O processo de institucionalização do saber psicológico no Brasil do século XIX
Por: Paula Magalhães • 22/9/2021 • Artigo • 3.303 Palavras (14 Páginas) • 294 Visualizações
O processo de institucionalização do saber psicológico no
Brasil do século XIX
Marina Massimi
No século XIX, o Brasil encontrava-se diante do desafio de tornar-se
uma nação moderna tendo um projeto unitário político, social e cultural.
Um aspecto muito importante desse desafio consistia no fato de que a saúde,
a educação, a religião, a moral e várias outras dimensões da experiência
pessoal dos cidadãos começaram a ser gerenciadas ou controladas diretamente
pelo aparelho estatal. Esse processo foi acompanhado por uma progressiva
estruturação dos papéis sociais dos indivíduos, vindo estes a ser considerados
como funções e produtos do processo social.
Neste sentido, importava consolidar um saber que pudesse proporcionar
uma concepção de homem e de sociedade funcional a esse objetivo. Ao mesmo
tempo, precisava favorecer a superação das raízes lusitanas em prol de uma
abertura a outras matrizes teóricas que norteassem esse processo de mudança.
Assim é que a ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
MECANICISTA de matriz francesa, por um
lado, e o positivismo, por outro, vieram
fornecer os alicerces teóricos necessários
para esta transformação cultural e política,
proporcionando a ideologia e legitimando as
práticas apropriadas para garantir a coesão
do universo social e a adesão de seus membros
à lógica hegemônica.
Ao mesmo tempo, a criação de órgãos oficiais de transmissão e
elaboração do conhecimento – como escolas, faculdades, academias,
sociedades científicas, revistas, bibliotecas – pretendia oferecer as estruturas
institucionais necessárias para alcançar o objetivo visado. Acompanharemos
sucintamente os passos desse processo.
A ANTROPOLOGIA MECANICISTA funda-se no
conceito de homem-máquina, formulado pelo
filósofo e médico francês J. O. de La Mettrie
(1709-1751) que, radicalizando as conclusões
dos estudos da biologia e da fisiologia da época
e a teoria mecanicista cartesiana do animalmáquina, afirma que o homem é apenas
matéria organizada de modo especial e atuando
conforme a constituição de suas partes. Desse
modo, seria dispensável o tradicional conceito
de alma humana....
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O estado físico da nossa máquina influi poderosamente nas operações da alma
No início do século XIX, o médico mineiro Francisco de Mello Franco
(1757-1822), formado em Filosofia e Medicina pela Universidade de Coimbra
e autor de vários tratados e artigos, propõe um tipo de psicologia médica inspirada
nas teorias do Iluminismo e do sensualismo francês, especialmente na teoria
do médico-filósofo Pierre Jean Georges Cabanis.
Num livro publicado em 1813 no Brasil, Elementos de hygiene ou ditames
teoréticos e práticos para conservar a saúde e prolongar a vida, cujo objetivo declarado
é “oferecer certos ditames para a felicidade dos povos” (ed. 1823: XI), Mello
Franco define o físico como “a recíproca encadeação de todos os sistemas de
órgãos que formam a nossa máquina” (idem: 308), sendo a dimensão moral
“tudo quanto diz respeito às funções e particulares afeições da nossa alma”
(ibidem). Além do mais, afirma ser uma evidência empírica o fato do estado
físico do corpo ter grande influência nas operações da alma. Portanto,
a observação e o bom senso, podem com o tempo alumiar-nos, de modo que,
dado o conhecimento das impressões feitas em tais ou tais órgãos, possamos
cair na conta dos resultados morais, que devem ser a sua conseqüência.
(idem: 325)
As antigas doutrinas acerca das relações mente-corpo e a tradicional
TEORIA DOS TEMPERAMENTOS de derivação hipocrática são reformuladas
numa perspectiva tendencialmente monista. Sendo
o funcionamento do organismo regulado por
leis da natureza, compreensíveis e previsíveis
através da observação e da experimentação,
será possível calcular e modificar o dinamismo pela transformação das circunstâncias físicas determinantes, graças a
remédios e normas higiênicas. A saúde
do conjunto psicossomático que constitui
o ser humano é definida como equilíbrio,
sendo este entendido como harmonia da
maquina corporal, cujo efeito é o bem-estar
psicológico. Uma conseqüência dessa mentalidade
será a proliferação do gênero literário dos tratados de higiene, visando difundir
junto à população brasileira regras e conselhos
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