Capitães da Areia sob a Ótica Motivacional
Por: Lucas Ramazzotto • 17/7/2020 • Monografia • 4.413 Palavras (18 Páginas) • 269 Visualizações
[pic 1]UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto
Departamento de Psicologia
Processos Psicológicos Básicos: Motivação e Aprendizagem
Capitães da Areia sob a ótica motivacional de Charles Cofer
Docente:
Discentes:
Introdução
Capitães da Areia é uma obra literária que trata sobretudo das mazelas sociais encontradas em centros urbanos ao acompanhar a vida de um grupo de menores delinquentes e marginalizados. Lançada em 1937, a obra tem caráter fortemente comunista e incentiva a luta social colocando garotos de rua como protagonistas, fatos que causaram grande incômodo às autoridades da época, a ponto de serem queimados mais de 800 exemplares do livro em uma incineração em frente à Escola de Aprendizes Marinheiros, em Salvador (Carneiro, 1999). Por meio do relato de passagens das vidas dos membros desse grupo, Jorge Amado, o autor, mostra a rotina de delitos e aspirações a que esses jovens se submetem para conseguirem sobreviver em uma Salvador amplamente fragmentada socialmente, revelando uma vida bestializada fruto do abandono e descaso que os Capitães estão sujeitos. Vivendo sob a ameaça de um aparato policial destinado a persegui-los, e de um sistema correcional que se utilizava de métodos de tortura para fazer valer a obediência e conformidade aos padrões exigidos pelas camadas sociais mais abastadas, é nesse ambiente hostil que esses meninos de rua encontram uns nos outros o apoio necessário à sua sobrevivência e a construção de algo que se assemelha muito vagamente a uma família. Tendo por “lar” um velho trapiche abandonado localizado em uma das praias da capital baiana, fato inclusive que dá origem ao nome que adotam, os Capitães da Areia são mostrados como criminosos, violentos, atrevidos, ladrões e agressivos, ao mesmo passo que sua enorme carência de carinho, afeto, alimento e educação também revela que, apesar de tudo, ainda são crianças que possuem seus pensamentos ingênuos, sonhos e ambições.
O livro de Charles Cofer, denominado Motivação e Emoção, por sua vez, é uma obra acadêmica que busca abordar uma gama de conceitos relativos aos termos do título que compõem uma área fundamental para o entendimento do comportamento animal e humano. Através de uma análise das teorias desenvolvidas ao longo do tempo em tentativas de explicar esse fenômeno tão complexo, Cofer propõe uma sólida construção do conhecimento acerca do tema usando-se dos experimentos desenvolvidos que possibilitaram cada vez mais uma maior compreensão dos fatores que podem levar animais e seres humanos a fazerem o que fazem nas mais diversas situações, ainda que não estejam cientes deste fato. Com base no panorama geral desse livro, utilizado para guiar o desenvolvimento da unidade de Motivação da disciplina a qual este ensaio se submete, o Prof. Lino, docente responsável por esta, traçou uma discussão a partir de uma história de garotos marginalizados em situação de rua – denominados, por força das circunstâncias, de “trombadinhas” – sobre como estes fatores motivacionais trazidos por Cofer em sua obra poderiam ser usados para explicar os comportamento desenvolvidos por esses garotos de forma a justificar, ao menos em parte, os seus atos, mostrando assim a necessidade de uma análise mais cuidadosa da questão.
Assim, analogamente à história acima narrada, o objetivo desse ensaio é realizar uma análise da obra Capitães da Areia focada em trazer conceitos motivacionais do livro Motivação e Emoção que possam elucidar fatores subjacentes aos comportamentos desenvolvidos e apresentados pelos Capitães ao longo da narrativa de Jorge Amado, buscando relacionar ambas as obras de maneira a aumentar a compreensão da construção das atitudes dos membros desse grupo.
Síntese da obra Capitães da Areia
A obra inicia-se com uma série de reportagens e cartas fictícias dirigidas a um jornal, na página policial, as quais relatam uma onda de assaltos feitos por um grande grupo de menores de idade, entre 8 e 16 anos, denominados “Capitães da Areia” por se abrigarem em um trapiche em uma das praias de Salvador. Os Capitães, liderados por Pedro Bala, filho de um líder sindical morto pela polícia durante uma greve, vagam pela cidade se aventurando com crimes e com uma vida devassa, vivendo de pequenos e grandes furtos, pedindo alimento e esmola e utilizando de diversos traquejos para sobrevive. Ao decorrer da narrativa pode-se conhecer outros personagens influentes no grupo, como o Professor, o único alfabetizado e que ainda possuía talento artístico; Boa-Vida, representando a ociosidade; Volta Seca, que viria a se tornar cangaceiro; Sem-Pernas, personagem debilitado que ajudava nos assaltos à residências nas quais ele era abrigado por famílias; Dora, que se junta ao grupo com seu irmão após perder os pais para a “bexiga” (varíola) e se envolve com Pedro; Pirulito, que traz consigo a imagem da religiosidade; Gato, que exacerba traços de sexualidade e malandragem; e Barandão, o qual apresenta a questão da homoafetividade. Há também a presença de alguns personagens adultos que se familiarizam com os Capitães, como o Padre José Pedro, que busca dar suporte aos meninos, e o Querido-de-Deus, que os ensina a lutar capoeira e a pescar. A rotina deles, como posto antes, era baseada em transgressões, sendo essas desde pequenos furtos até assaltos cuidadosamente planejados, muitas vezes encomendados por terceiros. Porém não viviam apenas disso, rondavam a cidade também em busca de distrações, realizando traquinagens e se deliciando de prazeres muitas vezes destinados à vida adulta. Como os furtos eram frequentes, eles eram conhecidos pela população e perseguidos pela polícia. Por serem menores de idade, se fossem pegos, seriam enviados à reformatórios, onde os menores infratores eram expostos à péssimas condições de vida e ao abuso de autoridade. Ao longo da obra são abordadas problemáticas como a negligência e a marginalização frequentes na realidade desses jovens, resultando em situações geradas pelo instinto de sobrevivência, como o roubo, o ato de convencer e de enganar as pessoas, o constante apelo sexual no tratamento com o sexo oposto etc.
O romance é dividido em três partes: “Sob a lua, num velho trapiche abandonado” (composta por onze capítulos); “Noite da grande paz, da grande paz dos seus olhos” (composta por oito capítulos); e “Canção da Bahia, Canção da Liberdade” (também com oito capítulos). Cada uma das partes conta uma parte crível da história, como por exemplo, a chegada de Dora, a captura de Pedro Bala e Dora, a conseguinte morte dessa e a separação gradual dos Capitães.
No desfecho da narrativa, cada um dos meninos sofre a transição menino-homem e segue um rumo diferente na vida, sendo levados a inimagináveis cenários nos quais eles deveriam se portar com grande responsabilidade. De forma direta e indireta, a história dos Capitães da Areia foi repassada, seja através das obras de João José – o nome adotado por Professor ao iniciar sua prolífica carreira artística – ou das bravuras de Volta Seca juntamente ao bando Lampião. É evidenciado como as condições a que as crianças foram submetidas, toda a violência e o ato do abandono, modularam a personalidade de cada uma delas, bem como influenciaram diretamente seu comportamento perante à sociedade. Em contrapartida, aflora-se o senso de coletividade, de união entre o grupo, senso esse que permanece em cada um dos meninos mesmo após a separação dos seus principais representantes.
...