Perto Do Coração Selvagem, Clarice Lispector
Resenha: Perto Do Coração Selvagem, Clarice Lispector. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: clispector • 17/2/2015 • Resenha • 365 Palavras (2 Páginas) • 179 Visualizações
Este é o primeiro romance de Clarice Lispector, e talvez o que se tenha
tornado mais famoso. Publicou-o, em 1944, pela Editora A Noite, quando não
tinha mais que dezessete anos. Álvaro Lins, então o melhor crítico literário do
país, manifestou-se imediatamente, não se furtando a escrever: "Nosso primeiro
romance dentro do espírito e da técnica de Joyce e Virgínia Woolf" — autores
que, de resto, Clarice ainda não lera e, segundo ela própria declarou depois,
jamais viria a ler...
Pode-se dizer que, desde Perto do Coração Selvagem até Um Sopro de
Vida, os contos e os romances de Clarice são momentos privilegiados — que se
cristalizam, através das palavras, em obras — de uma "inspiração" ininterrupta.
Sobretudo porque, para ela, esta palavra não tinha nada a ver com o
sentido meio esotérico de estado de alma abstrato em que a pessoa se deixa
mergulhar e não é conscientemente responsável pelo que faz.
Para Clarice, inspiração era o conjunto inextrincável de situações
existenciais e sociais em que ela se movia ora com amor, ora com ódio, ora com
esperança, ora em desconsolo, e de onde, em permanente confronto consigo
mesma, arrancava suas palavras, inventava suas ficções. Inspiração, portanto, não
lhe aparecia como a fonte onde o poeta, ao beber, se aliena de si e do mundo.
Inspiração era-lhe, ao contrário, o chão seco em que "lavrava", à custa de
muito suor, os seus textos. Sua técnica, embora (ou por isso mesmo...) toda
intuitiva, já neste primeiro romance, é de um rigor implacável. Nada é "contado",
no sentido tradicional do termo, mas escrito: as situações e os personagens
surgem através de metáforas, que se articulam ficcionalmente através do chamado
fluxo da consciência. O enredo, a história provável, constrói-a quem lê; ou seja, a
elaboração do "romance" escapa do texto concreto para desafiar a imaginação do
leitor, que se torna co-autor. Assim, aqui se põe em crise a representação do
mundo com seus códigos unívocos; desmitifica-se a relação do homem com este
mundo através destes códigos; desmonta-se a das pessoas entre si; repele todos os
cânones da linguagem que abala as estruturas em que tais comportamentos se
ossificam; dilacera-se talvez o leitor, mas ao preço de abandonar a contemplação
medíocre do espetáculo
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