RACISMO À BRASILEIRA: UM ENSAIO SOBRE BRANQUITUDE E O RACISMO NA CONTEMPORANEIDADE
Por: alineebsoares • 16/12/2019 • Ensaio • 2.495 Palavras (10 Páginas) • 260 Visualizações
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL [pic 1]
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
ANTROPOLOGIA - INTRODUÇÃO
RACISMO À BRASILEIRA: UM ENSAIO SOBRE BRANQUITUDE E O RACISMO NA CONTEMPORANEIDADE
Aline Barbosa Soares
Graduada em Publicidade e Propaganda pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Contato: alineebsoares@gmail.com
PORTO ALEGRE
2019
1. Introdução
O presente ensaio trata-se de uma análise feita como instrumento de reflexão do papel da branquitude na luta antirracista da sociedade brasileira, tal como no desvelamento dos privilégios dessa raça e na sua atuação e omissão para a manutenção dos mesmos. A compreensão da estrutura da sociedade brasileira a partir de sua história é o caminho para o desnudamento e o combate ao racismo e todas as suas formas de opressão. A partir disso, Almeida (2016), afirma que o racismo não é apenas um problema ético, um dado psicológico ou uma categoria judicial como teorias liberais afirmam. O racismo também passa pela lentes do marxismo, pois é uma relação social com materialidade e historicidade e por isso se estrutura de forma política e econômica.
Assim como a maioria dos países da América Latina, o Brasil foi invadido e teve a partir da colonização, como principal fonte de trabalho do país ao longo de seus mais de 500 anos de existência, a força de trabalho de pessoas sequestradas e trazidas a força da África. Esse povo explorado que resistiu e resiste até hoje às mais diversas formas de exclusão e genocídio é o povo negro. No século XIX com o salto do capitalismo causado pela Revolução Industrial e com a luta do povo negro, o fim do sistema escravagista veio tardiamente ao Brasil, em 1888. Nesse mesmo período o país deu início ao processo de branqueamento. Essa questão defendia que existia um padrão genético superior na raça humana, e esse padrão era o branco europeu. Além disso, alegavam que essa população tinha melhor saúde, mais beleza, mais inteligência e civilização. Esse processo se dava através da miscigenação. A ideia era que os descendentes de negros passassem a ficar progressivamente brancos a cada nova geração, num período de no mínimo 50 anos. Logicamente o “plano” não deu certo, visto que hoje mais da metade da população se reconhece negra ou parda. Destacar essa parte da história do racismo estrutural brasileiro contribui para desfazer os nós do padrão aceito na sociedade e os seus reflexos sentidos até hoje.
Contudo, embora haja a sensação de avanço nessa luta e reparação, principalmente após as ações afirmativas, ainda há muito descaso e omissão do Estado, e consequentemente de uma parte da sociedade, aquela que inconscientemente ou não se beneficia dos privilégios que a discriminação racial traz. Posto isso, é notório que o “acerto de contas” nunca houve. O Estado jamais assumiu o seu papel de ir no cerne da questão para que houvesse a reparação histórica a esse povo. Por isso, entender a materialidade histórica desses processos e como eles se estruturam torna-se necessário para a transformação da realidade. Para além disso é preciso compreender o papel da branquitude nesse processo da nova ordem societária - essa sem exploração ou discriminação de raça, classe ou gênero - , que vai além do lugar de escuta e apoio moral. A superação do racismo exige outro nível de implicação da branquitude, um nível inconformado e assim combativo.
2. O Papel da Branquitude na Luta Antirracista
No período de colonização, no Brasil, houve muita violência e crimes cometidos que deixaram marcas que ardem até hoje. Esse país foi erguido a sangue e suor de um único povo, com uma única cor. Mesmo após a abolição da escravidão com a Lei Áurea, em 1888, não houve qualquer tentativa do Estado em inserir os negros/negras na sociedade com equidade de emprego, direito à moradia, acesso à educação ou quaisquer direitos à cidadania. Assim como o mito da democracia racial, a reparação histórica nunca houve. Segundo o último censo do IBGE (2016)[1], mais da metade da população se reconhece como negra ou parda (54,9%). Porém, esse número não é expresso nos cargos de chefia das organizações, nas instituições de ensino, nas corporações empresariais, nas telas do cinema e nem no parlamento. Em contrapartida, vemos negros em massa nos presídios, nas favelas das grandes metrópoles, nas filas do desemprego e na população em situação de rua. Isso afirma que a estrutura do Brasil é formada por práticas sociais, históricas, políticas, institucionais e culturais que determinam as desigualdades de um grupo étnico-racial comparado a outro. Vivemos num Brasil racista! E para desvelar o racismo à brasileira, é de suma importância a compreensão dos processos históricos, do entendimento em ser negro e do papel do não-negro nesse cenário. Por isso, para além do entendimento da negritude e seus significados na sociedade brasileira, é preciso ter o conhecimento do que é ser branco no Brasil e no que isso implica.
Segundo Bento (2002), no Brasil, o branqueamento é constantemente considerado como um problema do negro que, descontente com sua condição de negro, busca identificar-se como branco, miscigenar-se com ele e diluir suas características raciais. Dentro dessa mesma ideia, Emicida (2019), na sua música intitulada Ismália canta que “Ela quis ser chamada de morena. Que isso camufla o abismo entre si e a humanidade plena”. Na descrição desse processo de branqueamento, o branco pouco aparece, exceto como modelo universal de humanidade, alvo da inveja e do desejo dos outros grupos raciais não-brancos.
Na verdade, quando se estuda o branqueamento constata-se que foi um processo inventado e mantido pela elite branca brasileira, embora apontado por essa mesma elite como um problema do negro brasileiro. A falta de reflexão e conhecimento sobre o papel da branquitude nas desigualdades raciais é uma forma de reforçar que essas desigualdades raciais no Brasil, constituem um problema exclusivamente do negro, pois só ele é estudado, analisado e problematizado. Pessoas brancas não são ensinadas a se reconhecer como raça, e isso reforça a ideia que a raça branca é universal, é o padrão. Nas discussões raciais, o negro é sempre o centro do debate, enquanto há um silenciamento em relação ao branco. Ainda para Bento (2002), esse desvio de focalizar a branquitude evita discutir os privilégios dessa raça. Ou seja, tentar levar o debate sobre raça analisando apenas a classe social é uma saída permanentemente utilizada pelos progressistas brancos. Porém, todos os dados que comparam a situação de negros e brancos apontam para uma exploração e desigualdade muito superior do negro em todos os aspectos. Seja na saúde, no mercado de trabalho ou na educação. Segundo pesquisa feita pelo IBGE em 2018[2], trabalhadores negros recebem em média 60% do recebido pelos trabalhadores de cor branca. Já na comparação entre quem está no topo da pirâmide (homens brancos) e quem está na base da pirâmide (mulheres negras), a diferença é absurdamente maior: mulheres negras recebem em média 20% do salário de um homem branco. Diante disso, nota-se a urgência de observar as desigualdades sociais dentro de uma totalidade, apontando para a interseccionalidade.
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