Dar Corpo à Memória: a poesia de Paula Tavares e as encenações do feminino Introdução. Mulheres e escrita em África pós-colonial: breves apontamentos
Por: samuelameno2019 • 10/10/2019 • Trabalho acadêmico • 2.556 Palavras (11 Páginas) • 240 Visualizações
FICHAMENTO
Dar Corpo à Memória: a poesia de Paula Tavares e as encenações do feminino
Introdução. Mulheres e escrita em África pós-colonial: breves apontamentos
1-Ao ser absorvido pelos Estudos Culturais o termo pós-colonial deixou de evocar uma simples referência temporal para trazer consigo uma série de novos debates correlacionados com os efeitos que a colonização infligiu sobre os países então recém independentes. (P.37)
2-Pós-colonialismo refere-se, então, a “todas as estratégias discursivas e performativas (criativas, críticas, e teóricas) que frustram a visão colonial, incluindo, obviamente, a época colonial” (Leite, 2003, p. 11). O eu que se configura no discurso pós-colonial, quer em literatura, quer em teoria ou crítica, não se limita a retratar o colonizador – identificado, primeiro, a partir de fronteiras políticas e, depois, através de diferenças culturais –, mas em seu posicionamento ideológico inclui também todas as vozes que, agora, se levantam contra a hegemonia e a segregação das minorias. (P.38)
3- No caso dos países africanos de língua oficial portuguesa – cujo contexto e produção literária constituirão o foco deste texto – esses debates colocaram em cena novos paradigmas para pensar essa produção literária: se ontem existia uma literatura colonial produzida por homens brancos, hoje se vê, claramente, a significativa existência de literaturas escritas por sujeitos dupla ou triplamente marginalizados, cujo exemplo singular está nas mulheres africanas que escrevem em língua portuguesa. (P.38)
4-Fala-se em contexto pós-colonial e literatura, sendo profícuo, por isso, reforçar o fato de que a escrita de mulheres é um dos elementos constituintes e fundantes da interseção entre essas duas esferas. As formulações pós-coloniais são inerentes às literaturas africanas de língua portuguesa, nomeadamente a angolana, porque a memória e a história daqueles povos conformaram o início deste percurso literário, e este fato se projeta também para a emergência da autoria feminina naquele contexto. (P.39)
5-Tendo em vista a leitura de uma literatura produzida por mulheres num contexto pós colonial, o olhar que aqui será lançado sobre a obra poética de Ana Paula Tavares buscará ver e – retomando Manoel de Barros (2004) – transver a forma pela qual essa poiesis apresenta e representa o feminino Tendo em vista a leitura de uma literatura produzida por mulheres num contexto pós-colonial, o olhar que aqui será lançado sobre a obra poética de Ana Paula Tavares buscará ver e – retomando Manoel de Barros (2004) – transver a forma pela qual essa poiesis apresenta e representa o feminino. Nesse sentido, o corpo e a memória serão aqui retomados como denominadores simbólicos comuns da escrita feminina (cf. Kristeva, 1993, p. 298) e, assim, constituirão duas categorias de leitura para uma análise mais direcionada das representações da mulher na poesia de Paula Tavares. Nesse sentido, o corpo e a memória serão aqui retomados como denominadores simbólicos comuns da escrita feminina (cf. Kristeva, 1993, p. 298) e, assim, constituirão duas categorias de leitura para uma análise mais direcionada das representações da mulher na poesia de Paula Tavares. (p.40)
6-Por outras palavras, a dimensão corpórea representa-se metonimicamente na escrita, é continuidade e substância dessa arte literária, escreve-se (pel)o corpo e inscreve-se na linguagem dessa literatura, ao passo que a memória, por sua vez, exerce também um poder simbólico, tanto sobre o corpo que escreve, quanto sobre aquele que é inscrito na e pela autoria feminina. (p.40)
7-Fala-se também de identidade, pois a literatura é uma das mais sublimes formas de desenhá-la, e esse desenho é feito a partir de traços singularmente influenciados pelo peso do corpo e da memória. (p.41)
8-Tendo em vista, portanto, alguns dos referenciais ideológicos produzidos pelo discurso pós-colonial, este trabalho tenciona fazer um “passeio” pela obra poética produzida por Ana Paula Tavares, a fim de conhecer melhor o corpo da mulher no poema e o corpo do poema na mulher, procurando perceber em que medida a memória serve de substância fixadora dessas duas matérias – corpo e texto, carne feminina e linguagem literária –, conformando uma escrita pelo corpo e, por fim, uma “escrita mulher”. (p.41)
9-Portanto, a principal meta deste trabalho é compreender em que medida as representações do corpo e as figurações da memória dão à poesia de Ana Paula Tavares o estatuto de uma escritura singularmente feminina. (p.42)
Poética da vida e da morte: o corpo feminino como
símbolo da tradição e lócus da memória
10- Voltando aos corpos de mulheres que se sucedem nas duas primeiras obras poéticas, pode-se afirmar que eles vão surgindo, na festa linguajeira, aos olhos do leitor deslumbrado, desdobrando-se em mitos, ritos, provérbios epigráficos ou mesmo versificados, símbolos e metáforas, como se dá com os vegetais, na primeira parte dos Ritos. (Padilha, 2006, p. 304). (P.42)
11- Marcada por um profundo erotismo, a imagem presente nesses versos dá a ver um corpo de mulher – representado pela zebra– ferido por um objeto fálico – a pedra, que, por sua vez, “produziu lume”, o que é uma clara alusão ao orgasmo masculino como ato que fere o corpo feminino. (p.43)
12-A esta representação somam-se outras delineadas pela presença de frutas, como a nocha, a nêspera, o mamão, a manga e o mirangolo, elementos comestíveis que alegorizam o corpo da mulher através de conotações sexuais associadas ao alimento, o que implica a crítica a uma perspectiva sexista que enxerga o corpo feminino como algo que existe apenas “para comer”, ou seja, para deleite e prazer sexual. (P.43)
13- É sempre esta faculdade mental que desenha, nos poemas de Paula, o corpo feminino, o qual, nesta seção, será analisado como elemento de conformação (e, ao mesmo tempo, denúncia) de uma tradição que “pesa sobre a condição da mulher, obrigada, hoje, ainda, a desdobrar-se em fêmea, progenitora, educadora, doméstica e figura pública, entre tantos outros “papéis” sociais (funções na cadeia de re/produção)” (Laranjeira, 2007, p. 527). (P.44)
14-No caso da escrita feminina, em especial a de Paula Tavares, a memória é delineada por uma consciência partilhada entre-tempos, cuja partilha se dá naturalmente pelo gênero e pelas imposições que o patriarcalismo impôs ao “segundo sexo”. (P.44)
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