Considerações Sobre o Neoliberalismo e o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
Por: Veronica Correa • 18/8/2019 • Trabalho acadêmico • 1.363 Palavras (6 Páginas) • 307 Visualizações
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PATRICIA APARECIDA CORDEIRO
No. USP 5419191
Considerações sobre o neoliberalismo e o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
São Paulo, 2019
No Brasil, entre os direitos humanos fundamentais garantidos e amparados por leis encontra-se o direito à educação. Trata-se de um direito fundamental, porque possibilita o desenvolvimento individual próprio à condição humana. Além disso, esse direito deve ser visto, sobretudo, de forma coletiva, como um direito a uma política educacional, a ações afirmativas do Estado que ofereçam à sociedade instrumentos para alcançar seus fins.
O direito à educação foi citado pela primeira vez na Constituição Federal de 1988 como um direito social (artigo 6º da CF/88). Com isso, o Estado passou formalmente a ter a obrigação de garantir educação de qualidade a todos os brasileiros. Porém, o poder público não é o único responsável pela garantia desse direito. Conforme previsto no artigo 205 da Constituição Federal, a educação também é dever da família e à sociedade cabe promover, incentivar e colaborar para a realização desse direito. Em relação às crianças e aos adolescentes, tanto a Constituição Federal (artigo 227, CF/88) como o Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 4º da Lei 8.069/90) preveem que a família, a sociedade e o Estado devem assegurar os direitos fundamentais desses sujeitos, incluindo a educação.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, fica garantido como dever do Estado com a educação escolar pública o atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar. Nesse contexto situa-se o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), criado em 1985 pelo governo federal, que consiste na distribuição gratuita de livros didáticos para os alunos das escolas públicas de todo o país. O PNLD é de responsabilidade do Ministério da Educação (MEC) e gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), baseando-se nos princípios da livre participação das editoras privadas e da livre escolha por parte dos professores.
O PNLD foi aperfeiçoado em 1995, adquirindo um componente novo: a análise e a avaliação prévia do conteúdo pedagógico com a criação do Guia de Livros Didáticos – sinopse de cada publicação, classificada de acordo com a qualidade do conteúdo –, no qual o professor pode avaliar o livro mais adequado às características de sua região, de seus alunos e ao processo pedagógico de sua escola. Em cada edital desse programa, as editoras buscam se adequar às exigências do governo, que constam dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), nas determinações específicas de cada edital do PNLD e, mais recentemente, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Assim, os objetivos do PNLD são fornecer material didático para estudantes de baixa renda, reduzindo os custos com a educação (caráter assistencialista), e melhorar a qualidade do ensino, considerando que o livro constitui um dos mais importantes suportes pedagógicos no trabalho do professor. No entanto, não é possível deixar de observar o caráter comercial desse programa e sua relação com a política liberal/neoliberal.
Por meio do PNLD, o Estado garante ao indivíduo alguns dos princípios liberais: o individualismo, a liberdade, a igualdade e, consequentemente, a democracia. O Estado “permite a todos o desenvolvimento de suas potencialidades”, combate “os privilégios conferidos a certos indivíduos em virtude de nascimento ou credo”, defende a “igualdade de direitos entre os homens, igualdade civil” (CUNHA, p. 29 e 31).
O neoliberalismo é um conjunto de ideias políticas e econômicas capitalistas que defende a não participação do estado na economia. O centro de toda ideia neoliberal é o mercado e, com isso, o consumo; assim, a educação é vista como mercadoria e alunos e seus responsáveis são consumidores. O PNLD se desenvolve a partir da compra pelo governo federal de livros didáticos oferecidos por editoras, que, muitas vezes, são conglomerados educacionais. Então, apesar de esse programa ser organizado pelo Estado e de os livros serem avaliados por equipes em universidades públicas e escolhidos por professores de escolas públicas, a confecção é responsabilidade de empresas privadas, que fazem de tudo para que seus produtos sejam aceitos por avaliadores e professores, ou seja, os consumidores.
Analisando as empresas participantes do PNLD, percebe-se a concentração da obtenção dos editais do PNLD por um pequeno número de empresas, entre elas um conglomerado educacional, denominado SOMOS Educação. Esse conglomerado concentra três grandes editoras que somadas concentram valores acima de 34% daquilo que é comercializado no PNLD (FNDE, 2018 apud BAIRRO). Então, é possível identificar a formação de um cartel em que há um repasse de dinheiro da esfera pública para a privada. Segundo Bairro (2018):
O modo como se apresentam colocações a respeito do futuro educacional – inclusive a partir da BNCC – pressupõem que o domínio de uma educação financeirizada. Ou seja, sob a égide do capital e de suas esferas nacional e internacional de influência.
O neoliberalismo, se entendido também enquanto nova faceta do imperialismo mundial, relaciona-se diretamente com o PNLD na medida em que grupos estrangeiros passam a comprar e/ou participar de conglomerados educacionais nacionais. [...]
Fornecer livros didáticos de graça para as escolas públicas (além de material escolar, uniforme, alimentação, entre outros) não significa educação de qualidade nem que o ensino público é igual (ou melhor) ao ensino privado. Ao contrário. O liberalismo não prega a igualdade de condições materiais nem a igualdade de classes. Com a educação mercantil (neoliberal), a desqualificação da educação pública acaba aumentando, ocasionando o descaso com o ensino público gratuito. O que é administrado pelo poder público é visto como ineficiente, sendo a privatização a única alternativa para as desigualdades sociais. Assim, há o ensino privado, mas de “qualidade” para as classes privilegiadas (minoria) e o ensino público como serviço assistencial prestado pelo Estado. O neoliberalismo ataca a escola pública com estratégias privatizantes, assim apagando a possibilidade de uma educação democrática, gratuita e de qualidade a todos (GENTILI, 2001).
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