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Seminários em Ensino de Literatura

Por:   •  17/8/2021  •  Trabalho acadêmico  •  2.461 Palavras (10 Páginas)  •  123 Visualizações

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Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

TL 405 - Seminários em ensino de literatura

Aluna: Leandra de Lana Lopes                   RA 177589                               30.06.2021

1)         

O início da educação literária no Brasil foi, inquestionávelmente, delimitado por discursos ideológicos de caráter nacionalista e colonizador. Desse modo, o ensino aliava-se a propagação do entendimento de uma história contada a partir da visão das identidades eurocêntricas, brancas, masculinas e elitistas, nas quais os princípios promoviam uma tentativa de homogeneização da sociedade, excluindo, portanto, as camadas subalternas e desconsiderando suas perspectivas enquanto integrantes da nação.

        No entanto, o que observamos é que esse paradigma ainda é perpetuado nas práticas formais de ensino de literatura, mesmo que ao longo dos anos novas teorias surgiram, desenvolvidas no campo de estudos intitulado pós-colonial, cuja finalidade é justamente ultrapassar esses limites ocidentais de superioridade e enaltecimento das culturas europeias em detrimento das demais.

 Boaventura de Sousa Santos (2007) promove reflexões a respeito de como essa insistência em olhar para a literatura brasileira apoiando-se na concepção de uma nação homogênea, sem fissuras, acarreta não somente no empobrecimento das obras, com a ausência de espaço para profundas análises críticas e de produção de sentido, como também favorece a permanência da leitura como ferramenta apagadora de visões, lutas, vozes e diversidades. Quando na realidade, deveríamos eleger a utilização da literatura como elemento cultural e político para acolher a pluralidade social existência em nosso país, mostrar não uma única interpretação possível em sala de aula, mas oferecer as competências necessárias para que os alunos se aproximem de entendimentos amplos e significativos a partir do livro.

Neste sentido, Santos discorre sobre as diferenças da atribuição de valores literários dependendo de quem produz ao fundamentar o que denomina de Pensamento Abissal:

O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal2. Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que estas últimas fundamentam as primeiras. [...] Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção de inclusão considera como o “outro”. A característica fundamental do pensamento abissal é a impossibilidade da co-presença dos dois lados da linha. (SANTOS, 2007, p. 71)

        Segundo o autor, há uma divisão imaginária que legitima determinados conhecimentos econômicos e sociais, “deste lado da linha”, e invisibiliza e torna irrelevante qualquer produção por parte das nações “do outro lado da linha”. Ao focar no trabalho cultural que é realizado por ambos os lados da linha, percebemos que a construção de sentido das sociedades “colonizadas”, certamente não recebem o valor que deveriam, nem a voz que precisam.

        Dentro dessa perspectiva de exclusão e preconceito, é identificada a atuação desse pensamento abissal quando nos referimos aos espaços ocupados e as narrativas sem visibilidade da população negra. Compreender a representação da figura do(a) negro(a) no universo da literatura confere-se ainda mais importante quando discutimos o Brasil, sua formação, heranças, pluradidade de povos e, consequentemente, de produção cultural.

        Em vista disso, analisando a obra de Monteiro Lobato, Histórias de Tia Nastácia (1937), podemos nos deparar com a repercussão desses paradigmas, que além de extremamente racistas, são também instrumentos de inferiorização da narrativa oral e das tradições populares. Lobato estrutura, através dos personagens do Sítio do Picapau Amarelo, histórias contadas pela Tia Nastácia, que aqui assume papel de detentora do conhecimento popular antigo e contribui para a modelação da da cultura afro-brasileira.

        Notamos que ao final de cada narração, são tecidos críticos e questionadores comentários por parte das crianças, principalmente pela Emília que, por sua vez, ecoa a voz do público letrado, que valoriza a modernização cultural através do livro, das histórias completas e dos grandes autores:         

(...) – disse Emília. (...) E o castigo que o pássaro preto inventou? Então dar uma vara mágica a uma pessoa é castigar? Quem me dera ser castigada assim! Tudo bobagens de negra velha. Nessa história vejo bobagens de negra velha. Nessa história vejo uma fieira de negras velhas, cada qual mais boba que a outra – que vão passando a história diante, cada vez mais atrapalhada. – E os tais pássaros de pluma? – disse Narizinho. – Que é que entende você por pássaros de pluma, Nastácia? Não sei, menina – respondeu a preta. – A história eu ouvi assim e por isso conto assim. Pássaro de pluma é pássaro de pena, parece. – E já viu pássaro que não seja de pena, sua tola? – disse Emília. – O que vale é que você mesma confessa não ter culpa das idiotices da história, senão eu cortava um pedaço desse beiço… (...) Bem se vê que a preta e beiçuda! Não tem a maior filosofia, esta diaba. Sina é o seu nariz, sabe? Todos os viventes têm o mesmo direito à vida, e para mim matar um carneirinho é crime ainda maior do que matar um homem. Facínora! – Emília, Emília! Ralhou Dona Benta. A boneca botou-lhe a língua. (LOBATO, 1995, p.88)

        Percebemos aqui, várias indicativas de falas discriminatórias e intolerantes, nas quais Lobato procura focar numa evidente hierarquia racial, invalidando a mulher negra e suas narrativas que contribuem para formação da identidade nacional. Por isso, a desvalorização de tais produções literárias só estimula a manutenção dos princípios colonizadores e cristaliza o estigma racial.  

        Dentre obras que podem promover ricos debates para além do pensamento abissal, temos Quarto de despejo (1960), de Carolina Maria de Jesus. Mulher, negra, mãe e moradora da favela, a autora do diário nos traz a perspectiva de quem vivencia diariamente as terríveis desigualdades do nosso país. Por meio da escrita, Carolina mostrou como é a vida na comunidade do Canindé, em São Paulo, para o restante do mundo, que desconhecia essa realidade de luta pelo mínimo.

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