Análise Almeida Garret - dois poemas / "Não te amo" e "Os Cinco Sentidos"
Por: Juan Gonzalez • 19/7/2023 • Resenha • 2.755 Palavras (12 Páginas) • 200 Visualizações
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG [pic 1]
INSTITUTO DE LETRAS E ARTES – ILA
CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS – PORT./INGLÊS
DISCIPLINA DE LITERATURA PORTUGUESA III
DOCENTE: JOSÉ LUÍS GIOVANONI FORNOS
DISCENTE Juan Pablo Domingues Gonzalez de Oliveira - 148201
Atividade Avaliada
Entrega: 24/05/2023 (31/05/23)
O objetivo deste trabalho é analisar sobre dois poemas do pai do Romantismo Português, João B. da S. L. de Almeida Garrett (☆1799 – †1854), encontrados em “Folhas Caídas” (1854), sua obra lírica final e definitiva. Veremos na análise de ambos os poemas, “Não Te Amo” e “Os Cinco Sentidos”, elementos que marcam a poesia de Almeida Garrett e o período Romântico na literatura portuguesa. Observar-se-á, também, duas análises sobre os respectivos poemas e que foram oferecidas como parte desta atividade avaliada.
Análise do poema “Não Te Amo”.
O poema “Não Te Amo” traz a oposição entre duas maneiras de (se pensar o) querer. Tal qual destaca o sujeito-lírico desta poesia, de um lado teríamos o amor, que “vem da alma” (L1), “é vida” (L5), ou um sentimento caracterizado pelo bem-querer e entendido sob a concepção clássica, platônica, romântica, ou transcendental. A esta maneira de amar irá contrapor o eu-lírico um querer, que é “bruto e fero” (L10), “que o sangue [me/lhe] devora” (L11), que “não chega ao coração” (L8), e que evoca a ideia de azar/calamidade/mau agouro e perdição (L.14, 15, 16). Esse querer, oposto ao amor, trata-se de lascívia e não ternura.
Propondo esta dicotomia temática, Almeida Garrett poematiza uma oposição à poesia estabelecida até aquele momento. Contrapondo-se à tradição que lhe precedia, Garrett provoca desconforto na sociedade em que sua poesia circulará, alinhando-se ao período literário Romântico, porém, com uma diferença: em Garret o sublime do Romantismo, tão costumeiramente alinhado à Natureza e ao metafísico, aparecerá relacionado ao terreno/carnal/físico (afim à sensualidade). Este desejo carnal, ainda que um “lado B” do Romantismo – já que o sublime é o “lado A” – dialoga com a premissa romântica da exacerbação do indivíduo; o sujeito romântico sofrerá e será atormentado por desejar demais, e, na impossibilidade de concretizar esta vontade, será levado à ruína, ou à perdição. Justamente a ideia expressada pelo poema “Não Te Amo”.
O indivíduo da prosa e da poesia romântica buscará afirmar a sua vontade e felicidade acima das prescrições de sua sociedade, rompendo com as leis/regras da sua sociedade m prol de sua liberdade e autenticidade se preciso for. Ainda que o rompimento com tais prescrições não seja o tema da poesia analisada, podemos perceber que nela existe um elo entre duas ideias: a primeira é a ideia de que “podemos desejar alguém sem que nisso haja amor”, e a segunda é a afronta que a afirmação do desejo pelo simples fato de desejar significa frente às convenções estabelecidas do Barroco e Neoclassicismo até a contemporaneidade de Almeida Garret. No Barroco a supressão se deu pela Religião, e no Arcadismo ocorreu pela busca do idílico e puro. Assim, o desejo lascivo, se existente na Literatura, é sistematicamente suprimido no fazer poético anterior ao Romântico. Daí que “Não Te Amo” subverte o mote pristino ao abordar o querer sem que haja aquele amor tão cantado nos períodos literários anteriores, e que em grande parte ainda o será em outros autores do Romantismo.
Em síntese, ainda que a principal premissa do Romantismo seja a idealização de determinado fenômeno e então sua conseguinte impossibilidade de concretizá-lo (a exemplo: um sentimento/sentimentalismo caracterizado por ser nobre e elevado), neste poema de Almeida Garret não temos tais idealizações, mas somente um sentimento chão, inclusive indigno (L19) e infame (L21). O próprio refrão, “não te amo, não!”, ao mesmo tempo em que sugere o conflito subjetivo da voz lírica que o professa, também situa o um conflito entre tal poesia versus a produção poética pautada no tema “amar”. Introduzindo a sugestão erótica (que causa “espanto” [L22], “medo” e “terror” [L24]). “Não Te Amo” não traz a idealização de uma musa, nem a exaltação da natureza, mas, como antítese destes temas, evoca a simples realidade de um desejo imediato e inconformado, mas igualmente impossível.
Quanto à estrutura de “Não Te Amo”, esta apresenta vinte e quatro versos que são divididos em seis quadras. Estas se organizam a partir de uma parelha que rima entre si ([“d’alma/calma”], [“vida/sentida”], [“quero/fero”], [“bela/estrela”], [“forçado/azado”], [“tanto/espanto”]), além de possuírem um terceiro verso que rima de forma externa, combinando-se um com o terceiro verso da quadra seguinte, totalizando assim três pares de rimas externas ([“jazigo/comigo”], [“devora/má hora”], [“furor/terror”]). Os versos finais de cada quadra compartilharão entre si uma rima externa, sendo responsáveis pela manutenção do refrão ([“Ai, Não te amo, não.” {x2}], [“coração/perdição” {Verso III & IV}], [“Mas oh! Não te amo, não”], [“Mas amar!... não te amo, não”]). O esquema destas combinações é ilustrado assim: AABC, DDBC, EEFC, GGFC, HHIC, JJIC, sendo o os dois primeiros elementos de cada estrofe, o par de letras “AA”, “DD”, “EE”, “GG”, “HH” e “JJ” as rimas internas, o terceiro elemento “B” com “B”, “F” com “F” e “I” com “I” a rima externa entre três pares de quadras, e “C” o refrão e a sua manutenção.
Ademais, podemos atentar para a pontuação e o léxico da poesia. Como já vimos, ocorre a utilização do prefixo “in” encontrados em “indigno” (L19) e “infame” (L21) sinalizando uma inversão em relação ao se falar de um amor elevado. São outros elementos dignos de análise os seguintes: Em primeiro ligar, temos no par de quadras iniciais a utilização do hífen/travessão ([“A calma – do jazigo” {L3}] e [“E a vida – nem sentida” {L6}]), especificando a que tipo de calma e como é essa vida de que fala o sujeito lírico. Tanto a palavra “jazigo”, quanto o falar sobre uma vida não sentida, aliás, irão situar a atmosfera do poema “Não Te Amo” como um precursor do que será um dos principais motes do Romantismo: a obsessão da poesia romântica em relação ao fúnebre e à morte. Também, caminhando para o clímax da poesia, que passa por “furor” (L19) em direção ao “espanto, medo e terror”, a obra pinta sentimentos dos mais agudos, que vão caracterizar a estética romântica do arroubo e do arrebatamento. Novamente, a própria pontuação cumpre em salientar esses sentimentos a partir da utilização das reticências e a utilização de exclamação, que, primeiro, no refrão (“Ai!), exprime o coito da tradição trovadoresca, e, depois, no espírito do interlocutor – no clímax – uma dimensão de suspensão e arrebate.
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