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Resumo Do Livro: Teorias Psicogenéticas Em Discussão

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Por:   •  22/10/2014  •  3.713 Palavras (15 Páginas)  •  1.204 Visualizações

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Resumo do livro: Teorias psicogenéticas em discussão - parte geral do concurso

Resumo do livro da parte geral do concurso para docentes da rede estadual de São Paulo (2013):

LA TAILLE, Yves de, OLIVEIRA, Marta Kohl de, DANTAS, Heloysa. 1992. Piaget, Vygotsky, Wallon – teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus.

PARTE I – FATORES BIOLÓGICOS E SOCIAIS

O lugar da interação na concepção de Jean Piaget

Yves de La Taille

La Taille considera que nada há de mais injusto que a crítica feita a Piaget de desprezar o papel dos fatores sociais no desenvolvimento humano. O máximo que se pode dizer é que Piaget não se deteve sobre a questão, mas, o pouco que levantou é de suma importância.

Para o autor, o postulado de Wallon de que o homem é “geneticamente social” (impossível de ser pensado fora do contexto da sociedade) também vale para a teoria de Piaget, pois são suas palavras: “desde o nascimento, o desenvolvimento intelectual é, simultaneamente, obra da sociedade e do indivíduo” (p.12).

Para Piaget, o homem não é social da mesma maneira aos seis meses ou aos vinte anos. A socialização da inteligência só começa a partir da aquisição da linguagem. Assim, no estágio sensório-motor a inteligência é essencialmente individual, não há socialização. No estágio pré-operatório, as trocas intelectuais equilibradas ainda são limitadas pelo pensamento egocêntrico (centrado no eu): as crianças não conseguem seguir uma referência única (falam uma coisa agora e o contrário daí a pouco), colocar-se no ponto de vista do outro e não são autônomas no agir e no pensar. No estágio operatório-concreto, começam a se efetuar as trocas intelectuais e a criança alcança o que Piaget chama de personalidade – o indivíduo se submetendo voluntariamente às normas de reciprocidade e universalidade. A personalidade é o ponto mais refinado da socialização: o eu renuncia a si mesmo para inserir seu ponto de vista entre os outros, em oposição ao egocentrismo, em que a criança elege o próprio pensamento como absoluto. O ser social de mais alto nível é aquele que consegue relacionar-se com seus semelhantes realizando trocas em cooperação, o que só é possível quando atingido o estágio das operações formais (adolescência).

O processo de socialização

A socialização vai do grau zero (recém-nascido) ao grau máximo (personalidade). O indivíduo mais evoluído pode usufruir tanto de sua autonomia quanto das contribuições dos outros. Para Piaget, “autonomia significa ser capaz de se situar consciente e competentemente na rede dos diversos pontos de vista e conflitos presentes numa sociedade” (p.17). Há uma “marcha para o equilíbrio”, com bases biológicas, que começa no período sensório-motor, com a construção de esquemas de ação, e chega às ações interiorizadas, isto é, efetuadas mentalmente.

Embora tudo pareça resumir-se à relação sujeito-objeto, para La Taille, as operações mentais permitem o conhecimento objetivo da natureza e da cultura e são, portanto, necessidades decorrentes da vida social. Para ele, Piaget não compartilha do “otimismo social” de que todas as relações sociais favorecem o desenvolvimento. Para La Taille, a peculiaridade da teoria piagetiana é pensar a interação pela perspectiva da ética (igualdade, respeito mútuo, liberdade, direitos humanos). Ser coercitivo ou cooperativo depende de uma atitude moral, sendo que a democracia é condição para o desenvolvimento da personalidade. Diz ele: “A teoria de Piaget é uma grande defesa do ideal democrático” (p. 21).

Vygotsky e o processo de formação de conceitos

Marta Kohl de Oliveira

Substratos biológicos e construção cultural no desenvolvimento humano

A perspectiva de Vygotsky é sempre a da dimensão social do desenvolvimento. Para ele, o ser humano constitui-se como tal na sua relação com o outro social; a cultura torna-se parte da natureza humana num processo histórico que molda o funcionamento psicológico do homem ao longo do desenvolvimento da espécie (filogenética) e do indivíduo (ontogenética). O ser humano tem, assim, uma dupla natureza: membro de uma espécie biológica que só se desenvolve no interior de um grupo cultural.

Vygotsky rejeitou a idéia de funções fundamentais fixas e imutáveis, “trabalhando com a noção do cérebro como um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual” (p. 24). Para ele, o cérebro é formado por sistemas funcionais complexos, isto é, as funções não se localizam em pontos específicos, mas se organizam a partir da ação de diversos elementos que atuam de forma articulada. O cérebro tem uma estrutura básica, resultante da evolução da espécie, que cada membro traz consigo ao nascer. Essa estrutura pode ser articulada de diferentes formas pelo sujeito, isto é, um mesmo problema pode ser solucionado de diferentes formas e mobilizar diferentes partes do cérebro.

Há uma forte ligação entre os processos psicológicos e a inserção do indivíduo num contexto sócio-histórico específico. Instrumentos e símbolos construídos socialmente é que definem quais possibilidades de funcionamento cerebral serão concretizadas. Vygotsky apresenta a idéia de mediação: a relação do homem com os objetos é mediada pelos sistemas simbólicos (representações dos objetos e situações do mundo real no universo psicológico do indivíduo), que lhe possibilita planejar o futuro, imaginar coisas, etc.

Em resumo: operar com sistemas simbólicos permite o desenvolvimento da abstração e da generalização e define o salto para os processos psicológicos superiores, tipicamente humanos. Estes têm origem social, isto é, é a cultura que fornece ao indivíduo o universo de significados (representações) da realidade. As funções mentais superiores baseiam-se na operação com sistemas simbólicos e são construídas de fora para dentro num processo de internalização.

O processo de formação de conceitos

A linguagem é o sistema simbólico fundamental na mediação entre sujeito e objeto do conhecimento e tem duas funções básicas: interação social (comunicação entre indivíduos) e pensamento generalizante (significado compartilhado pelos usuários). Nomear um objeto significa colocá-lo numa categoria de objetos com atributos comuns. Palavras são signos mediadores na relação do homem com o mundo.

O desenvolvimento do pensamento conceitual segue um percurso genético que parte da formação de conjuntos sincréticos (baseados em nexos vagos e subjetivos), passa pelo pensamento por complexos (baseado em ligações concretas e factuais) e chega à formação de conceitos (baseados em ligações abstratas e lógicas).

Esse percurso não é linear e refere-se à formação de conceitos cotidianos ou espontâneos, isto é, desenvolvidos no decorrer da atividade prática da criança em suas interações sociais imediatas e são, portanto, impregnados de experiências. Já os conceitos científicos são os transmitidos em situações formais de ensino-aprendizagem e geralmente começam por sua definição verbal e vão sendo expandidos no decorrer das leituras e dos trabalhos escolares. Assim, o desenvolvimento dos conceitos espontâneos é ascendente (da experiência para a abstração) e o de conceitos científicos é descendente (da definição para um nível mais elementar e concreto).

A partir do exposto, duas conclusões são fundamentais:

1ª - diferentes culturas produzem modos diversos de funcionamento psicológico;

2ª - a instrução escolar é de enorme importância nas sociedades letradas.

Do ato motor ao ato mental: a gênese da inteligência segundo Wallon

Heloysa Dantas

Wallon tem uma preocupação permanente com a infra-estrutura orgânica de todas as funções psíquicas. Seus estudos partem de pessoas com problemas mentais, portanto, seu ponto de partida é o patológico, isto é, utiliza a doença para entender a normalidade. Para Wallon, o ser humano é organicamente social, isto é, sua estrutura orgânica supõe a intervenção da cultura. A metodologia do seu trabalho ancora-se no materialismo dialético, concebendo a vida dos organismos como uma pulsação permanente, uma alternância de opostos, um ir e vir permanente, com avanços e recuos.

A motricidade: do ato motor ao ato mental.

A questão da motricidade é o grande eixo do trabalho de Wallon. Para ele, o ato mental se desenvolve a partir do ato motor. Ao longo do desenvolvimento mental, a motricidade cinética (de movimento) tende a se reduzir, dando lugar ao ato mental. Assim, mesmo imobilizada no esforço mental, a musculatura permanece em atividade tônica (músculo parado, atitude). A tipologia de movimento que Wallon adota parte de atos reflexos, passa pelos movimentos involuntários e chega aos voluntários ou praxias, só possíveis graças à influência ambiental aliada ao amadurecimento cerebral..

Ao nascer, é pela expressividade ou mímica que o ser humano atua sobre o outro. A motricidade disponível consiste em reflexos e movimentos impulsivos, incoordenados. A exploração da realidade exterior só é possível quando surgem as capacidades de fixar o olhar e pegar. A competência no uso das mãos só se completa ao final do primeiro ano de vida, quando elas chegam a uma ação complementar (mão dominante e auxiliar). A etapa dominantemente práxica da motricidade ocorre paralelamente ao surgimento dos movimentos simbólicos ou ideativos1. O movimento, a princípio, desencadeia o pensamento. Por exemplo, uma criança de dois anos, que fala e gesticula, tem seu fluxo mental atrofiado se imobilizada. O controle do gesto pela idéia inverte-se ao longo do desenvolvimento. Há uma transição do ato motor para o mental.

As fases da inteligência – as etapas de construção do eu

No processo de desenvolvimento da inteligência há preponderância (a cada período mais marcado pelo afetivo segue-se outro mais marcado pelo cognitivo) e alternância de funções (a criança ora está mais voltada para a realidade das coisas/conhecimento do mundo – fases centrípetas, ora mais voltada para a edificação da pessoa/conhecimento de si – fases centrífugas). 1ª fase: impulsivo-emocional (de zero a um ano). Voltada para o desenvolvimento motor e para a construção do eu. No recém-nascido, os movimentos impulsivos que exprimem desconforto ou bem estar são interpretados pelos adultos e se transformam em movimentos comunicativos através da mediação social; até o final do primeiro ano a relação com o ambiente é de natureza afetiva e a criança estabelece com a mãe um “diálogo tônico” (toques, voz, contatos visuais). 2ª fase: sensório-motor e projetivo (de um a três anos). Aprendendo a andar a criança ganha mais autonomia e volta-se para o conhecimento do mundo. Surge uma nova fase de orientação diversa, voltada para a exploração da realidade externa. Com a linguagem, inicia-se o domínio do simbólico.

3ª fase: personalismo (três a seis anos). Novamente voltada para dentro de si, a preocupação é agora construir-se como ser distinto dos demais (individualidade diferenciada). Com o aperfeiçoamento da linguagem, desenvolve-se o pensamento

1 Ideomovimento é expressão peculiar de Wallon e indica o movimento que contém idéias.

discursivo. Sucedem-se uma etapa de rejeição (atitudes de oposição), outra de sedução do outro e conciliação (idade da graça) e outra de imitação (toma o outro como modelo).

4ª fase: categorial (seis a onze anos). Voltada para o cognitivo, é a fase escolar. Ao seu final, há a superação do sincretismo do pensamento em direção à maior objetividade e abstração. A criança torna-se capaz de diferenciações intelectuais (pensamento por categorias) e volta-se para o conhecimento do mundo.

5ª fase: puberdade e adolescência (a partir dos onze anos). Nesta fase, caracterizada pela auto-afirmação e pela ambivalência de atitudes e sentimentos, a criança volta-se novamente para a construção da pessoa. Há uma reconstrução do esquema corporal e o jovem tem a tarefa de manter um eu diferenciado (dos outros) e, ao mesmo tempo, integrado (ao mundo), o que não é fácil.

PARTE II – AFETIVIDADE E COGNIÇÃO

Desenvolvimento do juízo moral e afetividade na teoria de Jean Piaget

Yves de La Taille

A obra “O julgamento moral da criança”(1932) traz implícita a relação que existe entre afetividade e cognição para Piaget, bem como a importância que ele atribui à autonomia moral.

a) As regras do jogo

Segundo Piaget, toda moral consiste num sistema de regras, sendo que a essência da moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo tem por elas. Piaget utilizou o jogo coletivo de regras como campo de pesquisa por considerá-lo paradigmático para a moralidade humana porque: é atividade inter-individual regulada por normas que podem ser modificadas e que provêem de acordos mútuos entre os jogadores, sendo que o respeito às normas tem um caráter moral (justiça, honestidade..).

Piaget dividiu em três etapas a evolução da prática e da consciência de regras:

1ª - anomia (até 5/6 anos): as crianças não seguem atividades com regras coletivas;

2ª - heteronomia (até 9/10 anos): as crianças vêm as regras como algo de origem imutável e não como contrato firmado entre os jogadores; ao mesmo tempo, quando em jogo, introduzem mudanças nas regras sem prévia consulta aos demais; as regras não são elaboradas pela consciência e não são entendidas a partir de sua função social;

3ª - autonomia: é a concepção adulta de jogo; o respeito às regras é visto como acordo mútuo em que cada jogador vê-se como possível “legislador”.

b) O dever moral

O ingresso da criança no universo moral se dá pela aprendizagem dos deveres a ela impostos pelos pais e demais adultos, o que acontece na fase de heteronomia e se traduz pelo “realismo moral” que tem as seguintes características:

- a criança considera que todo ato de obediência às regras impostas é bom;

- as regras são interpretadas ao pé da letra e não segundo seu espírito;

- há uma concepção objetiva de responsabilidade: o julgamento é feito pela conseqüência do ato e pela intencionalidade.

c) A justiça

A noção de justiça engloba todas as outras noções morais e envolve idéias matemáticas (proporção, peso, igualdade). Quanto menor a criança mais forte a noção de justiça imanente (todo crime será castigado, mesmo que seja por força da natureza), mais ela opta por sanções expiatórias (o castigo tem uma qualidade estranha ao delito) e mais severa ela é (acha que quanto mais duro o castigo, mais justo ele é). A partir dos 8/9 anos a desobediência já é vista como ato legítimo quando há flagrante injustiça.

As duas morais da criança e os tipos de relações sociais

Mesmo concordando que a moral é um ato social, para Piaget o sujeito participa ativamente de seu desenvolvimento intelectual e moral e detém uma autonomia possível perante os ditames da sociedade.

As relações interindividuais são divididas em duas categorias:

- coação: derivada da heteronomia, é uma relação assimétrica, em que um dos pólos impõe suas verdades, sendo contraditória com o desenvolvimento intelectual;

- cooperação: é uma relação simétrica constituída por iguais, regida pela reciprocidade; envolve acordos e exige que o sujeito se descentre para compreender o ponto de vista alheio; com ela o desenvolvimento moral e intelectual ocorre, pois ele pressupõe autonomia e superação do realismo moral.

Em resumo: para Piaget, a coerção é inevitável no início da educação, mas não pode permanecer exclusiva para não encurralar a criança na heteronomia. Assim, para favorecer a conquista da autonomia, a escola precisa respeitar e aproveitar as relações de cooperação que espontaneamente, nascem das relações entre as crianças.

Afetividade e inteligência na teoria piagetiana do desenvolvimento do juízo moral

Para La Taille, o notável na teoria piagetiana é que nela “não assistimos a uma luta entre afetividade e moral”(p.70). Afeto e moral se conjugam em harmonia: o sujeito autônomo não é reprimido mas um homem livre, convencido de que o respeito mútuo é bom e legítimo. A afetividade adere espontaneamente aos ditames da razão. Ele considera que na obra “O juízo moral na criança” intui-se um Piaget movido por alguma “emoção”, que sustenta um grande otimismo em relação ao ser humano. No entanto, para ele, o estudo sobre o juízo moral poderia ter sido completado por outros que se detivessem mais nos aspectos afetivos do problema.

O problema da afetividade em Vygotsky

Marta Kohl de Oliveira

Vygotsky pode ser considerado um cognitivista (investigou processos internos relacionados ao conhecimento e sua dimensão simbólica), embora nunca tenha usado o termo cognição, mas função mental e consciência. Para ele há uma distinção básica entre funções mentais elementares (atenção involuntária) e superiores (atenção voluntária, memória lógica). É difícil compreender cada função mental isoladamente, pois sua essência é ser inter-relacionada com outras funções. Sua abordagem é globalizante. Ele utiliza o termo consciência para explicar a relação dinâmica (interfuncionalidade) entre afeto e intelecto e, portanto, questiona a divisão entre as dimensões cognitiva e afetiva do funcionamento psicológico. Para ele, não dá para dissociar interesses e inclinações pessoais (aspectos afetivo-volitivos) do ser que pensa (aspectos intelectuais).

Consciência

Vygotsky concebe a consciência como “organização objetivamente observável do comportamento, que é imposta aos seres humanos através da participação em práticas sócio-culturais”(p.78). É evidente a fundamentação em postulados marxistas: a dimensão individual é considerada secundária e derivada da dimensão social, que é a essencial. Carrega ainda um fundamento sócio-histórico, isto é, a consciência humana, resultado de uma atividade complexa, formou-se ao longo da história social do homem durante a qual a atividade manipuladora e a linguagem se desenvolveram.

As impressões que chegam ao homem, vindas do mundo exterior são analisadas de acordo com categorias que ele adquiriu na interação social. A consciência seria a própria essência da psique humana, o componente mais elevado das funções psicológicas humanas e envolve a inter-relação dinâmica e em transformação entre: intelecto e afeto, atividade e representação simbólica, subjetividade e interação social.

Subjetividade e intersubjetividade

As funções psicológicas superiores, tipicamente humanas, referem-se a processos voluntários, ações conscientemente controladas, mecanismos intencionais.

Apresentam alto grau de autonomia em relação a fatores biológicos, sendo, portanto, o resultado da inserção do homem em determinado contexto sócio-histórico.

O processo de internalização de formas culturais de comportamento, que corresponde à própria formação da consciência, é um processo de constituição da subjetividade a partir de situações de intersubjetividade. Assim, a passagem do nível interpsicológico para o intrapsicológico envolve relações interpessoais e a construção de sujeitos únicos, com trajetórias pessoais singulares e experiências particulares em sua relação com o mundo e, fundamentalmente, com as outras pessoas.

Sentido e significado

Para Vygotsky, os processos mentais superiores são mediados por sistemas simbólicos, sendo a linguagem o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos. O significado é componente essencial da palavra, o filtro através do qual o indivíduo compreende o mundo e age sobre ele. Nele se dá a unidade de duas funções básicas da linguagem: a interação social e o pensamento generalizante. Na concepção sobre o significado há uma conexão entre os aspectos cognitivos e afetivos: significado é núcleo estável de compreensão e sentido é o significado da palavra para cada indivíduo, no seu as contexto de uso e relacionado às suas vivências afetivas.

A linguagem é, assim, polissêmica: requer interpretação com base em fatores linguísticos e extralinguísticos. Para entender o que o outro diz, não basta entender suas palavras, mas também seu pensamento e suas motivações.

O discurso interior

O discurso interior corresponde à internalização da linguagem. Ao longo de seu desenvolvimento, a pessoa passa de uma fala socializada (comunicação e contato social) a uma fala internalizada (instrumento de pensamento, sem vocalização), correspondente a um diálogo consigo mesma.

A afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon

Heloysa Dantas

A teoria da emoção

Para Wallon a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da construção da pessoa quanto do conhecimento. A emoção é instrumento de sobrevivência típico da espécie humana. O bebê humano, frágil como é, pereceria não fosse sua capacidade de mobilizar poderosamente o ambiente para atender suas necessidades. A função biológica do choro, por exemplo, é atuar fortemente sobre a mãe, fornecendo o primeiro e mais forte vínculo entre os humanos. Assim, a emoção tem raízes na vida orgânica e também a influencia. Um estado emocional intenso, por exemplo, provoca perda de lucidez.

Segundo Wallon, a atividade emocional é simultaneamente social e biológica. Através da mediação cultural (social), realiza a transição do estado orgânico para a etapa cognitiva e racional. A consciência afetiva cria no ser humano um vínculo com o ambiente social e garante o acesso ao universo simbólico da cultura – base para a atividade cognitiva – elaborado e acumulado pelos homens ao longo de sua história. Dessa forma, para Wallon, o psiquismo é uma síntese entre o orgânico e o social. Daí sua natureza contraditória de participar de dois mundos.

A opção metodológica adotada por Wallon é o materialismo dialético. Isso quer dizer que não dá para pensar o desenvolvimento como um processo linear, continuísta, que só caminha para a frente. Pelo contrário, é um processo com idas e vindas, contraditório, paradoxal. Assim, sua teoria da emoção é genética (para acompanhar as mudanças funcionais) e dialética.

A origem da conduta emocional depende de centros subcorticais (de expressão involuntária e incontrolável) e torna-se susceptível de controle voluntário com a maturação

cortical. Para Wallon, as emoções podem ser de natureza hipotônica ou redutora do tônus (como o susto e a depressão) e hipertônica ou estimuladora do tônus (como a cólera e a ansiedade).

Características do comportamento emocional

A longa fase emocional da infância tem correspondência na história da espécie humana: é a emoção que garante a solidariedade afetiva e a sobrevivência do indivíduo.

Da função social da emoção resultam seu caráter contagioso (a ansiedade infantil pode provocar irritação ou angústia no adulto, por exemplo) e a tendência para nutrir-se com a presença do outro (uma platéia alimenta uma chama emocional entre os participantes, por exemplo). Devido a seus efeitos desorganizadores, anárquicos e explosivos, a emoção pode reduzir o funcionamento cognitivo, se a capacidade cortical da ação mental ou motora para retomar o controle da situação for baixa. Se a capacidade cortical for alta, soluções inteligentes poderão ser encontradas.

Para Wallon não existe estado não emocional. Até a serenidade exprime emoção. Assim, a educação da emoção deveria ser incluída entre os propósitos da ação pedagógica para evitar a formação do “circuito perverso de emoção”: a emoção surge num momento de incompetência do sujeito e, não conseguindo transformar-se em atividade racional, provoca mais incompetência. O efeito desorganizador da emoção concentra a sensibilidade no próprio corpo e diminui a percepção do exterior.

Afetividade e inteligência

O ser humano é afetivo por excelência. É da afetividade que se diferencia a vida racional. No início da vida, afetividade e inteligência estão sincreticamente misturadas. Ao longo do desenvolvimento, a reciprocidade se mantém de tal forma que as aquisições de uma repercute sobre a outra. A pessoa se constitui por uma sucessão de fases com predomínio, ora do afetivo, ora do cognitivo. Cada fase incorpora as aquisições do nível anterior. Para evoluir, a afetividade depende da inteligência e vice-versa. Dessa forma, não é só a inteligência que evolui, mas também a emoção. Com o desenvolvimento, a afetividade incorpora as conquistas da inteligência e tende a se racionalizar. Por isso, as formas adultas de afetividade são diferentes das infantis. No início a afetividade é somática, tônica, pura emoção. Alarga seu raio de ação com o surgimento da função simbólica. Na adolescência, exigências racionais são colocadas: respeito recíproco, justiça, igualdade de direitos.

Inteligência e pessoa

O processo que começa com a simbiose fetal tem por horizonte a individualização. Para Wallon, não há nada mais social do que o processo pelo qual o indivíduo se singulariza, em que o eu se constrói alimentando-se da cultura, sendo que o destino humano, tanto no plano individual quanto no social, é uma obra sempre inacabada.

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