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Minha Dispendiosa Perna

Por:   •  29/6/2019  •  Trabalho acadêmico  •  2.264 Palavras (10 Páginas)  •  204 Visualizações

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1 – Um notável começo ou introdução.

O presente ensaio se propõe, de modo introdutório, a descontruir a imagem etnocêntrica que retrata os índios pré-conquista enquanto povos primitivos e selvagens.

 Para tanto, empregaremos conceitos e pesquisas de autores como Alcida Rita Ramos, André Prous, Carlos Fausto, Eduardo Viveiros de Castro e dos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari.

Não pretende-se aqui construir uma etnografia dos povos indígenas antes do Brasil, mas sim empreender uma reflexão acerca das hipóteses históricas e evidências arqueológicas que fundamentam e/ou desmistificam o arquétipo indígena pré-conquista.    

Cabe, dessa forma, começar pelas questões primeiras: localizar e examinar, mesmo que superficialmente, as sociedades dos “primeiros habitantes das terras baixas da América do Sul”. (PROUS, 2007, p. 7). O estudo desse passado ainda recente e suas arqueologias trarão os elementos necessários para que possamos entender melhor suas práticas e sociedades.

2 – Sobre reinos e “selvagens”

 André Prous (2007) elucida que, ao se pensar nos habitantes do Brasil antes da chegada dos portugues, é natural traçar uma correspondência entre esses e as sociedades remanescentes indígenas atuais (PROUS, 2007, p.7).

Porém, essas populações indígenas antes do Brasil não conheciam fronteiras, certos sistemas políticos e sociais, e eram bem diferentes do estereótipo criado pelos cronistas e missionários dos séculos XVI e XVII.

Segundo historiadores, essas sociedades estavam aqui instaladas há mais de 12.000 anos e, desta forma, tiveram tempo mais que suficiente para se transformar até a chegada dos europeus.

A imagem do “índio” construída pelos primeiros cronistas, baseia-se em traços dos povos Tupi e Guarani do litoral, cujos aspectos linguísticos e étnicos eram muito marcantes e distintos dos outros povos mais isolados. (IDEM, 2007, p.7).

Sabe-se que, a população ameríndia do período pré-conquista era vinte vezes maior do que a atual e que essas sociedades não utilizavam nenhum tipo de registro escrito, repassando suas tradições e histórias somente de forma oral. Os arqueólogos dispõem, então, apenas de vestígios materiais  que esses povos deixaram, quase sempre involuntariamente, para tentar recriar o contexto histórico daquela época.

Com efeito, a questão recorrente quando se pensa nos povos indígenas da América do Sul é: por que os povos das terras baixas não se desenvolveram como os povos dos Andes? As sociedades indígenas antes do Brasil não eram tão sofisticadas política e socialmente e por isso foram logo taxadas de primitivas, inferiores, em relação aos povos das terras altas (FAUSTO, 2000, p.10).

Na classificação do antropólogo norte-americano Julian Steward, da década de 1940, conhecida como Handbook of South American Indians, o império Inca, desenvolvido nos Andes Centrais, foi o epítome da experiência expansionista, durou cera de cem anos, estendia-se por cerca de 4.300km e acabou por ruir com a chegada dos espanhóis. (FAUSTO, 2000, p.11-16).

Julgada por aquilo que não tinha, a floresta tropical passou a ser vista como um lugar “estéril e inóspito” (IDEM, 2000, p. 22-23). Steward foi o responsável por espraiar a visão de que o desenvolvimento civilizatório só aconteceu nos Andes: “lugar de origem da domesticação de plantas e animais, da manufatura de cerâmica, do uso do metal, de um sistema religioso baseado no trio sacerdote-templo-ídolo, da centralização política e da estratificação social” (IDEM, 2000, p. 23).

Ao altiplano foram designadas as formações políticas, cultura e estado, e às terras baixas o estado de natureza e os poderes mágicos que oscilavam entre o natural e sobrenatural. Sobrou para os povos da floresta “malsã e perigosa” a pecha de selvagens e primitivos.

Até os anos 1970 a visão dominante, condensada pelos trabalhos da arqueóloga norte-americana Betty Meggers, foi publicada no livro Amazonia: Man and Culture in a Counterfeit Paradise. Meggers afirmava que a baixa fertilidade do solo impedia a fixação das populações em um mesmo local e, por isso, elas assumiram uma existência móvel, ocupando territórios esparsos.

Ao contrário dos incas, os povos indígenas teriam estagnado no estágio de tribo, sociedades “simples, igualitárias e de pequeno porte”. A pobreza dos recursos naturais acabou por inibir o desenvolvimento de formas sociopolíticas complexas. (FAUSTO, 2000, p. 25)

Porém, certas evidências arqueológicas comprometiam essa visão. Registros, encontrados em escavações na calha principal do rio Amazonas, indicavam uma complexificação social – “processo de intensificação econômica, diferenciação social e centralização política” (IDEM, 2000, p.26).

A ilha de Marajó, na foz do Amazonas, possui cerca de 50 mil km² e é arqueológicamente conhecida por conter grandes tesos:

“Os tesos são aterros artificiais construídos em campos inundáveis, com fins habitacionais, cerimoniais e/ou funerários; elevam-se de 3 a 20m acima da atual planície, tendo em média 7m de altura. Começaram a surgir no século IV d.C. e parecem ter sido erguidos em estágios sucessivos até o século XIII – XIV. A maioria possui de 1 a 3ha, mas chegam a ter dimensões bem maiores, em particular os sítios arqueológicos formados por um sistema de vários tesos (como o de Camutins, que possui uma área em torno de 50ha).”  (FAUSTO, 2000, p. 26)

Outras escavações arqueológicas, conduzidas por Anna Roosevelt nos anos 1980, sugeriram que sobre os maiores sítios “erquiam-se vilas de 1 a 5 mil habitantes, chegando a 10 mil onde havia múltiplos aterros articulados entre si – uma escala que seria, definitivamente urbana.” (IDEM, 2000, p.26).

A população total somaria de 100 a 200 mil pessoas, caso os tesos tivessem sido ocupados simultaneamente para fins habitacionais. Há também a ocorrência de uma cerâmica, cujo refinamento e sofisticação não encontra correlato na Amazônia indígena. Nas escavações nos tesos, encontraram-se cemitérios e cerâmica policrômica (nas cores vermelho, branco e preto) “ricamente decorada com grafismos pintados ou incisos, além de apliques em alto relevo com representações de homens e animais.” (IDEM, 2000, p.27).

As interpretações sobre os sepultamentos são incertas, não se sabe se havia distinção entre os indivíduos por sexo, idade ou posição social. Pesquisas futuras se empenham em descobrir tais questões, porém não há qualquer registro histórico sobre os povos que ali viveram. A maioria dos autores acredita que o colapso da cultura marajoara ocorreu muito antes da chegada dos europeus.

O paradigma de Meggers começou, enfim, a perder influência a partir dos anos 1980 e 1990, com os trabalhos de Anna Roosevelt. A pesquisadora fez descobertas importantes também na região de Santarém. Restos cerâmicos, ainda mais antigos (oito milênios), apontavam a região como pólo de invenção e irradiação cultural.

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