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O Primeiro Ano de Vida - Resumo

Por:   •  21/4/2020  •  Resenha  •  4.060 Palavras (17 Páginas)  •  603 Visualizações

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  • Parte 1: definições e metodologia
  • A maior parte do primeiro ano de vida é dedicada ao esforço de sobrevivência e à formação e elaboração dos instrumentos de adaptação que servem a esse objetivo.
  • A criança, durante este período de sua vida, é indefesa e incapaz de sobreviver por meio de seus próprios recursos e, por esse motivo, o que lhe falta é compensado e suprido pela mãe.
  • Na medida em que, no decorrer do primeiro ano de vida, as potencialidades da criança se desenvolvem, ela se torna independente de seu ambiente, tanto no setor somático, como no psicológico da personalidade.
  • O recém-nascido é um organismo psicologicamente indiferenciado, nascido com um equipamento congênito e certas Anlagen (tendências).
  • A esse organismo ainda faltam consciência, percepção, sensação, e todas as outras funções psicológicas, sejam elas conscientes ou inconscientes.
  • Várias funções, estruturas e mesmo as pulsões instintuais, são diferenciadas progressivamente a partir desta totalidade.
  • Tais processos são diferenciados em:
  1. Maturação: o desdobramento de funções filogeneticamente desenvolvidas e, portanto, inatas das espécies, que emergem no curso do desenvolvimento embrionário ou aparecem após o nascimento, como Anlagem, e se tomam manifestas nos estágios posteriores de vida.
  2. Desenvolvimento: a emergência de formas, de função e de comportamento, que constituem o resultado de intercâmbios entre o organismo, de um lado, e o ambiente interno e externo, de outro. Isto é frequentemente denominado “crescimento”, termo que não usarei, pois dá margem a confusão.
  • Desta proposição referente ao estado de não-diferenciação do recém-nascido decorre também que, ao nascer, não existe ego.
  • Do mesmo modo, o simbolismo e o pensamento simbólico não existem e as interpretações simbólicas são inaplicáveis, uma vez que são mais ou menos contingentes à aquisição da linguagem.
  • Os princípios reguladores básicos do funcionamento psíquico, postulados por Freud são:

a) o princípio do Nirvana (princípio de constância);

b) o princípio do prazer (este é uma modificação do anterior);

c) o princípio da realidade.

  • A divisão descritiva da psique é dividida em: consciente e inconsciente.
  • O ponto de vista tópico consiste na divisão do mecanismo psíquico nos sistemas inconsciente, pré-consciente e consciente.
  • O objeto libidinal (ou de amor): é algo em relação a alguém, no qual a pulsão deposita sua libido.
  • Relações objetais são relações entre um sujeito e um objeto e, nesse caso particular, o recém-nascido é o sujeito.
  • Durante o primeiro ano de vida, esta relação objetal se desenvolverá progressivamente e, ao final, o próprio objeto libidinal será estabelecido.
  • Tal desenvolvimento é separado em três estágios denominados organizadores sociais:
  1. Estágio pré-objetal ou não-objetal
  2. Estágio do precursor do objeto ou do sorriso eletivo: reconhecimento do Gestalt sinal;
  3. Estágio estabilizador do objeto libidinal ou ansiedade do oitavo mês: o bebê passa a discriminar quem é quem;
  4. O meneio da cabeça: o bebê aprende o que é “não”.
  • Parte 2: a constituição do objeto libidinal
  • O estágio não-objetal refere-se ao estado de não-diferenciação porque a percepção, a atividade e o funcionamento do recém-nascido estão insuficientemente organiza dos em unidades, exceto, até certo ponto, em áreas que são in dispensáveis à sobrevivência, tais como metabolismo e consumo alimentar, circulação, função respiratória, etc.
  • Neste estágio o recém-nascido não consegue distinguir uma “coisa” de outra; não consegue distinguir uma coisa (externa) de seu próprio corpo e não experimenta o meio que o cerca como sendo separado dele mesmo.
  • No início do segundo mês de vida, o rosto humano torna-se um percepto visual privilegiado, preferido a todas as outras “coisas” do ambiente, uma vez que, agora, o bebê é capaz de isolá-lo e distingui-lo do plano de fundo.
  • Tal distinção é dada pelo reconhecimento dos olhos, sobrancelha e nariz (que devem mover-se), o qual, a partir de partes isoladas, o bebê é capaz de entender que ali há um rosto humano. A isso, denomina-se reconhecimento do Gestalt-sinal.
  • No terceiro mês, este “voltar-se para”, em resposta ao estímulo do rosto humano, culmina em uma resposta nova, claramente definida, e específica: ele responderá ao rosto adulto com um sorriso, fator que determina o estágio denominado precursor do objeto.
  • Este sorriso é a primeira manifestação comportamental, ativa, dirigida e intencional, o primeiro indicador da transição de completa passividade do bebê para o início do comportamento ativo que, de agora em diante, desempenhará um papel cada vez mais importante.
  • O papel do afeto na relação mãe-filho: a mãe tem um papel totalmente abrangente no aparecimento e desenvolvimento da consciência do bebê, bem como participação vital em seu processo de aprendizagem primária.
  • Neste contexto, é inestimável a importância dos sentimentos da mãe em relação a ter um filho, o “seu” filho.
  • É necessário que a relação mãe-filho haja um clima emocional favorável, criado pelos sentimentos matemos em relação ao filho.
  • O amor e afeição pelo filho o tornam um objeto de contínuo interesse para a mãe; e além desse interesse persistente ela lhe oferece uma gama sempre renovada, rica e variada, todo um mundo, de experiências vitais.
  • O que toma essas experiências tão importantes para a criança é o fato de que elas são interligadas, enriquecidas e caracterizadas pelo afeto materno; e a criança responde afetivamente a esse afeto.
  • Isto é essencial na infância, pois nesta idade os afetos são de importância muitíssimo maior do que em qualquer outro período posterior da vida.
  • No decorrer de seus primeiros meses, a percepção afetiva e os afetos predominam na experiência do bebê, praticamente com exclusão de todos os outros modos de percepção.
  • Portanto, a atitude emocional da mãe, seus afetos, servirão para orientar os afetos do bebê e conferir qualidade de vida à experiência do bebê.
  • Isto é ilustrado pela reação de sorriso que aparece no terceiro mês de vida, mas ela é apenas um exemplo menor dentre os vários comportamentos e manifestações comportamentais que governam as múltiplas relações que se desenvolvem entre o bebê e a mãe.
  • Na relação mãe-filho, a mãe representa os dados ambientais - ou poderia ser dito que a mãe é a representante do ambiente.
  • Do lado da criança, os dados compreendem o equipamento congênito do bebê, que consiste em Anlage e maturação.
  • Para o nosso objetivo, os fatores relevantes são: de um lado, a mãe com sua individualidade madura e estruturada; de outro lado, a criança cuja individualidade vai-se abrindo, desenvolvendo e estabelecendo progressivamente; os dois estão em contínua inter-relação circular.
  • O estabelecimento do objeto libidinal: uma mudança decisiva no comportamento do bebê em seu relacionamento com os outros ocorre entre o sexto e o oitavo mês, ao que se denomina ansiedade do oitavo mês.
  • A criança já não responde com um sorriso quando uma visita ocasional aproxima-se de seu berço, sorrindo ou balançando a cabeça, já que, por volta dessa idade, a capacidade para a diferenciação perceptiva diacrítica já está bem desenvolvida.
  • Nesse momento a criança distingue claramente um amigo de um estranho e, se um estranho se aproxima, isso provoca na criança um comportamento inconfundível, característico e típico; ela apresenta intensidades variáveis de apreensão ou ansiedade, e rejeita o estranho.
  • Além disso, o comportamento individual da criança varia em torno de uma amplitude maior: ela pode abaixar os olhos “timidamente”, pode cobri-los com as mãos, levantar a roupa para cobrir o rosto, atirar-se de bruços no berço e esconder o rosto nas cobertas, pode chorar ou gritar.
  • O denominador comum é uma recusa de contato, uma rejeição, com um tom mais ou menos carregado de ansiedade, a qual o autor considera ser a primeira manifestação de ansiedade propriamente dita.
  • Baseando-se em suas observações, Spitz distingue, no primeiro ano de vida, três estágios na ontogênese da ansiedade.
  • O primeiro desses estágios é a reação do bebê ao processo do parto.
  • Durante o período neonatal, na primeira semana ou logo após o parto, encontramos manifestações de desprazer ocorrendo em situações que, numa idade mais avançada, poderiam causar ansiedade, mas que, por ora, não constitui ansiedade no sentido psicanalítico.
  • À medida que a criança cresce, a natureza destes estados de tensão perde progressivamente seu caráter difuso; ocorrem então em resposta a situações de desprazer cada vez mais específicas.
  • Por volta da oitava semana de vida, as manifestações de desprazer tornam-se mais estruturadas e inteligíveis, não apenas para a mãe, mas também para o observador experiente.
  • Começam a surgir alguns matizes que vão substituindo a excitação generalizada, de tom negativo, e vão transformando as simples manifestações de desprazer em dois ou três sinais “codificados”.
  • Do ponto de vista da mãe, já é o começo da comunicação mais simples, mas do ponto de vista da criança, é ainda apenas um sinal de seu desconforto; ainda não é um pedido de ajuda; permanece no nível da expressão, embora agora esta manifestação tenha se tornado voluntária e articulada.
  • À medida que as manifestações da criança se tornam mais inteligíveis, as respostas dos que a cercam se tornam mais bem adaptadas às necessidades que ela está expressando.
  • Pelo fato de poder agora provocar respostas de satisfação de necessidades, a criança torna-se capaz de apreender uma conexão entre o que ela faz e as respostas dos que a cercam.
  • Por volta do terceiro mês de vida, traços de memória de uma série de signos dirigidos pela criança ao meio que a cerca estão codificados em seu aparelho psíquico.
  • Com isso a criança dominou o que Karl Bühler (1934) chamou de “o apelo” – a capacidade de voltar-se para o meio que a cerca e de assinalar suas necessidades.
  • Antes disso a criança reagia de uma maneira arcaica, através de um reflexo, por assim dizer, a sensações vindas do interior ou a estímulos vindos do meio circundante.
  • Agora, a criança pode transmitir signos, voluntária e deliberadamente, aos quais o meio circundante responde de modo mais ou menos coerente, satisfazendo suas necessidades.
  • A expressão ativa de uma necessidade é seguida em uma estreita sequência temporal pela satisfação proporcionada pelo meio circundante.
  • A partir de então a criança pode influenciar o ambiente, a fim de aliviar seu desconforto; em um estágio um pouco posterior, ela também aprende a influenciar o meio externo no sentido de que ele lhe forneça a satisfação desejada.
  • Temos aqui a transição do estágio da pura manifestação de o que ele sente para o estágio de apelo para o que ele deseja.
  • Este é o primeiro passo importante com o qual começa a comunicação – ele acabará por levar à comunicação, com a ajuda de signos semânticos.
  • Após o terceiro mês, estabelece-se um número cada vez maior de traços de memória nos sistemas mnemónicos da criança.
  • Em sua maioria são traços de memória do tipo mais simples e estão relacionados com matizes de afeto que causam prazer e, às vezes, desprazer.
  • Eles são estruturados de tal maneira que a sua reativação provocará, com certeza, um afeto específico de desprazer.
  • Esse afeto manifesta-se sob a forma de comportamento de afastamento (por exemplo, no caso de repetidas vacinações).
  • Referimo-nos a esta resposta, que surge entre o quarto e o sexto mês de vida e corresponde ao segundo passo em direção ao estabelecimento da ansiedade propriamente dita – como medo.
  • No primeiro estágio, o de estados de tensão psicológica, uma reação de desprazer é manifestada quando a tensão interna per turba o estado de equilíbrio.
  • Já no segundo estágio, a reação de medo é provocada por um percepto ao qual a criança tenha vinculado uma experiência anterior de desprazer.
  • Quando a criança volta a experienciar esse percepto catexiado de desprazer, tem uma reação de fuga.
  • É uma fuga de uma ameaça da realidade e marca o começo do que Freud denominou “ansiedade” real.
  • A ansiedade dos oito meses, que descrevi antes, e que aparece na segunda metade do primeiro ano de vida, é bastante diferente do comportamento de medo.
  • Em sua reação ao estranho, a criança está respondendo a alguma coisa ou a alguma pessoa com quem ela nunca teve antes uma experiência de desprazer.
  • Tendo em vista tudo o que aprendemos no decorrer da observação direta de bebês, a hipótese mais plausível é de que a criança responde à ausência da mãe com desprazer.
  • Ao acompanhar a ontogênese do desprazer, verificamos que entre o terceiro e o sexto mês de vida a criança manifesta desprazer quando um parceiro adulto a deixa.
  • No estágio da ansiedade dos oito meses a criança já está mais adiantada em todos os aspectos.
  • Quando confrontada com um estranho, sua reação é ao fato de que não se trata de sua mãe; sua mãe “a deixou”.
  • Isso contrasta com a reação da criança de três meses de idade, para quem um rosto humano é tão bom quanto o outro, pois para a criança o rosto representa uma Gestalt-sinal de satisfação de necessidades.
  • Quando um estranho se aproxima do bebê de oito meses, este fica frustrado em seu desejo de ter a mãe.
  • A ansiedade que demonstra não é uma resposta à memória de uma experiência desagradável com um estranho; é uma resposta à sua percepção de que o rosto do estranho não é idêntico aos traços de memória do rosto da mãe.
  • Isto ilustra a operação de apercepção; nesta operação um percepto no presente é comparado com traços de memória do passado.
  • Em termos psicanalíticos dizemos: é uma resposta à percepção intrapsíquica da tensão reativada do desejo e da decepção que se segue.
  • Consequentemente, o autor chama essa resposta de primeira manifestação de ansiedade propriamente dita.
  • Como a reação de sorriso na idade de três meses, a ansiedade dos oito meses marca um estágio distinto no desenvolvi mento da organização psíquica.
  • No caso da reação de sorriso, a Gestalt-sinal do rosto visto de frente é experienciada como o homólogo de um parceiro humano.
  • No caso da ansiedade dos oito meses, o percepto do rosto de um estranho qua face (e não como uma Gestalt-sinal) é confrontado com os traços de memória do rosto da mãe. Reconhecido como diferente, será rejeitado.
  • Achamos que esta capacidade de deslocamento catéxico em traços de memória certamente guardados na criança de oito meses de idade reflete o fato de que ela estabeleceu, neste momento, uma verdadeira relação objetai, e de que a mãe se tomou seu objeto libidinal, seu objeto de amor.
  • Antes disso, dificilmente podemos falar de amor, pois não há amor até que o ser amado possa ser distinguido de todos os outros, e não há objeto libidinal enquanto ele permanece intercambiável.
  • Ao mesmo tempo, a criança modifica suas maneiras de lidar com seu ambiente e dominá-lo. Ela já não se limita às formas arcaicas de defesa; adquiriu a função de julgamento, de decisão. Isto representa uma função do ego em um nível intelectual superior de desenvolvimento psíquico e abre novos horizontes.
  • O segundo organizador: a ansiedade dos oito meses indica o aparecimento do segundo organizador da psique.
  • Isso significa que um dos períodos críticos está situado em torno do oitavo mês de vida.
  • Assinala um novo estágio de desenvolvimento infantil, no decorrer do qual tanto a personalidade da criança como seu comportamento sofrerão uma mudança radical.
  • Então, a forma pela qual o desprazer é expresso, bem como a percepção e o reconhecimento do estímulo que provoca o desprazer, tomam-se cada vez mais específicos.
  • O estímulo teve início no nascimento como uma necessidade interna não específica que produzia uma tensão não específica e sua descarga não específica casual.
  • Três meses mais tarde a expressão casual de tensão tomava-se mais específica e se manifestava quando um parceiro humano (ainda não específico) deixava a criança.
  • Finalmente, aos oito meses, o desprazer assume a forma de uma ansiedade específica, quando um estranho se aproxima da criança.
  • Este desprazer específico é causado pelo medo que a criança tem de ter perdido a mãe (o objeto libidinal).
  • É do maior interesse para o psicanalista notar que as fases sucessivas deste setor de desenvolvimento são estreita mente paralelas às fases dos dois outros setores de desenvolvimento.
  • Um é o que leva à integração do ego, o outro setor é o de desenvolvimento progressivo de relações objetais, que culmina na constituição do objeto libidinal.
  • Origens e início da comunicação humana: o terceiro organizador da psique
  • Entre as mais importantes modificações que se estabelecem com o advento do segundo organizador está a compreensão progressiva que as crianças têm de proibições e o apareci mento dos primeiros traços dos fenômenos de identificação.
  • Antes do estabelecimento do segundo organizador, as mensagens maternas atingem a criança principalmente através do contato tátil (exceto quanto à esfera visual).
  • A criança, tendo adquirido a locomoção, luta pela autonomia e consegue sair do alcance da mãe. Ela pode esquivar-se de sua visão, mas não pode evitar facilmente sua voz.
  • Em consequência, as relações objetais, baseadas até então no contato de proximidade, passarão por uma mudança radical.
  • A locomoção independente é um progresso, um amadurecimento, repleto de perigos para a criança, o qual apresenta muitos problemas para os que a circundam.
  • Enquanto a criança permanecia prisioneira no berço, estava segura. Agora, ela pode andar; não hesita em satisfazer sua curiosidade, sua necessidade de atividade, e se arremessa, impetuosamente, nas mais perigosas situações.
  • Entretanto, agora, a capacidade que a criança tem para se locomover coloca frequentemente uma distância entre ela e a mãe, de modo que a intervenção materna terá de se basear, cada vez mais, no gesto e na palavra.
  • Até então, a mãe podia atender ou não às necessidades e desejos da criança. Agora, ela é forçada a reprimir e impedir as iniciativas da criança, justamente num momento de aceleração do progresso das atividades infantis.
  • Assim, o intercâmbio entre mãe e filho vai consistir em explosões da atividade infantil e ordens e proibições maternas. Isto está em nítido contraste com o período precedente, quando a passividade infantil e o carinho e ação protetora da mãe constituíam a parte principal das relações objetais.
  • Na realidade, a própria forma e conteúdo da comunicação mudam drasticamente.
  • No estágio pré-verbal, as mensagens transmitidas pela mãe necessariamente consistiam, na maioria das vezes, em ações, devido ao desamparo da criança.
  • Até que a criança desenvolva uma estrutura organizada do ego, a mãe desempenha as funções de ego da criança. Ela controla o acesso da criança à motilidade dirigida.
  • No decorrer de sua extensa atividade, que se poderia considerar como o protótipo de todo altruísmo, toda simpatia e toda empatia, a mãe deve agir como a representante da criança, em relação tanto ao seu mundo externo, quanto ao interno.
  • Nesses papéis, ela desempenha as ações do bebê e satisfaz seus desejos como os entende. Por sua vez, suas ações comunicam suas intenções ao bebê.
  • Não significa que, durante o estágio pré-verbal, as trocas vocais estejam ausentes das relações objetais – não é isso que acontece.
  • Toda mãe fala com o filho; muitas vezes, suas ações são acompanhadas por um monólogo contínuo, e muitas vezes a criança responde balbuciando, murmurando.
  • Esta espécie de conversa, na qual a mãe cantarola para o filho, um palavreado incoerente, inventando palavras – enquanto o bebê responde com seus sons peculiares - ocorre no domínio irracional das relações afetivas.
  • Tais conversas estão apenas vagamente relacionadas com expressões de desejos físicos por parte da criança; elas não proíbem, não impedem, não obrigam; no entanto, criam um clima especial. São, por assim dizer, excitações de prazer recíproco.
  • Meneio negativo da cabeça: o primeiro gesto semântico do bebê
  • Desde que a locomoção é adquirida, tudo se altera: o cantarolar é substituído pela proibição, pelas ordens, pela reprovação, pela invectiva.
  • O que a mãe fala agora com mais frequência é “Não! Não!”, e dizendo essas palavras balança a cabeça, enquanto impede a criança de fazer o que estava pretendendo.
  • Primeiro, a mãe enfatiza necessariamente a palavra e o gesto de proibição através de alguma ação física, até que a criança comece a entender as interdições verbais.
  • A criança entende as proibições da mãe através de um pro cesso de identificação.
  • O sintoma manifesto da presença dessa identificação é o fato de a criança imitar, no devido tempo, o meneio negativo de cabeça que comumente acompanha a ação da mãe.
  • Para a criança, esse meneio de cabeça toma-se símbolo e vestígio duradouro da ação frustradora da mãe.
  • A criança adotará e reterá esse gesto, mesmo quando adulta.
  • Tal gesto torna-se um automatismo obstinado, que até o adulto de boas maneiras tem dificuldade em abandonar.
  • O meneio negativo de cabeça e a palavra “não” representam um conceito: o conceito de negação, de recusa, no estrito sentido do termo.
  • Não é apenas um sinal, mas também um signo da atitude da criança, consciente ou inconsciente, é o sinal “menos” da matemática, em que esses sinais são denominados algoritmos.
  • Mas, além disso, o meneio negativo da cabeça “não” é também, e talvez principalmente, o primeiro conceito abstrato formado na mente da criança.
  • Pode-se pensar que a criança adquire esse conceito imitando a mãe, mas observando melhor, torna-se bastante evidente que não é imitação pura e simples.
  • É verdade que a criança imita o gesto da mãe, mas é a criança que escolhe as circunstâncias em que deve usar esse gesto e, mais tarde, quando deve usar a palavra “não”.
  • Quando a mãe proíbe ou recusa alguma coisa, o seu “não” impede a criança de completar a tarefa que pretendia realizar, e o fato de a criança não poder realizar a tarefa reforçará, assim, sua recordação e lembrança.
  • Em primeiro lugar, todo “não” da mãe representa uma frustração emocional para a criança. Se a mãe lhe proíbe alguma atividade, ou se a criança é impedida de conseguir uma coisa que deseja; se alguém discorda da maneira pela qual ela deseja conduzir suas relações objetais – serão sempre as pulsões instintuais que serão frustradas.
  • A proibição, os gestos, as palavras através das quais a frustração é imposta serão investidos com uma carga afetiva específica, que tem o significado de recusa, de malogro, em uma palavra, de frustração.
  • O mesmo acontecerá com o traço de memória da experiência e essa catexia afetiva que assegura a permanência do traço de memória, tanto do gesto como da palavra “não”.
  • Por outro lado, a proibição, por sua própria natureza, interrompe uma iniciativa, uma ação da criança, e faz com que ela volte da atividade para a passividade.
  • Na idade em que a criança começa a compreender a proibição da mãe, ela também passa por uma metamorfose em um outro setor de sua personalidade.
  • Começa uma onda de atividade que substitui a passividade característica do estágio narcisista. Essa atividade emergente, dirigida para fora, ficará muito evidente em suas relações objetais, pois ela não tolerará ser forçada a voltar para a passividade sem oferecer resistência.
  • Outro fator psicodinâmico é acrescentado, ou seja, a carga afetiva de desprazer que acompanha a frustração e que provoca um impulso agressivo do id, consequentemente, um traço de memória é registrado no ego da proibição e será investido com essa catexia agressiva.
  • Agora, a criança está colocada em um conflito entre a ligação libidinal, que a atrai para a mãe, e a agressão provocada pela frustração que a mesma mãe lhe impõe.
  • Entre seu próprio desejo e a proibição do objeto, entre o desprazer de se opor à mãe, arriscando-se assim a perder o objeto, e a ulterior perda do amor dela, o bebê terá de recorrer a uma solução de compromisso.
  • Esta consiste em uma mudança autoplástica, propiciada por um mecanismo de defesa, o de identificação, que, neste estágio, está justamente emergindo.
  • A dinâmica que leva à aquisição do gesto semântico do “não” é então a seguinte: o gesto de meneio negativo da cabeça e a palavra “não” pronunciada pelo objeto libidinal são incorporados ao ego da criança, como traços de memória.
  • A carga afetiva de desprazer separa-se desta representação; esta separação provoca um impulso agressivo que será então ligado por associação ao traço de memória no ego.
  • Quando a criança se identifica com o objeto libidinal, essa identificação com o agressor, nos termos de Anna Freud, será seguida, como ela descreve, por um ataque contra o mundo exterior.
  • Na criança de quinze meses, esse ataque assume a forma do “não” (primeiro o gesto e depois a palavra) que a criança obtém do objeto libidinal.
  • Devido a numerosas experiências de desprazer, o “não” é investido com catexia agressiva, o que o torna apropriado para expressar a agressão, e é por isso que o “não” é usado no mecanismo de defesa de identificação com o agressor e é voltado contra o objeto libidinal.
  • Nesse sentido, conclui-se que domínio do “não” (gesto e palavra) é um fato que tem consequências de longo alcance para o desenvolvimento mental e emocional da criança; supõe que ela tenha adquirido a primeira capacidade de julgamento e de negação.

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