O ensino da língua e o fracasso escolar
Por: vagnerbissolati • 15/3/2017 • Monografia • 8.361 Palavras (34 Páginas) • 399 Visualizações
Alfabetização e Letramento: O ensino da língua e o fracasso escolar
A língua escrita é um fenômeno social que sofreu e sofre transformações ao longo da nossa história. A sociedade e a sua cultura dominante, presente em dado momento histórico, influencia a forma com que as pessoas fazem uso da língua escrita como prática social. As relações sociais, cognitivas e de comunicação entre as pessoas de uma determinada sociedade influenciam a concepção e o uso que se faz da escrita. Ou seja, o domínio do código escrito é considerado um divisor entre culturas (SOARES, 2003). À medida que um povo faz uso do código escrito em suas vivências cotidianas, deixa de assumir o conceito de sociedade de oralidade primária, onde seu principal instrumento de comunicação é a fala, para integrar-se no que se define como sociedade de oralidade secundária ou sociedade letrada, que utiliza, ao mesmo tempo, além da fala, a habilidade de ler e escrever para se comunicar. Neste sentido, os indivíduos inseridos nesta cultura letrada passam pelo processo denominado alfabetização para exercerem, efetivamente, esta prática social.
Porém, até mesmo nas sociedades letradas, ou seja, que dominam o código escrito e dele fazem uso, há uma dificuldade de entender o significado do termo alfabetismo. Conhecemos com propriedade o termo analfabetismo, utilizado, frequentemente, para intitular o não domínio da habilidade de codificar de decodificar a língua escrita. A realidade do ser analfabeto, estar neste estado ou condição, não é estranho para nós, pois empregamos, constantemente, este termo. Apesar de a palavra analfabetismo ter sua derivação de alfabetismo, reconhecemos o primeiro e desconhecemos o segundo, por não entendermos com exatidão o que é o estado ou condição de quem sabe ler e escrever com proficiência. (SOARES, 2003).
Em cada momento histórico fazem-se necessárias novas habilidades relacionadas ao domínio da leitura e da escrita. O alfabetismo é um processo complexo, que envolve não só o conhecimento da língua escrita, mas a sua aplicabilidade nas diversas situações do cotidiano. Desta necessidade de aplicabilidade do código escrito, fazendo com que o indivíduo transforme sua condição e domine essa tecnologia, tornando-a aplicável, surge o termo letramento para designar este processo de inserção desta no mundo letrado.
SOARES (2003) utiliza os termos dimensão individual e dimensão social para classificar as relações que os indivíduos estabelecem no processo de alfabetismo, em relação ao domínio do código escrito. A dimensão individual é o alfabetismo visto como um atributo que o indivíduo tem para si, ou seja, sua habilidade de ler e escrever, com um sentido mais amplo; a dimensão social relaciona-se com as atividades, com o uso que se faz da língua escrita em sociedade. Ambos são um processo linguístico e psicológico, diferentes, porém complementares. Ou seja, o domínio das duas dimensões do alfabetismo permite que o indivíduo utilize para si e para a sociedade suas habilidades sobre a leitura e escrita.
Entender que ler não é apenas decodificar textos, reconhecendo os sons do agrupamento das sílabas, mas também compreender o significado do que está escrito e sua intencionalidade é perceber a amplitude do domínio desta habilidade. Além da decodificação e compreensão do significado do que se lê, nos deparamos com a complexidade e variedade de diferentes materiais escritos. Da mesma forma que ler é um processo amplo que percorre um longo caminho, a habilidade de escrever não é apenas codificar letras, sílabas e palavras. O ato de escrever envolve o conhecimento da ortografia, pontuação, seleção de informação, intencionalidade, etc. A escrita requer habilidades para que possamos atingir nosso objetivo maior que é a comunicação.
Devido à complexidade do processo de alfabetismo, podemos considerar que é difícil definir um termo que abranja o significado deste processo, assim como é complexo definirmos todas as habilidades e competências necessárias para que um indivíduo domine a leitura e escrita. Então, podemos considerar que o alfabetismo é um processo tão amplo, que esta condição não se restringe apenas à competência das séries de alfabetização. A inserção do indivíduo no mundo letrado começa antes de sua entrada na escola e se perpetua ao longo de sua vida, pois o processo de transformação da língua é constante.
Na dimensão social, há dois conceitos fortes que definem a prática do alfabetismo. O primeiro é o conceito de liberal, funcional de alfabetismo, o indivíduo que domina a leitura e as escrita, descobre sua funcionalidade quando consegue utilizar essa tecnologia em sociedade, buscando o desenvolvimento da sociedade em que vive o seu crescimento cognitivo, pessoal, econômico, etc. Um segundo conceito é a dimensão radical e revolucionária, que define o alfabetismo com um significado político. Nessa perspectiva revolucionária o processo de alfabetização é entendido como um mecanismo de conscientização acerca da realidade social excludente, que exclui até mesmo no processo de alfabetismo. O objetivo é através da leitura e da escrita, conscientizar criticamente as pessoas, fazendo-as transformadoras de sua própria condição social (SOARES, 2003).
É necessário compreender que os conceitos de alfabetismo variam entre as sociedades, pois os valores, a cultura não são os mesmos. Habilidades de leitura e escrita são variantes dentro de cada cultura. As necessidades das pessoas também são mutáveis em cada momento histórico. Por isso, é impossível e inviável formular um conceito único e universal que defina alfabetismo, uma vez que língua escrita, sociedade e cultura estão interligadas.
Diante destas especificidades das relações entre língua escrita, sociedade e cultura, analisaremos o processo de alfabetização no cenário da educação brasileira, que vem sendo um desafio ao longo de seu contexto histórico. Há muitos anos, não mais que 50% das crianças conseguem sair da fase da alfabetização lendo e escrevendo (SOARES, 2003). Antes do ciclo de alfabetização ser implantado no país, as crianças tinham apenas a 1ª série para adquirirem a competência de ler e escrever, caso não conseguissem, os alunos ficavam retidos, impedidos de avançar para a série seguinte. Após a implantação do ciclo, possibilitando um tempo maior para a alfabetização das crianças a problemática ainda permanece. Muitos alunos chegam ao final do ciclo sem adquirir as competências básicas para avançarem para as séries seguintes.
Estudos buscam respostas que justifiquem o motivo do insucesso do processo de alfabetização. As áreas de Pedagogia, Linguística e Psicologia chegam a diferentes conclusões, mas que não são articuladas. A explicação para o insucesso são inúmeras. Pode estar no próprio aluno (questões de saúde, psicológica ou de linguagem), no contexto cultural (família, ambiente socioculturais), no professor (falta de formação ou incompetência profissional), na falta de material didático para o trabalho e no próprio código escrito (a dificuldade de articulação entre os sistemas fonológico e ortográfico). O que realmente acontece é que a alfabetização é um processo complexo e, para que se entendam as reais causas do insucesso, é preciso que as diferentes linhas de pesquisas citadas se unam para entender sua natureza e construção. (SOARES, 2003)
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