Os Desafios da Educação Contemporânea
Por: Mpunga • 17/3/2018 • Trabalho acadêmico • 3.849 Palavras (16 Páginas) • 203 Visualizações
Desafios da Educação Contemporânea (Sec.XXI)
Educação, sistema educativo e filosofa educativa contemporânea Remontam à Revolução Francesa muitas das questões educativas que ainda hoje estão presentes na organização e na orientação dos sistemas educativos contemporâneos. Senão, vejamos as dúvidas que então se colocavam aos ideólogos da educação, como assinala Moody (1978, referido por Benítez, 1993): formar a elite de uma nação ou elevar o nível cultural do povo? Controlo por parte do Estado ou controlo das autoridades locais? Limitação da instrução pública ao ensino primário – deixando os restantes níveis à iniciativa privada – ou construção de um sistema educativo nacional, público e gratuito? Liberdade de ensino ou monopólio estatal? A educação, como instrumento adequado de transmissão de valores, ou, pelo contrário, a educação como instrumento de emancipação do homem?. No século XIX e na primeira metade do século XX, a educação era considerada um meio para promover a lealdade popular à nação e ao regime político. A Educação servia, por um lado, como instrumento de socialização política, inculcando os valores liberais e democráticos (do mesmo modo que antes servira para inculcar, pela mão da Igreja, os valores cristãos) e garantindo a instrução de nível superior às classes sociais média e alta para a formação de elites. Por outro lado, a educação serviria como agente de pacificação, fomentando a identidade nacional, dissolvendo as tensões internas e promovendo a coesão social. A tese dominante, segundo a qual a função da educação é o controlo social em vez da emancipação do indivíduo é visível nas políticas educativas de vários países que usaram o ensino da língua, da cultura, dos símbolos e das crenças nacionais do grupo cultural ou étnico dominante como estratégias de harmonização nacional e social, numa clara tentativa de assimilação das identidades minoritárias, ameaçadoras do projecto liberal e da filosofia política emergente. O sistema educativo integrado, instituído e assumido como competência do poder público (isto é, do Estado, por oposição à sociedade) surge, portanto, da emergência do Estado-Nação: Sendo o século XIX o século das nacionalidades, assinalou-se para a educação um papel integrado de primeira magnitude (...). Como afirmou Hobsbawn, o Estado, utilizando por vezes instrumentos coercitivos – como o exército nacional, no caso da Alemanha ou da Itália – e outros instrumentos pacíficos – como a educação –, nacionalizou as sociedades da Europa. E neste processo, em que o Estado irradiou nacionalismo sobre a nação, a educação converteu-se, tanto nas velhas nações como nas novas, na instituição nacionalizadora mais adequada (Benítez, 1993)
Esta evolução ideológica que tornou a educação um direito social fundamental relaciona-se com a substituição do Estado liberal clássico pelo Estado de bem-estar, ou Estado social de direito, para o qual a garantia dos direitos sociais não se encontra nem na sociedade e na competência privada, nem no mercado, mas no Estado, cujo fim último é a promoção desses direitos. No Estado de bem-estar legitimam-se as aspirações a uma educação para todos, quer como direito social quer como responsabilidade do Estado e, por isso, universal, obrigatória e merecedora de financiamento público. Com este regime o surge a massificação do ensino e os níveis secundário e superior tornam-se aparentemente acessíveis a todas as classes sociais e económicas. O assumir estas liberdades trouxe ao Estado e à sociedade problemas antes desconhecidos e hoje infindavelmente discutidos: a indisciplina escolar, a contestação estudantil, a desmotivação de alunos e professores, a multiplicação de conteúdos escolares, o aumento de gastos públicos... Muitos críticos apontam, por isso, a perversão dos sistemas educativos, que em vez de contribuir para equilibrar a sociedade e as classes, contribui para a exclusão de certos grupos. Feitos estes reparos, deve dizer-se que a sociedade continua a ter a esperança de que a educação formal contribua para a formação de cidadãos capazes de partilhar ideias, de colaborar na produção da riqueza colectiva e de participar na resolução das necessidades materiais e espirituais que vão surgindo. Espera-se ainda que a educação assuma uma tarefa mais complexa, pois, mantendo as funções anteriores e revendo-as à luz da sociedade pluralista, deve agora preencher os vazios deixados pelo Estado, pela família ou pela Igreja e contrabalançar os efeitos nocivos de certas mensagens da comunicação social, da mentalidade consumista e do individualismo. Hoje, coloca-se aos sistemas educativos o desafio de ajudar os cidadãos a desenvolver vínculos e referências comuns numa sociedade cada vez mais plural (cf. Stavenhagen, 1996), o que os sujeita à tensão constante de respeitar a diversidade de indivíduos e grupos sociais (evitando produzir desigualdade entre eles) e de manter, ao mesmo tempo, a homogeneidade baseada na observação de regras e normas comuns: Neste aspecto, a educação enfrenta enormes desafios, e se depara com uma contradição quase impossível de resolver: por um lado, é acusada de estar na origem de muitas exclusões sociais e de agravar o desmantelamento do tecido social, mas, por outro, é a ela que se faz apelo, quando se pretende restabelecer alguma das “semelhanças essenciais à vida colectiva”, de que falava o sociólogo Emile Durkheim, no início deste século. Confrontada com a crise das relações sociais, a educação deve, pois, assumir a difícil tarefa que consiste em fazer da diversidade, um factor positivo de compreensão mútua, entre indivíduos e grupos humanos. A sua maior ambição passa a ser dar a todos os meios necessários a uma cidadania consciente e activa, que só pode realizar-se, plenamente, num contexto de sociedades democráticas (Delors, 1996, p. 45). O papel da educação e dos sistemas educativos formais é, por isso, um foco importante das teorias sociais contemporâneas, como veremos no ponto seguinte. 2. Comunitarismo ou escola do sujeito? Os modelos de pensamento social contemporâneos procuram responder aos problemas da relação entre sociedade, cultura, democracia e educação. Educação e ética dos mínimos Numa sociedade complexa não é possível pensar a educação sem uma ética que lhe esteja subjacente, uma ética ao mesmo tempo baseada nos mínimos universalizáveis e na sua possibilidade de aplicação, uma ética que tanto permita uma reflexão fundamentada sobre o ideal de sociedade quanto sobre o ideal de indivíduo, uma ética também global local, capaz de servir os interesses das comunidades, sem esquecer que estes não se podem opor ao interesse supremo da humanidade. Galtung (1996, in Fisas, 2002) admite que os valores essenciais da cultura de paz (e, por isso, da ética global) seriam a empatia, a criatividade, a imaginação, a não-violência, a solidariedade, o diálogo, a compaixão, a integração, a participação, a perseverança, o conhecimento e a melhoria das condições humanas. No relatório da UNESCO sobre “Cultura de paz”, submetido em 1998 à ONU (UNESCO, 1998), afirma-se que a cultura de paz se baseia no respeito pela vida, pelos direitos humanos, pela rejeição da violência, pela responsabilidade e pela participação social, sendo os seus princípios: liberdade, justiça, democracia, tolerância, solidariedade, cooperação, pluralismo, diálogo e compreensão entre nações, grupos e indivíduos. Rovira (1996) considera que a ética dos mínimos é um importante campo de acção educativa e política e que pode ser o guião educativo para definir aquelas atitudes, hábitos, virtudes, normas e consensos que podem ser bases da construção de uma boa sociedade. Cortina (2002) adianta, a propósito, que a ética não pode ser um assunto de bastidores, mas um compromisso público aplicado: A ética cívica de uma sociedade pluralista constitui a substância ética partilhada a partir da qual se torna possível justificar a validade moral das diversas leis positivas na sua pretensão de justiça, e que inspira as actuações das diferentes instância éticas dessa sociedade. (Cortina, 2002, p. 57). A partir daqui, a autora prossegue também com a defesa de uma ética dos mínimos e adianta, ao jeito de Etzioni, que esta não deve ser procurada no seio do poder político, mas na opinião pública e no diálogo transnacional. A democracia, a ética global e os valores éticos essenciais que hoje se assumem como património moral mais elevado da civilização humana (cf. D’Orey da Cunha, 1996; Fisas, 2002; Martín, 1995; Stavenhagen, 1996) são o alicerce de muitos dos documentos que fundamentam a democracia e os direitos humanos (é o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos e de outros documentos daí derivados, assim como das constituições dos estados democráticos) e que a comunidade intelectual de todo o mundo aceita como representativos das necessidades e desejos de toda a humanidade, ao reforçar a importância de valores partilhados que não podem ser sujeitos à negociação: a dignidade da vida humana, a liberdade, a igualdade, a justiça, a paz. A crise do positivismo Durkheim afirmava que toda moral tem um enquadramento social e que, por isso, “se a vida social desaparecesse, a vida moral desapareceria com ela, pois deixaria de ter qualquer propósito” (1893, cit. in Rich & DeVitis, 1994, p. 11-12). A vida moral faz parte de uma realidade colectiva amplamente partilhada e difundida através da linguagem e das práticas sociais que nos pré-existem e sem as quais dificilmente estruturaríamos o nosso próprio ser e a nossa identidade. A educação é uma das práticas sociais com maior impacte na formação da identidade e a educação formal é o instrumento da sociedade mais claramente direccionado para a produção dos seus ideais. As transformações do mundo actual têm vindo a suscitar reflexões sobre a cultura e o clima intelectual das escolas contemporâneas e propostas de transformação na forma como os sistemas de formação e os currículos são pensados e geridos pelas instituições e encarados por estudantes e professores. Espera-se hoje que as instituições educativas funcionem de forma democrática, inovadora e progressista e que, além disso, sejam capazes de perspectivar-se num mundo globalizado e sejam capazes de fazer a análise crítica dos seus actos e compromissos éticos (Celorio, 1996; Grasa, 1999; Hearn, 2000). A infusão da ideologia liberal, do racionalismo e do individualismo no ensino (especialmente no ensino superior) contemporâneo tem implicações importantes, como refere Emler (1983b). O liberalismo nega a existência de uma natureza humana e de diferenças inatas entre as pessoas. Os resultados alcançados por cada indivíduo devem-se, por isso, à influência externa e à educação, o que justifica, política e moralmente, a ênfase no contrato social. A inclinação liberal para a defesa do individualismo ético resulta da valorização dos direitos individuais inalienáveis e conduz à tolerância pela diferença e à sua aceitação, vista como necessária ao progresso social e económico. Os efeitos desta tendência manifestam-se nos currículos eficientistas, recheados de disciplinas e conteúdos muito mais dirigidos para o saber fazer do que para o saber ser. A seriação dos alunos é feita com base no ajustamento dos seus resultados individuais a padrões de desempenho previamente determinados. Estes métodos são capazes como nenhum outro de produzir vencedores, mas são também produtores de um significativo grupo de vencidos, engrossado pelos que estão afastados das redes do poder político, cultural, religioso e económico. Os avanços na ciência e a sua crescente credibilidade tiveram reflexos nos objectivos das universidades, que passaram a assumir os propósitos intelectuais e a verdade científica como cerne da sua actividade. Assim, o paradigma positivista/racionalista tornou-se rapidamente um pilar do ensino. Os conteúdos curriculares são seleccionados e tratados com base na suposição do seu rigor e neutralidade e no pressuposto de que o conhecimento veiculado é o conhecimento legítimo. Esta visão acaba por marginalizar visões alternativas de uma mesma realidade e, dessa forma, por condicionar a um modelo dominante todo o teor da formação. Ora, como afirma Melero (2002), o discurso científico não é assim tão objectivo, isento e universal. Para além das razões teóricas e ideológicas, existem razões sociais e históricas para esta objectivação do ensino. No passado recente gerou-se uma relutância militante (ainda que apenas aparente) em intervir no domínio da formação do carácter e da formação mora. globalização, cosmopolitismo e educação A revisão teórica que acabamos de fazer permite perceber que estamos na presença de um novo paradigma social e de novos modos de encarar a educação e o papel dos sistemas educativos. Os autores de que nos socorremos até aqui foram pioneiros na reflexão sobre as implicações sociais e educativas da época global. Agora, decorrida uma década desde o início do século XXI, os conceitos que antes faziam sentido para um núcleo de intelectuais mais ou menos restrito tornaram-se termos corriqueiros, de uso corrente: globalização, aldeia global, cosmopolitismo, multiculturalismo… são tudo expressões vulgarizadas, talvez mais devido à insistência dos media, essa máquina implacável de produção de opinião pública, do que dos próprios intelectuais. Mas o que significa e que impacto têm a globalização e os enormes fluxos de mobilidade humana (especialmente as migrações internacionais e o turismo) sobre as identidades, a cidadania e os modelos educativos? Uma resposta simples seria dizer que a necessidade de formar cidadãos cosmopolitas se globalizou. Se antes apenas um punhado de viajantes (maioritariamente elites socioeconómicas, políticos, colonos mais ou menos resistentes ao etnocentrismo e uns quantos intelectuais) apreciava e respeitava a diversidade cultural e o lugar de direito das culturas do mundo e se muitos daqueles que se deslocavam (militares, trabalhadores migrantes, turistas de curta duração) se mantinham presos de uma mentalidade pouco sensível à interculturalidade, a globalização implicou a criação de vínculos complexos. Globalização implica, como referem Cohen (2005) e Cohen e Kennedy (2007), mudança dos conceitos de espaço e tempo; aumento do volume das interacções culturais; comunhão dos problemas que se deparam aos habitantes do mundo; interligações e interdependências crescentes; redes cada vez mais completas de intervenientes e organizações transnacionais; e sincronização de todas as dimensões envolvidas na globalização. Por seu lado, o processo de “alargamento das agendas sociais, culturais e pessoais pode ser proveitosamente descrito como cosmopolitismo. […] Um dos motivos pelo qual o cosmopolitismo adquiriu um novo encanto é porque o termo parece representar uma confluência de ideias progressivas e novas perspectivas relevantes para os novos tempos culturalmente cruzados, bombardeados pelos meios de comunicação social, ricos em informações, dominados pelo capitalismo e politicamente plurais. O cosmopolitismo sugere algo que, simultaneamente, (a) transcende o aparentemente gasto modelo do estado-nação, consegue mediar acções e ideais orientados tanto para o universal como para o particular, o global e o local, (c) é culturalmente antiessencialista e (d) é capaz de representar reportórios de complexidade variada de aliança, identidade e interesse. Desta forma, o cosmopolitismo parece oferecer um modo de gestão das multiplicidades culturais e políticas (Cohen, 2006, p. 39). A globalização, ao mesmo tempo em que ameaça, também cria as oportunidades que favorecem o cosmopolitismo (cf. Appiah, 2006), o que é muito bem ilustrado pela movimentação intensa de estudantes internacionais e de comunidades originariamente migrantes e pelo aparecimento cada vez mais evidente de organismos internacionais com preocupações globais (como as OING). Mas para que o saldo da globalização seja positivo (ou seja, que haja um bom aproveitamento das oportunidades e que as ameaças sejam contornadas) é necessário fazer-se um trabalho educativo adequado. Por exemplo, a evidência abundante de diversidade cultural nos tecidos sociais das sociedades modernas pode ser motor de inovação, criatividade, desenvolvimento económico e enriquecimento cultural. Mas a mesma heterogeneidade que é necessária para essa criatividade e o desenvolvimento é também um elemento potencialmente fragilizador da coesão social. Nas sociedades pluralistas contemporâneas a lei e as normas jurídicas não podem ser o único suporte da coesão social se a sua definição estiver a cargo do grupo dominante (que toma por base os seus próprios valores), tornando-as, por isso, desajustadas para arbitrar os conflitos sociais que ocorrem em sociedades multiculturais. Como os sistemas democráticos de gestão social da convivência são vulneráveis à diversidade e pouco capazes de a espelhar, a fragilidade da democracia e os conflitos que nela emergem não podem ser torneados exclusivamente pela via da justiça, da lei e das normas legais. Para além da lei democrática, a educação é o outro pilar da democracia, da coesão social e da paz.
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