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A Escrevvência de Carolina Maria de Jesus

Por:   •  21/3/2023  •  Artigo  •  1.501 Palavras (7 Páginas)  •  66 Visualizações

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 “... sabem que eu sou poetisa. E que o poeta enfrenta a morte quando vê o seu povo oprimido”: A escrevivência de Carolina Maria de Jesus como (Re)existência[pic 1]

Lara Serafim    No Brasil existem diversos grupos racialmente discriminados, que são submetidos

as mais variadas formas de discriminação, preconceito e violação de direitos, estes que são determinados por um sistema que oprime e explora, Carolina Maria de Jesus, preta, pobre, semi-analfabeta, que foi mãe solo de José Carlos e Vera Eunice, migrante de Sacramento-MG, moradora da primeira grande favela de São Paulo, a Canindé, viveu e sentiu na pele as expressões da questão social, a escritora de Quarto de Despejo, mostrou em seus relatos a realidade dura e amarga de alguém que por muito tempo residiu na favela na década de 1950, tendo no seu dia-a-dia contato com a miséria, a presença incessante da fome, com situações de violência contra a mulher, com a verdade escancarada da desigualdade social que paira sobre milhares de Brasileiros. Através de uma análise e reflexão baseada na interseccionalidade, o presente trabalho busca inter- relacionar essas questões presente no livro, Feminismo, diversidade sexual e Serviço Social de Cisne e Santos (2018) com a obra citada Quarto de Despejo: diário de uma favelada da escritora Carolina Maria de Jesus (2014).

A obra de Carolina evidencia logo nas primeiras linhas a intersecção entre gênero, raça, e classe, pois direto do seu quarto de despejo como ela chama a favela em que viveu, denuncia e enuncia em seu diário os tormentos de ser uma mulher preta, pobre e favelada, e que mesmo sem ter o entendimento acaba nos dando uma visão afrente do seu tempo, mostrando através da sua penosa realidade a condição de mulher atravessada por raça e classe social. São esses marcadores que atravessam Carolina, e mostram o lugar onde se

cruzam suas pertenças sociais e denunciam a existência de vários sistemas de opressão que se relacionam entre si e se sobrepõem, o que demonstra como as estruturas patriarcais, o sexismo e o racismo são inseparáveis e tendem a discriminar e excluir indivíduos ou grupos de diferentes formas.

Portanto, Carolina enquanto mulher negra inserida em relações patriarcais e racistas, encontra-se como coloca Cisne e Santos (2018, p. 68) na pior escala social, e nesse caso exposta ainda mais a possíveis situações degradantes, pois levava a vida como catadora de materiais recicláveis e “ia catando tudo que encontrava. Ferro, lata, carvão, tudo serve para o favelado” nas ruas para tentar sobreviver.

Para Carolina o descanso era um privilegio que não lhe era permitido, trabalhava incessantemente com a consciência de que precisava buscar o básico não só para si, mas para os filhos. A autora mesmo com as dores que sentia devido ao peso que carregava cotidianamente e devido a uma cirurgia que realizou na perna, não parava de trabalhar, porque sabia que se parasse ninguém continuaria por ela. Esse fato nos remete ao que Akotirene (2020, p. 78-79) aborda sobre a “força” de mulheres negras, que “vistas pelas lentes da raça, as mulheres negras aguentam dor física, (...) e atravessam gerações sendo chefas de famílias, vitoriosas das dificuldades impostas pelo imperialismo colonial”, são décadas de uma visão onde a mulher negra é vista e tida como “resistente, durona”, não é fornecido para mulheres negras o direito de se permitir ser “frágil” e “sentimental”.

No Brasil a mulher sempre sofreu com a desigualdade de gênero, no salários que recebem, na forma de tratamento pelo mercado de trabalho, e em diversas outras áreas, porém, quando adicionamos raça na discussão de gênero conseguimos perceber como as opressões e vivencias são diferentes ao falarmos de mulheres pretas, principalmente mulheres pretas pobres, podemos citar por exemplo a Serie da Netflix “Coisa mais Linda” ambientada assim como nos relatos de Carolina nos anos 50/60, em uma cena especifica entre a personagem Adélia, que é mulher preta, pobre e mãe solo e Malu uma mulher branca de classe média alta também mãe solo, a diferença das vivencias.

Malu reclama com Adélia que está tendo que deixar o filho com a mãe enquanto luta pelo direito de trabalhar, já a outra personagem negra rebate dizendo que já trabalha desde os oito anos de idade e complementa “minha avó nasceu em uma senzala, e é difícil. Eu trabalhei 6, 7 dias na semana. Saía de casa às 4 horas da manhã, ficava mais de uma hora no ônibus na ida e na volta. Tudo isso para colocar um prato de comida na mesa”1

[pic 2]

1 Cena da serie “Coisa mais Linda” Disponível em: https://www.youtube.com/shorts/koPyyzSOPV8

Essa cena reflete além de evidenciar a diferença nítida de classe, o distanciamento de raça. Enquanto mulheres brancas lutavam pelo direito de poder trabalhar a exemplo da luta travada nas chamadas primeiras ondas do Feminismo, mulheres negras sempre tiveram que desde cedo ir em busca de sustento para si, seus filhos e família. Assim como Adélia, Carolina sempre teve uma vida difícil, trabalhando todos os dias e acordando de madrugada para ir atras de pôr comida na mesa para seus filhos. Carolina conviveu com a miséria e a dor de ser uma mulher negra e pobre no Brasil. Portanto falar de gênero no Brasil urge que tais apontamentos sejam feitos. A mulher nessa sociedade patriarcal está sujeita a todo dia de violência, mas a mulher preta é colocada ainda mais abaixo, em uma condição muitas vezes em que sua humanidade é retirada.

Quarto de Despejo pode ter vindo a público em 1960, mas infelizmente continua sendo tão atual que a escrevivência2 de Carolina serve como uma denúncia contra a fome, contra a violência de gênero, contra o descaso do Estado e da condição de abandono por políticas públicas, uma denúncia vívida contra a desigualdade social consequência da exploração do trabalho e da propriedade privada, por meio da existência de duas classes sociais antagônicas, BurguesiaxProletariado em que uma é explorada pela outra. Fazendo a aproximação dessa condição, é de notar que o livro em suas várias nuances nos apresenta através de Carolina, uma crítica ao Serviço Social da década de 1950, sem passar despercebido para nós assistentes sociais em formação o relato da autora exemplifica muito bem a forte ação psicologizante/psicossocial da profissão, “Avenida Brigadeiro me enviou para o Serviço Social da Santa Casa. Falei com a Dona Maria Aparecida que ouviu-me e respondeu-me tantas coisas e não disse nada” (p. 36); a ideia de culpabilização do individuo a uma intervenção voltada para como bem colocado na fala de Carolina “... para reajustar os desajustados”

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