Estados Unidos da América (EUA)
Por: laersonjr • 14/3/2019 • Artigo • 3.263 Palavras (14 Páginas) • 258 Visualizações
Introdução
As drogas ou substâncias que alteram o nível da consciência acompanham a história do desenvolvimento humano marcando presença em rituais religiosos, festivos ou medicina. A dependência química nunca foi considerada um problema de extrema gravidade, de forma que, a fabricação, comercialização e consumo constituíam um amplo sistema de comércio transnacional (CARNEIRO, 2010).
Conforme Lopez (2013), até 1914, as pretensões puritanas dos Estados Unidos da América (EUA) não convenciam as potencias nacionais a adotar ações que estringissem a circulação de drogas, pois, o resultado seria a perda de lucros das empresas farmacêuticas alemãs, interrupção de acordos mercantis entre Europa, África e Ásia.
Após a 1ª Guerra Mundial, as nações europeias enfraquecidas pelo conflito e, portanto, sem condições de fazer frente ao poderio econômico americano, acabam por ceder e aderir a política internacional, militarizada e criminal sobre drogas elaborada pelos EUA, em 1919, entra em vigor o Harrison Narcotics Act (Lopez, 2013).
Em 1971, um novo discurso é construído em torno das substâncias psicoativas, agora, consideradas a ameaça nacional, inimigo interno e externo. O presidente americano Richard Nixon declara “A Guerra as Drogas” (FIORE, 2014).
Uma política de drogas orientada pela lógica de guerra demonstrou-se ser violadora da dignidade humana. Wacquant (2001) aponta que a legislação de drogas é responsável por 61% da população carcerária americanos, em especial negros e hispânicos e pobres.
Zaccone (2012) associa o poder de letalidade da força policial à lógica militarizada de combate às drogas, porque, o traficante é visto como o alvo a ser eliminado. No entanto, aquilo que entendemos como “traficante” não obedece em si o próprio significado. De maneira que, o tráfico é ligado à pobreza, favela ou a indivíduos estigmatizados uma ou outra forma (BATISTA, 2003).
Portanto, a política de drogas baseada em tais termos constitui uma das principais barreiras para a garantia dos direitos humanos no Brasil e no mundo. Assim, presente ensaio pretende explorar, de forma crítica e reflexiva, sobre o caráter penalista da política de drogas brasileira e seus efeitos, em um primeiro momento, sobre a dignidade do usuário e dependentes de drogas partindo da Lei de drogas 11.343. Em segundo momento, será debatido o impacto da orientação punitiva na constituição de uma política orientada pela saúde pública com vistas a garantir e proteger os direitos humanos. Por fim, serão analisadas as perspectivas a partir do atual cenário dos poderes Legislativo e Executivo.
discussão
O debate atual sobre a política de drogas brasileira tornou-se acalorada nos últimos anos. Atualmente questiona-se a criminalização e repressão do consumo e da circulação de substâncias capazes de alterar o estado cognitivo e de consciência humana, ditas drogas ilícitas.
Mais precisamente, o ano de 2006 a instituição da Lei 11.343 (Lei de Drogas) inaugura a discussão mais atual sobre a política de drogas nacional distinguindo usuário e traficante. Entende-se por usuário aquele que, segundo a referida lei, porta uma determinada droga para consumo próprio, de modo que, fica estabelecida a extinção da privação de liberdade como pena. Cabendo apenas a penalidade administrativa.
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. (BRASIL, 2006)
Entretanto, Maronna (2014) que destaca que os critérios para distinção entre usuário e traficante são meramente subjetivas, constituído assim, uma insegurança jurídica para o suposto infrator, agente policia ou operador jurídico. Segundo o Art. 28:
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. (BRASIL, 2006)
Nesse contexto, a mera descrição qualitativa do ato infracional torna-se um mecanismo para a supressão de princípios fundamentais dos Direitos Humanos. Boiteux e Wiecko (2009) evidenciam que 61,5% dos encarcerados por crime de tráfico respondem ao processo individualmente, ou seja, foram presos sozinhos e, que, 66,4 % são réus primários. Já no intervalo entre 2007 e 2012, observa-se a elevação de 111 % da população carcerária condenados por tráfico, constituindo assim, 25% de toda a massa penitenciária no Brasil (BOITEUX, 2014).
Para os autores não é raro os casos em que usuários são condenados como traficantes, sendo a causa principal, a ausência de critérios quantitativos mediante a aplicação e execução penal da Lei 11.343 (BOITEUX, 2014). Não sendo cumprido o princípio da compatibilidade penal.
A orientação penalista da política de drogas viola sistematicamente os direitos individuais. A Convenção Americana de Direitos Humanos o qual o Brasil é signatário, garante ao suspeito a máxima “o direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem a confessar-se culpado” (§ 2º, alínea “g” do artigo 8º). Logo, o § 2º da lei de drogas atenta contra o indivíduo, de forma que, o mesmo deverá comprovar que não é traficante.
Tais garantias surgem da necessidade de limitar o poder punitivo do estado direcionado ao indivíduo, como assegura Zaffaroni (1997), o mecanismo atual aprimoramento penal manifesta-se na multiplicação dos verbos para a definição de um delito. O Art. 33 da Lei 11.343 que define o crime de trafico traz em sua descrição 17 verbos e impõe que:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (BRASIL, 2006)
Portanto, estamos diante o agigantamento do poder punitivo do Estado por meio da inflação dos bem jurídicos e ampliação da ofensividade dos crimes de perigo abstrato (BOZOLA, 2014). De modo que, o proibicionismo vem a constituir ações políticas, de fundo moral, voltadas para a regulação de comportamentos vistos como negativos. Assim, a criminalização de condutas restringem a liberdade, ainda que, não impliquem em um dano ou perigo concreto a sociedade, senão, a si próprio (KARAM, 2004).
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