Fatos incontornáveis
Resenha: Fatos incontornáveis. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: alinne22 • 16/6/2013 • Resenha • 463 Palavras (2 Páginas) • 350 Visualizações
Fatos incontornáveis
A qualificação de certas atitudes como preconceito linguístico se baseia em diversas teses. A principal, mãe de todos os desdobramentos, é que haveria línguas primitivas, cujos falantes seriam incapazes de realizar determinadas operações mentais (faltaria clareza ou precisão), seriam incapazes de proceder a certas generalizações (suas línguas não teriam termos abstratos), seu conhecimento do mundo seria precário (expressariam seu ‘conhecimento’ em classificações confusas) etc. Enfim, certos povos (sempre os outros) seriam inferiores, e uma das razões, ou um dos reflexos, seria sua língua.
A tese de que há línguas primitivas tem uma descendência clara no domínio da variação: dialetos populares teriam defeitos análogos aos das línguas primitivas. Só a comparação é outra: no primeiro caso, com as línguas ditas civilizadas; no segundo, com a norma culta.
Já que o preconceito consiste em considerar alguém ou algum grupo inferior ou incapaz (mulheres para os homens, negros ou indígenas para os brancos etc.), a analogia em relação à diversidade das línguas se aplica quase automaticamente: os diferentes são portadores de defeitos.
Ora, qualquer tentativa de provar que tais línguas são primitivas esbarra em fatos incontornáveis. Vejamos alguns fatos que contradizem os principais preconceitos:
(a) sobre a propalada ausência de termos abstratos em línguas de ‘selvagens’, Lévi-Strauss apresenta diversos contra-exemplos, dentre os quais um do chinuque, língua em que traduziria “o homem mau matou a pobre criança” por “a maldade do homem matou a pobreza da criança”;
(b) sobre línguas ‘evoluídas’ deverem ser claras (o que implicaria que fossem flexionais, como o latim e o grego, e, em grau menor, as línguas românicas), basta considerar o caso do inglês, que praticamente não tem flexões; ‘you are’ pode significar ‘você é’, ‘tu és’, ‘vós sois’, ‘vocês são’, ‘o senhor é’, ‘os senhores são’;
(c) se um dialeto fosse obscuro por ter poucas flexões (“os menino tá muito sujo”), teríamos que dizer que o inglês é uma língua obscura, de difícil compreensão. Ora, ao contrário, ela em geral é avaliada como ótima exatamente para a ciência, que demandaria uma linguagem clara e unívoca. Uma oração como a do exemplo é absolutamente clara (espero sinceramente que todos os leitores a compreendam!). Apenas foram eliminadas, nessa gramática, todas as marcações de plural redundantes (como no inglês, exceto pela palavra que recebe a marca);
(d) o mesmo dialeto que é considerado errado ou precário por eliminar redundâncias também é considerado errado ou precário quando introduz redundâncias como ‘sair para fora’ ou ‘entrar para dentro’, ‘subir para cima’ e ‘descer para baixo’; são, de novo, construções análogas às do inglês, que ninguém estranha ou critica;
(e) línguas primitivas teriam poucas palavras (!) e elas teriam muitos sentidos, que dependeriam do contexto. Mas esta é uma propriedade de qualquer léxico. Basta espiar entradas como ‘ponto’ em um dicionário do português e ‘pack’ em um do inglês.
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