Corpo e masculinidade em uma escola para meninos em situação de rua
Por: Julia Sippli • 28/3/2016 • Trabalho acadêmico • 1.166 Palavras (5 Páginas) • 472 Visualizações
O artigo tem como objetivo analisar crianças e adolescentes que se encontram matriculados em uma escola de Porto Alegre para meninos em situação de rua, dando ênfase à importância do futebol para esses alunos e seu uso constante como marcador de gênero e honra. Eduardo usa o termo “situação de rua” como referência à “crianças e adolescentes com ou sem vínculo familiar, que têm a rua como espaço prioritário de moradia ou que se encontram nesse espaço apenas para buscar o sustento material da família, que reside na periferia da cidade. ” Por isso, opta por chamar aqueles que se enquadram nessa descrição apenas de “meninos” no decorrer do texto.
O autor reforça a ideia do futebol como espaço de socialização, cooperação e competição para meninos nessa fase, citando a história de João Carlos, um menino dedicado nas tarefas escolares, admirado pelos professores e inferiorizado pelos outros alunos, chegando a receber agressões físicas. O autor, então, cria hipóteses que possam explicar a posição de João no grupo e que o façam entender, por exemplo, por que os erros do menino eram menos tolerados do que os erros dos outros ou por que era sempre João o alvo das gozações, e não nenhum dos outros meninos.
Para compreender essas questões, o autor cita o que chama de “arriar uns aos outros”, uma brincadeira na qual os meninos do colégio se agrediam com empurrões, chutes, socos e xingamentos, sendo os principais referentes às mulheres (mães, namoradas, irmãs) dos meninos, que seriam uma parte vulnerável para eles. Nessa brincadeira, a inferiorização era o principal elemento. Para o autor, o fato de que alguns se irritam com essas situações (aceitando a brincadeira como séria) reforça o estigma sobre a mesma e faz com que, cada vez mais, esses mesmos meninos sejam alvos da repetição dessas brincadeiras. Isso, em um primeiro momento, explicaria a posição de João.
Consultando Arlei Sander Darmo, o autor observa a questão do status no futebol de rua, onde os meninos “jogam para se fazerem meninos”, onde a masculinidade vigora através da violência física e simbólica e valores como a coragem, a virilidade e a força são acentuados. Eduardo cita a formação de grupos identitários (sob a liderança dos mais velhos ou mais destemidos- visto pelos demais meninos do grupo como verdadeiros heróis-, podendo funcionar de forma hierárquica) nas ruas, sendo esses formados pela convivência e interação natural. As regras estabelecidas nesses grupos funcionam para que a convivência seja garantida com menos riscos.
Para o autor, a articulação pode classificar-se como insulto ou brincadeira de acordo com a forma como é respondida pelo receptor (ou alvo). Por exemplo, uma ofensa pode ser interpretada por um dos meninos como algo sério, enquanto outro apenas a considera uma ironia e não dá muita atenção. O primeiro caso será um alvo fácil para os próximos insultos e será sempre visado nesses jogos, visto que a aceitação da ofensa inicial fez com que “a resposta recaísse sobre sua própria moral”. O segundo caso, no entanto, não é visto de maneira negativa. Para Bourdieu, quando esses desafios acontecem com frequência se tornar “rituais” definidos por estratégias (domínio sobre o jogo), onde perder a honra significa morrer socialmente. Ele compara o desafio e sua resposta a uma troca ou dádiva, um “compromisso entre contrato e o conflito”. A lógica do desafio (e do conflito) parece adequada para se pensar a relação dos meninos na escola. A introdução dos diálogos e das regras dos educadores inserindo João no jogo, por exemplo, faz com que as regras criadas por eles se transformem, colocando uma nova configuração nesses desafios, alterando o modelo de sociabilidade.
Marcos, professor de educação física do colégio, chama atenção para o caso de Tiago, um de seus alunos. Para chamar a atenção de seus amigos, Tiago destrata os professores e vai contra o que é decidido por eles, apesar de no fundo se importar com eles. Por casos como esses, muitas vezes era preciso que o professor interferisse nos jogos e introduzisse novas regras (de forma a impedir a violência em suas aulas, nos momentos mais críticos dos jogos). Embora não seja uma ideia muito aceita pelos meninos, na maioria das vezes eles concordavam em respeitá-las
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