Brasil
Trabalho Universitário: Brasil. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: paraizo1 • 10/2/2014 • 7.443 Palavras (30 Páginas) • 950 Visualizações
A Burocracia no Brasil: as bases da administração pública nacional em perspectiva histórica (1920-1945) Carlos Henrique Assunção PAIVA•
Resumo: Este artigo se dedica à discussão, em perspectiva histórica, do desenvolvimento de modelos de administração pública clássicos e do fenômeno da burocratização no país. Em um primeiro momento, será apresentado o fenômeno burocrático em suas perspectiva mais global, relacionando-o a processos de mudanças sociais, em certo sentido globais e genéricos, como a industrialização e a urbanização. Em um segundo momento, será discutido o fenômeno da burocratização em uma perspectiva denominada micro, ao destacá-lo em sua dimensão político- administrativa. Procuraremos, então, investigar o processo de decisões e gerenciamento estatais que constituem a substância das reformas administrativas implementadas a partir dos anos 1930 até o final da gestão Vargas em 1945. Este período coincide com uma série de reformas político-administrativas que mudou, definitivamente, a relação entre estado/sociedade, bem como as relações sociais no âmbito da máquina pública no Brasil.
Palavras-chave: Burocracia; Administração pública; Governo Getúlio Vargas; Reforma administrativa.
Introdução
Este artigo se dedica à discussão, em perspectiva histórica, do desenvolvimento de modelos de administração pública • Historiador, Mestre e Doutor em Saúde Coletiva (IMS/UERJ). Pesquisador do Observatório História e Saúde – OMS/OPAS – COC/FIOCRUZ – 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: cpaiva@fiocruz.br
CARLOS HENRIQUE ASSUNÇÃO PAIVA
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clássicos e do fenômeno da burocratização no país. Importa identificar alguns sinais desse fenômeno social, político e econômico, cuja complexidade não pode com muita facilidade ser reduzida estritamente a nenhum aspecto da realidade humana ou mesmo social. Em virtude de suas diversas dimensões, até mesmo a psicológica, o fenômeno burocrático pode ser compreendido ao sabor de métodos e óticas variados. Assim, este texto não tem a pretensão de cobrir indiscriminadamente a literatura sobre o assunto, mas tão somente explorar certos argumentos com o fim de elaborar um quadro analítico bidimensional, apresentado a seguir. Em um primeiro plano, será apresentado em perspectiva bastante ampla o fenômeno burocrático. Valendo-me da discussão levantada por autores como Fernando Uricoechea (1978), Mário Wagner Vieira da Cunha (1963), Juarez Brandão Lopes (1971), entre outros, se construirá a imagem do fenômeno burocrático em plano bastante global, relacionando-o a processos de mudanças sociais, em certo sentido globais e genéricos, como a industrialização e a urbanização. Em um segundo momento, se procurará fechar o cerco, e abandonar noções quase abstratas - como modernização - para perceber o fenômeno da burocratização em uma perspectiva denominada micro, ao destacá-la em sua dimensão político- administrativa. Assim, quer-se dar particular atenção ao processo de decisões e gerenciamento estatais que constituem a substância das reformas administrativas implementadas pelos sucessivos governos, sobretudo a partir dos anos 1930. Aqui, serão de suma importância os trabalhos de Beatriz Warhlich (1983), de Lawrence Graham (1968) e de Edson Nunes (1997), além de dados produzidos a partir de fontes documentais, como o Diário de Getúlio Vargas e alguns periódicos. Se no primeiro momento se ganha a compreensão de um fenômeno social amplo, com conexões importantes com outras arenas da vida social, bem como com o passado (a dimensão histórica da burocratização), no momento seguinte pode-se perceber mais precisamente seus conteúdos e formas, ao examinar de perto as reformas administrativas que
A BUROCRACIA NO BRASIL: AS BASES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA...
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implementaram maior grau de racionalização e burocratização na vida e na administração públicas do país. É importante perceber que os dois enfoques não implicam contradição a respeito do conceito de burocracia e da administração pública, ao contrário, apontam noções eminentemente complementares.
A Macroburocratização: o fenômeno em perspectiva ampla
Fernando Uricoechea, em seu Minotauro Imperial (1978), observou a semente de uma rotina burocrática em tempos distantes. O fenômeno, segundo sua visão, confunde-se com a própria formação do estado nacional brasileiro, ainda nos tempos de Sua Majestade. O autor não identificou elementos objetivos que possam configurar ou desenhar certo grau de burocratização do Estado, ou mesmo da sociedade brasileira imperial. Assim, o fenômeno burocrático se confunde com uma centralização política, somado ao surgimento de uma organização administrativa que implementaria, pouco a pouco, o domínio do governo central nos assuntos locais. Uma organização, como se vê pelo título da obra de Uricoechea, hiperdimensionada, pois implica a imagem de algo grandioso e talvez incompatível com a época, pelo menos de acordo com a visão que se adota neste trabalho1. Desse modo, na perspectiva de Uricoechea, o conflito entre o poder local − nas mãos de poderosos proprietários de terras − e o poder federal começa a ser favorável aos primeiros, não somente em razão das idas e vindas do processo de centralização política promovido pela União, mas também pelo caráter gradual do avanço na burocratização da administração do Estado. Isso porque, nesse ponto de vista, a substância da burocracia seria quase exclusivamente o jogo político que imprimiu uma movimentação de peças, de acordo com os interesses dos poderosos, sempre ávidos por mais poder.
CARLOS HENRIQUE ASSUNÇÃO PAIVA
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Não cremos que seja satisfatória essa percepção da burocracia como algo eminentemente colado à política. Deve-se estabelecer logo de início uma distinção entre os fenômenos da centralização e da burocratização brasileiras: embora em muitas ocasiões tenham relação estreita e por vezes direta, ambas possuem fontes de “legitimidade” distintas. Enquanto a centralização ou a descentralização dizem respeito à dimensão dos assuntos marcadamente políticos, ou seja, de como
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