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A Loucura do Trabalho

Por:   •  16/10/2015  •  Trabalho acadêmico  •  2.957 Palavras (12 Páginas)  •  227 Visualizações

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A loucura do trabalho

Estudo de psicopatologia do trabalho

Sentimento experimentado maciçamente na classe operária: o da vergonha de ser robotizado, de não ser mais que um apêndice da máquina, às vezes de ser sujo, de não ter mais imaginação ou inteligência, de estar despersonalizado etc. É do contato forçado com uma tarefa desinteressante que nasce uma imagem de indignidade. A falta de significação, a frustração narcísica, a inutilidade dos gestos, formam, ciclo por ciclo, uma imagem narcísica pálida, feia, miserável. Outra vivência, não menos presente do que a da indignidade, o sentimento de inutilidade remete, primeiramente, à falta de qualificação e de finalidade do trabalho. O operário da linha de produção como o escriturário de um serviço de contabilidade muitas vezes não conhecem a própria significação de seu trabalho em relação ao conjunto da atividade da empresa.                                                                                        A vivência depressiva condensa de alguma maneira os sentimentos de indignidade, de inutilidade e de desqualificação, ampliando-os. Esta depressão é dominada pelo cansaço. Cansaço que se origina não só dos esforços musculares e psicossensoriais, mas que resulta sobretudo do estado dos trabalhadores taylorizados. Executar uma tarefa sem investimento material ou afetivo exige a produção de esforço e de vontade, em outras circunstâncias suportada pelo jogo da motivação e do desejo. A vivência depressiva alimenta-se da sensação de adormecimento intelectual, de anquilose mental, de paralisia da imaginação e marca o triunfo do condicionamento ao comportamento produtivo        .                                                                No que diz respeito à relação do homem com o conteúdo "significativo" do trabalho, podem-se considerar, esquematicamente, dois componentes: o conteúdo significativo em relação ao Sujeito e o conteúdo significativo em relação ao Objeto. Durante o trabalho, vários elementos contam na formação da imagem de si, isto é, do narcisismo: O nível de qualificação, de formação não é, via de regra, suficiente em relação às aspirações. O sofrimento começa quando a evolução desta relação é bloqueada.                                Sucesso ou fracasso de um trabalho obrigatório: sucessos reais, socialmente reconhecidos ou efetivamente desconhecidos não causam o mesmo impacto sobre o narcisismo.                                                        No conteúdo significativo do trabalho em relação ao sujeito, entra a dificuldade prática da tarefa, a significação da tarefa acabada em relação a uma profissão (noção que contém ao mesmo tempo a idéia de evolução pessoal e de aperfeiçoamento) e o estatuto social implicitamente ligado ao posto de trabalho determinado.                                                        Mesmo se o engajamento pessoal no objetivo social da produção não é possível, não há jamais neutralidade dos trabalhadores em relação ao que eles produzem. Receber uma peça bem preparada, confiá-la bem montada ao operário que a receberá em seguida, pode pôr em jogo relações complicadas.  A coletividade operária sabe quais são os postos mais duros e quais os mais tranqüilos. Ser colocado em um posto de trabalho particularmente duro tem uma significação em relação aos colegas, não só do ponto de vista da produção mas também do ponto de vista da ordem e da disciplina na empresa. Tal posto equivale a "ser protegido do chefe" ou, ao contrário, "ser sua vítima". O próprio posto de trabalho tem assim uma significação em relação aos conflitos da oficina ou da fábrica, da mesma maneira que as mudanças de posto, têm um valor em relação às lutas atuais ou latentes.                                        Resta a significação das relações do trabalho fora da fábrica. A tarefa não é nunca neutra em relação ao meio afetivo do trabalhador; ele pode falar de sua tarefa ou deve calar-se; às vezes, é preciso esconder dos outros o conteúdo de seu trabalho: por exemplo, os trabalhadores que inalam o hexaclorociclohexanonão podem livrar-se do cheiro nauseabundo dê seu hálito, de seu suor nos quais o produto elimina-se. Até no leito conjugal, o cheiro permanece ligado ao corpo como uma sombra impossível de ser mascarada, fonte de vergonha e obstáculo para a vida afetiva e sexual. Resta, enfim, o salário, que contém numerosas significações: primeiramente concretas (sustentar a família, ganhar as férias, pagar as melhorias da casa, pagar as dívidas) mas também mais abstraías na medida em que o salário contém sonhos, fantasias e projetos de realizações possíveis. No caso inverso, o salário pode veicular todas as significações negativas que implicam as limitações materiais que ele impõe.                                                Fadiga, carga de trabalho e insatisfação. Ao invés de fazer referência à noção de carga psíquica do trabalho, que corresponde, antes de tudo, à preocupação em apresentar uma concepção coerente com a ergonomia contemporânea, é melhor interrogar-se sobre o custo humano da insatisfação. A organização do trabalho, concebida por um serviço especializado da empresa, estranho aos trabalhadores, choca-se frontalmente com a vida mental e, mais precisamente, com a esfera das aspirações, das motivações e dos desejos. No trabalho artesanal que precedia a organização científica do trabalho e, ainda hoje, rege as tarefas muito qualificadas, uma parte da organização do trabalho provém do próprio operador.                                        Quando um trabalhador usou de tudo de que dispunha de saber e de poder na organização do trabalho e quando ele não pode mais mudar de tarefa: isto é, quando foram esgotados os meios de defesa contra a exigência física. Não são tanto as exigências mentais ou psíquicas do trabalho que fazem surgir o sofrimento (se bem que este fator seja evidentemente importante quanto à impossibilidade de toda a evolução em direção ao seu alívio). A certeza de que o nível atingido de insatisfação não pode mais diminuir marca o começo do sofrimento

Insatisfação e conteúdo ergonômico do trabalho

Para os psicopatologistas do trabalho, como para o trabalhador, a vivência subjetiva é um objeto privilegiado de análise que nos leva, muitas vezes, a entrar em contradição com os especialistas das condições de trabalho, isto é, o ergonomista ou o engenheiro de produção. A atenuação do barulho que reina numa oficina por dispositivos de insonorização eficazes leva, às vezes, a resultados curiosos: os trabalhadores exprimem seu descontentamento acusando as novas condições de trabalho de aumentar seu cansaço. Isto resulta, de fato, do desaparecimento de um estímulo sensorial (barulho) útil à manutenção da vigilância necessária, por exemplo, para a observação sobre uma tela de visualização.                                        Numerosos exemplos similares na prática mostram que não é sempre muito fácil prever os efeitos de uma "melhoria objetiva" das condições de trabalho. Isto confirma, a nossos olhos, o interesse que o médico ou o psicopatologista deve ter pela "vivência subjetiva" dos trabalhadores.                Mas há também casos em que a avaliação subjetiva dos trabalhadores opõe-se ao ponto de vista médico-sanitário. Assim, um operário que utiliza o tricloroetileno para dissolver a graxa escondida nas dobras cutâneas acha que é vantajoso conservar este hábito enquanto que o médico do trabalho sabe a nocividade deste produto para o organismo. Ao contrário, acontece, às vezes, de um doente queixar-se mais de seu estado quando sua saúde está melhorando. Em certos casos, até, quando um doente começa a protestar, a defender-se e a queixar-se, é porque precisamente ele está melhor. A revolta assinala uma melhoria de seu estado.                                                        Em matéria de intervenção ergonômica, convém distinguir vivência subjetiva a curto prazo e vivência subjetiva a longo prazo: é bastante freqüente que, num primeiro momento, os operários experimentem um benefício real da intervenção ergonômica: melhoria da postura de trabalho, diminuição das lombalgias, facilitação de um trabalho de precisão através de uma iluminação mais racional etc. Estas vantagens que são inegáveis constituem o que poderíamos chamar de  'positividade da prática ergonômica''. Entretanto, o mais freqüente é que o sentimento de melhoria e de alívio desfaz-se bastante rapidamente, às vezes em alguns dias, mas mais freqüentemente em algumas semanas.                                                                                         Esta erosão do poder benéfico da "melhoria das condições de trabalho" resulta, na verdade, de várias causas concorrentes: — o hábito — a revelação de outros prejuízos até então mascarados — o fato de que, no fundo, nada mudou. A sensação subjetiva de alívio é mais intensa se a melhoria da situação for mais substancial, e se esta mudança produzir-se mais rapidamente.                                                                                        Os fenômenos observados em matéria de ergonomia de correção seriam coerentes com os resultados da psicologia da sensação. Assim, a substituição de um banco por um assento de encosto regulável é, no começo, 55 apreciada pelo operador. Mas após um mês de trabalho, ele não tem mais consciência desta melhoria e, para falar ao interlocutor, ele tem que evocar a lembrança do momento desta substituição do assento, pois esta melhoria não é mais perceptível atualmente. Este elemento de "habituação" desempenha certamente um papel na obsolescência da vivência da melhoria e do alívio. Todavia, há casos em que não se observa uma tal diminuição da sensação, apesar do que afirmam os psicofísicos. E o esgotamento psicofísico da sensação não é suficiente para dar conta do fenômeno observado.                        A intervenção ergonômica, com efeito, pode libertar um operador de lombalgias relativas a uma torção da coluna por defeito de postura. Aliviado deste mal, ele aprende, pouco a pouco, a conhecer uma outra dor que tomou lugar da precedente: cervicalgia, por exemplo, em relação com a posição da cabeça e a distância olho-tarefa. É que, anteriormente, as dores lombares atingiam um tal nível de intensidade que ocultavam as dores da nuca. Assim, a subtração de uma exigência do trabalho pode revelar uma violência mascarada, subjacente.                                                                        Além do mais, em muitos casos, o alívio trazido pela correção ergonômica é recuperada pela organização do trabalho. O alívio da carga de trabalho permite a intensificação da produtividade. O que foi ganho de um lado é perdido do outro. Para utilizar outra fórmula, poder-se-ia dizer que a intervenção ergonômica não atinge a situação de trabalho em profundidade pois ela permanece aquém da organização do trabalho.                                Primeiro, é que a insatisfação com o trabalho não corresponde só ao conteúdo significativo do trabalho nem ao seu conteúdo simbólico, mas que existe, paralelamente na profissão, uma satisfação em relação com o exercício do corpo, no sentido físico e nervoso. O ponto de impacto do sofrimento proveniente da inadequação do conteúdo ergonômico da tarefa às aptidões e às necessidades do trabalhador é, primeiro, o corpo e não o aparelho mental (o exemplo do trabalhador diabético mostrou que uma descompensação mental poderia provir da inadaptação homem-tarefa).                                                A carga de trabalho psíquica representada pelo sofrimento proveniente de um desconforto do corpo coloca inteiramente o trabalhador e sua personalidade à prova de uma realidade material, primeiramente. O conflito não é outro senão o que opõe o homem à organização do trabalho (na medida em que o conteúdo ergonômico do trabalho resulta da divisão do trabalho). No centro da relação saúde-trabalho, a vivência do trabalhador ocupa um lugar particular que lhe é conferido pela posição privilegiada do aparelho psíquico na economia psicossomática.                                                                 O aparelho psí- quico seria, de alguma maneira encarregado de representar e de fazer triunfar as aspirações do sujeito, num arranjo da realidade suscetível de produzir, simultaneamente, satisfações concretas e simbólicas. As satisfações concretas dizem respeito à proteção da vida, ao bem-estar físico, biológico e nervoso, isto é, à saúde do corpo. Estas satisfações concretas analizam-se em termos de economia psicossomá- tica, segundo duas linhas diretrizes: subtrair o corpo à nocividade do trabalho e permitir ao corpo entregar-se à atividade capaz de oferecer as vias melhor adaptadas à descarga da energia. Isto é: fornecer atividades físicas, sensoriais e intelectuais segundo proporções que estejam em concordância com a economia psicossomática individual.                                                         As satisfações simbólicas: desta vez, trata-se da vivência qualitativa da tarefa. É o sentido, a significação do trabalho que importam nas suas relações com o desejo. Não é mais questão das necessidades como no caso do corpo, mas dos desejos ou das motivações. Isto depende do que a tarefa veicula do ponto de vista simbólico. Assim, separar os dois setores da satisfação com o trabalho é uma necessidade de exposição. Mas compreenderemos facilmente que as coisas intrincam-se de maneira muito mais complexa na realidade de cada caso. Nós veremos, num capítulo ulterior, como levar em conta estes diferentes elementos numa aproximação global e mais sintética da relação homem-trabalho.

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