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Heterogeneidade e Polifonia nos Labirintos do Role Playing Game

Por:   •  3/4/2022  •  Artigo  •  4.644 Palavras (19 Páginas)  •  118 Visualizações

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Heterogeneidade e polifonia nos labirintos do Role

Playing Game

Cristina de Matos Martins (mestranda)

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP cris.usp@bol.com.br

Resumo.Esse artigo examina a polifonia e seu elo com a argumentação em um RPG educacional. Posicionando-se como um especialista, o enunciador dirige- se a jogadores iniciantes e a educadores. A teoria polifônica de Ducrot é a base para a análise de enunciados que manifestam diferentes perspectivas a partir das quais o enunciador orienta e mantém o co-enunciador dentro das trajetórias já traçadas à aventura e ao aprendizado. Para o diálogo como o educador, seguimos a teoria enunciativa de Authier-Revuz e verificamos como o interdiscurso é central na legitimação do RPG como ferramenta educativa.

Palavras-chave: argumentação; polifonia; interdiscurso; jogo; educação.

Abstract. This paper examines the polyphony and its link with the argument in an educational RPG. Locating himself as a specialist, the enunciator drives it at beginning players and the educators. The polyphony’s theory of Ducrot is the base for the analysis of enunciated that they reveal different perspectives from which the enunciator it guides and it keeps the co-enunciator of the traced trajectories already to the adventure and the learning. For the dialogue with the educator, we follow the enunciative theory of Authier-Revuz and verify as interdiscourse is central in the legitimating of the RPG as a “teaching” tool.

Keywords: argument; polyphony; interdiscourse; game; education.

1. Introdução

O objetivo do presente trabalho é estudar como é constituída a argumentação dentro de uma aventura de Role Playing Game, por meio dos fenômenos da polifonia e da interdiscursividade. Dessa forma, após levantarmos suas marcas mais relevantes, buscaremos interpretá-las para verificar como elas concorrem na construção dos sentidos do texto, em uma dupla função: ora privilegiando o jogo e toda a coerência que envolve seu desenvolvimento, ora divulgando-o como estratégia de ensino.

2. A metalinguagem do jogo: conhecendo o RPG

É possível traduzir a sigla inglesa RPG como “jogo de representação de papéis”. O percurso histórico traçado por Aarseth (1997) indica que o Role Playing Game surgiu nos Estados Unidos na década de setenta, como jogo de tabuleiro. No entanto, sua fama deve- se a uma adaptação computadorizada, difundida mundialmente. Hoje, grande parte de sua divulgação ocorre em suporte impresso, atendendo a públicos variados. Aos poucos, o RPG procura ampliar suas possibilidades de aplicação, como temos observado nos eventos oficiais cujo tema é o jogo.

Atualmente associa-se ao título “RPG” diversas práticas e uma ampla categoria de produtos (encontrados em livrarias especializadas no gênero). Podemos encontrar sob esse rótulo o card-game (baralho ilustrado), o livro de aventura-solo, o livro para o RPG de mesa, o Live Action (interpretação teatralizada da narrativa por jogadores caracterizados); justamente por essa diversidade, delimitaremos a perspectiva na qual o tomaremos aqui: privilegiaremos o RPG de mesa e seu conjunto prévio de textos escritos – compreendendo descrição e explanação de regras, cenários, personagens e enredo.

O RPG é, segundo Lourenço (2003: 04), “(...) uma forma interativa de ficção”. Tomados como ponto de partida, é preciso entender esses dois elementos essenciais na compreensão da dinâmica do jogo. Recorremos aos conceitos discutidos por Aarseth (1997): a atividade interativa do leitor é prevista por um componente estrutural da narrativa que prevê sua intervenção – a sensação do jogador é que a história não se constrói, ou ao menos, não é a mesma sem ele. Essa relação é negada a um leitor “tradicional”, que percorre o enredo externamente, não tendo o acesso controlado e podendo saltar impunemente as passagens textuais – relembrando o conceito de tmese barthesiano.

Após diferenciar as posturas assumidas por um leitor do texto “tradicional” e de um “cibertexto”, categoria na qual se encaixa o jogo em questão, passemos à definição do segundo termo, ficção, que compreenderia o enredo no qual os jogadores são envolvidos para fins de participação, nos termos descritos acima.

A aventura, que deve ser apreendida na sua totalidade, em um curto espaço de tempo, é delineada por regras (característica essencial de todo jogo) que constituem a noção central de sistema: um conjunto que regula não só a criação de cenários, enredos e personagens, em termos de coerência e verossimilhança, como também a interação dos personagens entre si e com o enredo, conforme a progressão narrativa. O sistema de regras é um acordo prévio que regulamenta as ações das personagens dentro da aventura; cada um deles possui suas particularidades, a partir das quais os jogadores criam “conivências” e noção de pertença a um determinado grupo: fantástico, medieval, gótico, entre outros. Nosso jogo-texto inscreve-se no GURPS (generic universal role playing system) – o mais geral de todos, o qual permite criar, segundo seu idealizador, Steve Jackson, qualquer personagem em qualquer ambientação (cenário).

Por fim, para concluir essa etapa explicativa do funcionamento dos elementos que compõem o universo de RPG, passemos à relação mestre / jogador. Descrevemos abaixo um perfil das atribuições de um mestre:

... um dos participantes é o Mestre, ele comandará a sessão de jogo (partida), sendo o roteirista principal. Ele chega ao jogo com uma aventura já esboçada (extraída de um manual como este ou inventada por ele próprio). (...) O Mestre inicia descrevendo o lugar onde estão os personagens, o seu nível de tecnologia, costumes, detalhes da política local e, então leva a história até um ponto onde os personagens começam a atuar, a ter de enfrentar situações, resolver charadas ou lutar em guerras. (Jackson, 1994: III).

Essa descrição já apresenta o mestre em plena “atuação”. Saliente-se que não consideramos para este artigo a situação real de jogo, mas sim o trabalho prévio do enunciador, por meio do diálogo instalado no jogo-texto, visando a ensinar um jogador iniciante e torná-lo apto a ocupar o lugar de mestre.

O livro selecionado para análise é O resgate de Retirantes - uma aventura de rpg pela vida de Cândido Portinari. A escolha

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