dos grandes acontecimentos,
das epopéias de grandes heróis; isto é, contemplando uma “visão maniqueísta” dos
fatos. Circunstancialmente, não se procura compreender o contexto o qual estão
inseridos aqueles que não dispuseram da imortalidade dos documentos históricos.
Contudo, na década de 30, surge uma nova corrente historiográfica associada a École
des Annales na França. Nessa direção, propõe-se então, uma nova forma de se fazer a
História, caracterizada como história total e história estrutural, por aportar-se não só nos
eventos, mas também nas mentalidades envolvidas nos contextos historiográficos.
Desse modo, ocorreria um resgate do contexto histórico; isto é, uma
investigação daqueles que estiveram à margem das narrativas que constituem o aporte
historiográfico sob o qual está erigido o cânone formador do pensamento ocidental.
Seguindo esse veio de pensamentos, o escritor Érico Veríssimo procurou
construir sua literatura sob uma ótica revisionária, sobretudo em O Tempo e o Vento,
romance no qual irá confrontar a visão das grandes sagas e epopéias, construídas a
partir de uma abordagem maniqueísta dos fatos, desse modo excluindo a voz feminina
do discurso oficial.
1 Mestre em Estudos Literários pela UFPR
BORGES. Gisele do Rocio. Análise da figuração feminina em O tempo e o vento de Érico Veríssimo.
Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009.
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Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009
A narrativa é norteada por vozes femininas que constroem a história,
especialmente no O Continente, em que Ana Terra inaugura a Saga da família Terra. A
partir de então, Ana se torna o ponto em torno do qual orbitarão os principais eventos e
também tornar-se-á a grande responsável pela continuidade da família, que se funde
posteriormente, em Terra-Cambará.
Dentre as diversas analogias existentes para o nome de Ana Terra, encontramse
algumas partindo do próprio autor: “Eu penso nela como uma espécie de sinônimo de
mãe, ventre, terra, raiz, verticalidade (em oposição à horizontalidade nômade dos
homens), permanência, paciência, espera, perseverança, coragem moral” (CHAVES, p.
76).
A saga dos Terra-Cambará edifica-se a partir das lembranças e rememorações
de Ana Terra, que remontam ao ano de 1777, no contexto das guerras missioneiras: “No
O Tempo e o Vento o autor faz da formação do Rio Grande do Sul um drama que
transcende naturalmente a história, superando a ordem cronológica do tempo e a ordem
física do espaço: um drama essencialmente humano, em que o psicológico e o social se
confundem num mesmo e extraordinário plano de projeção” (MONTENEGRO, p. 269).
Filha de Maneco Terra e Henriqueta, Ana tornou-se uma mulher de
personalidade forte e marcante. E, ainda que criada sob um rígido patriarcado – onde
mulheres e escravos figuravam como extensão da propriedade masculina – ela insistia
em aspirar a uma outra forma de viver; sobretudo habitar lugares mais povoados (como
Sorocaba, onde morou quando criança). Era como se intuísse que havia outras formas,
inclusive mais requintadas de se viver: “Uma tarde, à hora da sesta, Ana Terra tornou a
sentir aquela agonia de outras tardes e noites. Era uma sensação que não saberia
descrever a ninguém. Seria fome? (...) Havia acabado de almoçar, estava de estômago
cheio; logo não podia ser fome. Tinha a sensação de que lhe faltava alguma coisa no
corpo, como se lhe houvessem cortado um pedaço do ser” (VERÍSSIMO, 1994, p. 54).
O jugo masculino
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