Resenha - Que horas ela volta
Por: Jaqueline Araujo • 6/5/2019 • Resenha • 1.241 Palavras (5 Páginas) • 281 Visualizações
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Universidade de Brasília – UnB
Disciplina: Introdução à Sociologia (Turma J)
Professora: Morgane Reina
Alunas: Jaqueline de Araujo Ribeiro
Matrícula: 19/0014881
Avaliação da Unidade 1_Resenha
Filme: "QUE horas ela volta?" Direção de Anna Muylaert. Globo Filmes e África Filmes. São Paulo: 2015
A principal proposta do filme é apresentar a dicotomia contida nas relações sociais entre diferentes classes e a influência do meio na formação e no comportamento do indivíduo. A narrativa se baseia na história de uma empregada doméstica nordestina (Val) que presta serviços à uma família abastada da capital paulista durante muitos anos. Ela mora na casa da família em que trabalha e sustenta financeiramente e à distância uma filha, a qual deixou sob os cuidados de parentes em sua cidade de origem. Ao completar a idade média para prestar o vestibular, a filha de Val, Jéssica, vai à São Paulo realizar a prova visando o ingresso em universidade pública para graduar-se em Arquitetura e Urbanismo; neste período, hospeda-se na casa da família em que a mãe trabalha, situação que motiva alguns conflitos entre os núcleos familiares da história e evidencia de maneira mais contundente o abismo social e cultural existente entre as duas famílias.
Pode-se identificar na personagem principal duas características citadas por Bornheim: a admiração ingênua e a afirmação dogmática do mundo. Val nutre uma admiração ingênua pela criança da qual é babá: diz Bornheim: “Na admiração ingênua encontramos, portanto, um ato de confiança, de fidelidade amorosa (...) donde também o seu caráter dogmático, quase religioso, de piedade, de oração natural, de exteriorização de uma bondade inata (...)intimamente ligada a um sentido de respeito”. É exatamente o que pode ser observado na relação entre Val e Fabinho: não há senso crítico para com as atitudes do garoto, constatação que se fortalece ao observar a cena do filme em que ela acoberta o fato de o garoto estar utilizando maconha, e, não só acoberta no sentido de não agir ou comunicar o fato aos pais, mas também no fato de auxiliar o adolescente a esconder a droga.
Já a afirmação dogmática do mundo é facilmente percebida quando se percebe que Val enfrenta a mesma realidade a anos, sem questioná-la uma única vez. Para ela, a vida deve ser daquela maneira, e não há o que ser posto em questão. Neste mesmo contexto é possível também relacionar a chegada de Jéssica: ao realizar diversos questionamentos sobre a realidade vivida pela mãe por anos a fio (são vários questionamentos, durante todo o filme), num primeiro momento há uma recusa de Val às questões levantadas pela filha; e, nas etapas finais do filme observa-se que Val passa a questionar-se também sobre sua realidade, rompendo algumas realidades anteriormente tidas como dogmáticas (como por exemplo entrar na piscina pela primeira vez após quase 20 anos de trabalho no mesmo local). O desfecho do filme – em que Val pede demissão “para ficar com a filha” e pede a ela que traga seu neto – é a demonstração mais clara do que é essa postura dogmática e de como rompê-la. Segundo Bornheim: “O homem só abandona a postura dogmática a partir do momento em que julgar, por razões suficientemente radicais, que a realidade, basicamente, deixou vacilar ou perdeu o seu sentido”.
Outro ponto muito forte que consegue ilustrar a afirmação dogmática do mundo são as sucessivas repreensões realizadas por Val à filha, em diversas situações em que julga o comportamento de Jéssica inadequado: esse “julgar” inadequado deriva exatamente desta visão dogmática do mundo de Val, que é diferente do de Jéssica que, apesar de filha, vivenciou um conjunto de crenças, realidades e linguagens completamente diferentes do vivido pela mãe naquele contexto. Quando Searle fala sobre normatividade e regras constitutivas, um trecho do filme em especial consegue elucidar por si este conceito (por volta de 01h03 do filme): Jéssica questiona onde Val aprendeu isso de “poder isso ou não poder aquilo”, e em que livro estavam escritas aquelas regras, ao que Val responde que não há necessidade de que ninguém explique, pois, “a pessoa já nasce sabendo o que pode e o que não pode”.
Neste exemplo também é possível realizar um paralelo com o que Searle diz quanto às funções dos observadores, ou a dependência ou não destes: no texto, a maioria dos exemplos dados são bem lúdicos no sentido de nos fazer entender a relação entre o mundo objetivo e subjetivo e como um pode influenciar no outro, inclusive utilizando a linguagem como uma das ferramentas principais para tanto (exemplos como o dinheiro, como objetos ou como partes do corpo humano). Porém, trazendo este grupo de conceitos correlacionados a uma realidade social, tem-se a Val como o objeto ao qual se atribuiu uma função: a Val é a empregada doméstica da casa; nesse sentido, os observadores são os demais presentes que usufruem de seu serviço. Naquele núcleo, a atribuição dessa função gerou um sentido tão grande de normatividade (até para a própria Val), que a própria Jéssica, ao se ver inserida naquele contexto, passa a tratar Val de acordo com a função que lhe foi atribuída pelo grupo que a recebeu. Embora filha, Jéssica se sente legitimada, por influência do meio (intencionalidade coletiva) a tratar a mãe da mesma maneira que os demais. Os fatores que impedem Jéssica de agir completamente igual aos demais são as concepções de realidade de sua mãe, ao lhe repreender diversas vezes, e da mãe da família, Bárbara, que se constitui em uma observadora com visão diferenciada em relação à Jessica.
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