Psicologia e Direito
Por: Rayane Matos • 22/8/2017 • Artigo • 3.501 Palavras (15 Páginas) • 303 Visualizações
Psicologia e Direito: reflexões sobre a história da Psicologia Jurídica no Brasil
Luciana Ferreira Santos Caribé[1]
Rayane de Sousa Matos da Costa[2]
Resumo
Este artigo tem como objetivo discutir a história da Psicologia Jurídica no Brasil, a partir do surgimento da própria Psicologia, considerando-se, para tanto, o conceito de subjetividade privatizada e a importância da sociedade e da cultura para o desenvolvimento da subjetividade. Buscou-se, ainda, refletir sobre as diferentes formas de atuação do psicólogo jurídico no Brasil, as implicações ideológicas dessa prática, bem como as possiblidades e limites na relação entre a Psicologia e o Direito.
Palavras-chave: Psicologia Jurídica. História da Psicologia. Direito. Subjetividade. Ideologia.
Abstract
This article aims to discuss the history of legal psychology in Brazil, starting from the emergence of psychology itself, considering, for this purpose, the concept of privatized subjectivity and the importance of society and culture for the development of subjectivity. It was also sought to reflect on the different ways of acting of the legal psychologist in Brazil, the ideological implications of this practice, as well as the possibilities and limits in the relationship between Psychology and Law.
Key-words: Juridical Psychology. History of Psychology. Subjectivity. Ideology.
Introdução
Este artigo busca apresentar a relação existente entre a Psicologia e o Direito, bem como evidenciar a grande contribuição dos estudos e práticas da primeira para a segunda, pois percebe-se que, na busca da efetividade dos direitos do homem, as duas áreas se completam.
Inobstante as particularidades que envolvem cada uma dessas áreas de saber, principalmente no que diz respeito a definição de seus objetos e métodos, ambas as ciências têm o ser humano e suas relações como objeto de estudo e foram marcadas por acontecimentos históricos que determinaram o seu status atual.
A relação entre a Psicologia e o Direito, apesar de ter conquistado maior destaque nas últimas décadas, ocorre desde o início, quando os aspectos psicológicos passaram a ser considerados como passíveis de previsão e controle. Ou seja, de certa forma, desde seus primórdios, essas áreas dialogam e a partir do desenvolvimento de cada uma, tanto teórica quanto tecnicamente, a inter-relação tem sido cada vez maior. Contudo, essa relação iniciou-se de maneira informal o que não conferia a devida relevância às práticas da Psicologia no ambiente jurídico.
Considera-se que a Psicologia pode contribuir enormemente com o operador do Direito, em suas mais diversas áreas de atuação, pois lhe disponibiliza subsídios à cerca da compreensão da personalidade dos indivíduos, na tentativa de explicar seus atos e assim colaborar em julgamentos, sejam eles criminais, da área cível, ou de outras.
Apesar de a presença da Psicologia no mundo jurídico ser mais solicitada pelo aspecto avaliativo da profissão, que lhe dá a prerrogativa de atuação junto aos tribunais, por meio da apresentação de laudos a serem utilizados nos julgamentos criminais, nas instituições prisionais, nos processos cíveis, colaborando com decisões sobre situações familiares, desde a adoção, disputa de guarda e interdição, muito se tem avançado na consideração de que o Psicólogo pode contribuir para a construção das políticas públicas judiciárias ao explicitar também os aspectos sociais e culturais que permeiam e determinam essas situações.
Essa mudança no olhar sobre as possibilidades da Psicologia no mundo jurídico é fundamental para que as práticas profissionais advindas dessa ciência não reforcem situações de desigualdade e tornem-se elas próprias ideológicas, no sentido de naturalizar condicionantes culturais que poderiam ser modificados a fim de se construir uma sociedade mais justa.
1. Psicologia e Direito
O surgimento da Psicologia e seu estabelecimento como ciência são decorrentes de irrupções sociais bem peculiares, apesar de comumente ser remontado à filosofia ocidental, desde os gregos, até chegar aos dias atuais (FIGUEIREDO E SANTI, 2008). Ferreira, 2005, explica que, para muitos autores, a história da psicologia confunde-se com a própria história do saber ocidental, visto que muitos temas tratados pela Filosofia na Antiguidade, hoje fazem parte do domínio da Psicologia, juntamente com especulações das ciências físicas, biológicas e sociais.
Os autores concordam, no entanto, que somente a partir da segunda metade do século XIX pôde-se dizer que a Psicologia se estabelecia como ciência, nos moldes positivistas. Patto, 2007, aponta que a gestação da Psicologia se deu no ventre dessa lógica, em sociedades capitalistas oitocentistas, com um cunho extremamente instrumental.
O ‘percurso’ histórico da Psicologia foi (e continua) marcado por cisões, isto é, transformações na estrutura da sociedade e do conhecimento, que contribuíram para geração da necessidade do conhecimento de si, da busca de uma natureza na individualidade e na interioridade. Tais rompimentos constituíram precondições para o desenvolvimento da Psicologia.
As grandes navegações, no século XIV, o declínio do sistema feudal, no fim da idade média, o desenvolvimento do sistema capitalista de produção, que estimula o individualismo e a competitividade, são alguns exemplos das transições socioculturais que foram determinantes para o desenvolvimento da experiência de uma subjetividade privatizada, e da própria Psicologia, conforme ensina Figueiredo e Santi, 2008.
A experiência de uma subjetividade privatizada, tal qual concebe-se hoje, como uma experiência íntima que ninguém mais tem acesso, pois decorre dos pensamentos e sentimentos de cada um, não é natural nem universal, mas fruto de condições socioculturais surgidas no desenvolvimento da humanidade e, mais ainda, das situações de crise social.
O autor explica que a sensação de que o que vivemos é único e inigualável, de que nossos pensamentos e sentimentos são originais e incomunicáveis, não é universal. Em verdade, desenvolve-se apenas em sociedades que passaram por uma profunda crise social, com a transformação de suas tradições e proliferação de novas e com perda de referências coletivas, como a religião.
Ou seja, nossos fenômenos psíquicos e nossa subjetividade são social e culturalmente determinados de modo que a forma como os seres humanos pensam e sentem não é permanente. Ao contrário, depende em larga medida de determinantes objetivos, que nos termos de Crochíck, 1998, referem-se às dificuldades postas pela natureza a existência, assim como às regras estabelecidas para a relação entre os homens na superação dessas dificuldades, postas na cultura.
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