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Epistemologia,metodologia, método – o lugar do Psicodrama

Por:   •  17/10/2018  •  Artigo  •  2.408 Palavras (10 Páginas)  •  299 Visualizações

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                Epistemologia,metodologia, método – o lugar do Psicodrama

                                                  O MITO DA CADEIRA VAZIA

                                                                                                   Sergio Perazzo

        Nas aulas práticas de anatomia, era comum encontrarmos um acidente qualquer na estrutura do corpo humano que se repetia de pessoa para pessoa. Por exemplo, forâmen (orifício em latim) de Fulano num osso, ou ligamento de Beltrano numa articulação etc, nome eternamente ligado ao seu descobridor, que podia ser tanto um anatomista circunspecto e antigo saído das telas de Rembrandt, perpetuado através dos séculos, ou um neo-anatomista dos dias de hoje utilizando métodos digitais de investigação cintilográfica e pesquisa detalhista.

        No campo da cirurgia tal tradição também se repetia quanto a pormenores das técnicas cirúrgicas. Por exemplo, uma nova incisão (horizontal em vez de vertical) de uma cesariana, para usar biquíni sem constrangimento corporal, que passava a ter o nome do seu inovador: incisão de Sicrano. E assim, todo médico acalentava secretamente ser conhecido e perpetuado, através dos séculos, pela sua descoberta anatômica ou cirúrgica.

        Por tal e tão velho costume, não é de se estranhar que Moreno alimentou uma polêmica longa e célebre, inclusive publicamente, em congressos de psiquiatria, com Fritz Pearls, pela autoria da técnica da cadeira vazia. Discussão até certo ponto estéril. Moreno argumentava que Pearls freqüentava as sessões de psicodrama dirigidas por Moreno, copiando dele a técnica inovadora.

        Tal disputa chegou a tal ponto de uma supervalorização excessiva chegando aos dias de hoje, que o livro, sobre Moreno e sua obra, de seu filho, Jonathan P. Moreno, Impromptu Man, publicado em sua versão brasileira, em 2016, ostenta em sua capa a foto de uma cadeira vazia.

        Moreno não precisava se dar tanto trabalho com tal polêmica desgastante. A cadeira vazia é apenas um detalhe técnico. O que importa mesmo é o que lhe dá contorno quanto ao estofo teórico que recheia seu estofamento, capaz de resumir em si mesma a articulação, uma nova articulação, entre as partes que constituem os pilares da teoria do psicodrama, o embasamento da sua técnica e de seus métodos, numa compreensão epistemológica, no sentido de uma inserção numa teoria da ciência racionalmente assim compreendida, do que seria uma ciência do improviso e da criação, através da ação vivida e revivida no palco do psicodrama.

  1. A cadeira vazia não é mais aquela

Originalmente, a cadeira vazia servia bem como uma demonstração prática de como opera a inversão de papéis. Tanto se constituía como uma intervenção psicodramática criada por Moreno, como uma demonstração pedagógica das possibilidades do psicodrama, uma dupla função.

Jonathan se refere à cadeira vazia como uma técnica freqüentemente utilizada no aquecimento de grupos para um convite à dramatização. Ou seja, o diretor inicia o grupo convidando seus integrantes a experimentar se expressar para uma cadeira vazia colocada por ele no centro do cenário psicodramático, imaginando sentado nela qualquer personagem da sua vida. Tornou-se um método de aquecimento em que várias pessoas, sucessivamente, experimentam a cadeira vazia antes de se definir, a partir daí, um representante grupal que se tornasse um protagonista.

Tal procedimento levanta diversas questões:

- a inversão de papéis tem que ser considerada em duas perspectivas: sob o ponto de vista filosófico, levando em conta a Filosofia do Momento de Moreno, como um movimento interno para o outro, estabelecendo uma reciprocidade responsável pela ocorrência do encontro (eu te verei com teus olhos e tu me verás com meus olhos), algo de ocorrência possível em qualquer situação da vida de uma forma geral;

- e sob o ponto de vista técnico (o outro ponto de vista), em que a denominação é sempre inversão de papéis, de ocorrência exclusiva no cenário psicodramático. Não considero o termo tomada de papel, neste contexto, nem verdadeira inversão de papéis. Para mim, técnica de inversão de papéis é sempre denominada como inversão de papéis, não importa se bem feita ou mal feita, se expressada com muita ou pouca sensibilidade ou se exercida pelas pessoas reais ou por egos-auxiliares representando estas pessoas reais. O nome é inversão de papéis. Sempre;

- por outro lado, falar de tomada de papel nos remete às etapas de construção de um papel: role taking (tomada de papel), role playing (jogo de papel), role creating (criação do e no papel). Ora, tais fenômenos não são sucessivos, são simultâneos. Acontecem ao mesmo tempo. Não há possibilidade de tomar o papel e não jogá-lo ou criá-lo (mesmo que pobremente) ao mesmo tempo. Falar em sucessão de etapas da constituição de um papel é falar de aperfeiçoamento progressivo com o próprio jogo de papel;

- em que medida Moreno utilizava dramatizações convencionais (derivadas do teatro espontâneo) ou/e a técnica da cadeira vazia, não sabemos ao certo (fica a sugestão de perguntar ao próprio Jonathan).

  1. A experiência brasileira de psicodrama individual (não utilizo mais a denominação bipessoal)

Dalmiro Bustos introduziu entre nós a prática do psicodrama em atendimento individual no início dos anos 1970. Até aí, tínhamos apenas a experiência do psicodrama grupal.

O psicodrama grupal contava e conta com a utilização de egos-auxiliares profissionais ou não (membros do grupo) para desempenho dos mais diversos papéis representando os personagens da vida do protagonista ou de sua imaginação.

O psicodrama individual exigia mais da criatividade do diretor, que precisava preencher a ausência dos ego-auxiliares com objetos intermediários. O objeto intermediário mais utilizados nos consultórios dos psicodramatistas brasileiros e, depois, também pelos iberoamericanos, eram almofadas, até hoje de uso muito corrente.

Ora, a cadeira vazia se enquadra obviamente nesta categoria de recursos. Por várias razões, que descrevi no capítulo V do meu livro Psicodrama: o forro e o avesso, fui introduzindo, aos poucos, variações técnicas. Por exemplo, substituindo as almofadas por minhas mãos, representando personagens, ou por nada, apenas apontando um lugar na sala onde estaria colocado o personagem imaginado pelo protagonista. Ou seja, uma cadeira vazia sem cadeira, sem mãos ou sem almofadas, o resultado sendo sempre o mesmo: fluidez na dramatização com ou sem objetos intermediários, exigindo do diretor apenas um apuro das técnicas de aquecimento e de manutenção do aquecimento do protagonista.

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