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A SEDUÇÃO GENERALIZADA E A CONFUSÃO DE LÍNGUAS NA RELAÇÃO ADULTO-CRIANÇA

Por:   •  24/10/2018  •  Artigo  •  3.461 Palavras (14 Páginas)  •  302 Visualizações

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS – UFMG

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - FAFICH

CURSO DE PSICOLOGIA

ANDRE LUIZ ALMEIDA DAMASO

A SEDUÇÃO GENERALIZADA E A CONFUSÃO DE LÍNGUAS NA RELAÇÃO ADULTO-CRIANÇA

Belo Horizonte

Maio – 2018

Resumo

Este artigo pretende comparar a sedução adulto-criança a partir da Teoria da Sedução Generalizada, proposta por Jean Laplanche, e o trabalho "Confusão de língua entre os adultos e a criança" de 1933 de Sandór Ferenczi. Neste, Ferenczi trata do caráter terno presente no erotismo infantil, retomando a ideia freudiana de um estágio de identificação anterior ao amor objetal, o qual Ferenczi denomina estágio da ternura. Nesse estágio, que o autor também chama de estágio do amor objetal passivo, o amor objetal surge apenas como fantasia lúdica, e a satisfação infantil se dá por meio da saciedade e da ternura, especialmente da mãe. Nesse estudo abordaremos a relação entre a noção de sedução para Ferenczi, que passa pelo nível da ternura, e a sedução para Laplanche, que se dá por meio de mensagens enigmáticas direcionadas dos adultos à criança. Trataremos também do surgimento do trauma, que para Ferenczi ocorre devido à confusão de línguas entre o adulto e a criança, noção que será também abordada na teoria da sedução de Laplanche.

Palavras chaves: Laplanche, teoria da sedução, Ferenczi.

Ferenczi e a confusão de línguas na relação adulto-criança

É a partir de Confusão de línguas entre adultos e crianças (1933) que Ferenczi retoma a questão da sedução dentro da psicanálise, utilizando o viés do trauma. Ele aborda o traumatismo sexual como um fator patogênico.

De forma geral, é a partir de um sentimento existente entre o adulto e a criança, como o amor, que as seduções incestuosas transcorrem. A criança possui fantasias lúdicas, como desempenhar papeis que não ela mesma, em relação ao adulto. Ferenczi (2011) diz que o “jogo pode assumir uma forma erótica, mas conserva-se porém, sempre no nível da ternura”. A questão é que o adulto confunde as intervenções lúdicas da criança com os desejos da sua psique, que já atingiu uma maturidade sexual e que possui uma sexualidade inconsciente como comandante das demais forças psíquicas, e comete as mais variadas práticas sexuais sem problematizar as consequências, como estupros de crianças na primeira infância, relações sexuais com adolescentes, etc. Entretanto se faz necessário pontuar que a lógica do abuso não é o mesmo no caso de adultos que possuem tendências psicopatológicas, ou quando tem o seu autodomínio e equilíbrio “perturbados por qualquer infortúnio, pelo uso de estupefacientes ou de substancia tóxicas.” (p. 102). Em suma, a sedução incestuosa ocorre quando o adulto confunde amor sensual com a ternura infantil.

Ferenczi (2011) também pontua sobre as possíveis consequências desses atos, dizendo que

È difícil adivinhar quais são o comportamento e os sentimentos das crianças após a perpetração de tais atos. Seu primeiro movimento seria a recusa, o ódio, a repugnância, uma resistência violenta: “Não, não, eu não quero, esta me machucando, deixe-me!” Isto, ou algo muito semelhante, seria a reação imediata se esta não fosse inibida por um medo intenso. A criança sente-se física e moralmente sem defesa, sua personalidade é ainda frágil demais para poder protestar, mesmo em pensamento, contra a força e a autoridade esmagadora dos adultos que as emudecem, fazendo até fazê-las perde a consciência. Mas esse medo quando atinge seu ponto culminante, obriga-as a submeter-se automaticamente à vontade do agressor, a adivinhar o menor de seus desejos, a obedecer esquecendo-se de si mesma, e a identificar-se totalmente com o agressor. Por identificação, digamos, por introjeção do agressor, este desaparece enquanto realidade exterior, e torna-se intrapsíquico; mas o que é intrapsíquico vai ser submetido, num estado próximo do sonho- como é o transe traumático-, ao processo primário, ou seja, o que é intrapsíquico pode, segundo o principio de prazer, ser modelado e transformando-se de maneira alucinatória, positiva ou negativa.

De toda forma a agressão passa a não mais existir enquanto realidade exterior e a criança consegue retomar a situação de ternura existente anteriormente. Porém, o que mais fica marcado na criança, por força da identificação ansiosa com o adulto, é o sentimento de culpa do adulto que é absorvido pela criança. O adulto tende a sentir uma culpa continua, elencando um certo merecimento de punição ao ato praticado. Sobre isso, Ferenczi (2011) fala que

Se a criança se recupera de tal agressão, ficara sentindo, no entanto, uma enorme confusão; a bem dizer, já esta dividida, ao mesmo tempo inocente e culpada, e sua confiança no testemunho de seus próprios sentidos está desfeita. Some-se a isso o comportamento grosseiro do adulto, ainda mais irritado e atormentado pelo remorso, o que torna a criança ainda mais profundamente consciente de sua falta e ainda mais envergonhada. Quase sempre, o agressor comporta-se como se nada tivesse acontecido e consola-se com a ideia: “ Oh, é apenas uma criança, ainda não sabe nada dessa coisas e acabara esquecendo tudo isso.” Após tal evento, não é raro ver o sedutor aderir estreitamente a uma rígida moral ou a princípios religiosos, esforçando-se por meio dessa severidade em salvar a alma da criança. De uma modo geral, as relações com uma segunda pessoa de confiança – no exemplo escolhido, a mãe – não são suficientemente intimas para que a criança possa encontrar uma ajuda junto dela; algumas tênues tentativas nesse sentido são repelidas pela mãe como tolices. A criança de quem se abusou converte-se num ser que obedece mecanicamente, ou que se fixa numa atitude obstinada, mas não pode mais explicar as razões dessa atitude. Sua vida sexual não se desenvolve ou assume formas perversas; [...] O que importa de um ponto de vista cientifica, nesta observação, é a hipótese de que a personalidade ainda fracamente desenvolvida reage ao brusco desprazer, não pela defesa, mas pela identificação ansiosa e a introjeção que a ameaça e a agride.

A culpa é classificada por Ferenczi como uma punição passional. Os delitos cometidos inocentemente pelas crianças, em formas de brincadeiras, só se emparelham com o sentimento de culpa após serem excessivamente punidos por um adulto, já que a culpa é propriamente do mundo do adulto.

Para Ferenczi, tanto a punição passional quanto a sedução incestuosa são exemplos claros sobre a diferença de línguas entre o adulto e a criança, provenientes da dissimetria entre a relação adulto-infans. Ferenczi nomeia como língua da paixão o que é próprio do mundo simbólico do adulto e de língua da ternura o que “seria da ordem da ilusão de onipotência lúdica infantil.” (Osmo e  Kupermann, 2012). Enquanto a língua da paixão é caracterizada pelo excesso, pelo o que vai para além dos seus limites, a língua da ternura já não “conhece o exagero da desmesura”, é a língua do lúdico; ela é anterior à sexualidade, pertencente ao primado genital. Sendo assim, segundo Osmo e Kupermann (2012, p.331) “a ideia de confusão de línguas parece colocar em jogo o problema da multiplicidade de línguas. Muitas vezes os adultos e as crianças não falam a mesma língua, eles são estrangeiros entre si”.

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