Estrutura, metabolismo e funções fisiológicas lipoproteínas de alta densidade
Seminário: Estrutura, metabolismo e funções fisiológicas lipoproteínas de alta densidade. Pesquise 861.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 25/11/2014 • Seminário • 6.825 Palavras (28 Páginas) • 411 Visualizações
Estrutura, metabolismo e funções fisiológicas
da lipoproteína de alta densidade
Structure, metabolism and physiologic functions of high-density lipoproteins
Emerson Silva Lima1; Ricardo David Couto2
1. Professor-adjunto da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
2. Professor-adjunto da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
J Bras Patol Med Lab • v. 42 • n. 3 • p. 169-178 • junho 2006
unitermos
key words
resumo
Diversos estudos clínicos, epidemiológicos e experimentais têm mostrado de maneira incontestável a
relação entre dosagem sérica dos níveis de lipoproteína de alta densidade (HDL) e doença cardiovascular.
Baixos níveis de HDL estão presentes em aproximadamente 10% da população e representam um dos
mais freqüentes achados de dislipidemia nos pacientes com doença arterial coronariana (DAC). Esses
níveis reduzidos de HDL poderiam ser incapazes de efetivamente eliminar o excesso de colesterol das
paredes vasculares, contribuindo para o fenômeno inflamatório que caracteriza a patogênese da aterosclerose
nas suas fases iniciais. Outros inúmeros estudos têm convincentemente mostrado que a HDL
também exerce efeitos diretos sobre os processos inflamatórios, por exemplo, através da modulação
da expressão de diversas proteínas de fase aguda. Além disso, a HDL também possui diversos outros
efeitos antiaterogênicos, como efeitos antioxidantes, inibição da agregação plaquetária e da migração
de monócitos. O presente artigo faz uma revisão da literatura atual sobre o metabolismo da HDL e suas
principais ações na prevenção da doença arterial coronariana.
HDL
Doença arterial coronariana
Transporte reverso do colesterol
abstract
Several experimental, clinical and epidemiological researches have shown the incontestable causal relationship
between low high-density lipoprotein (HDL) plasma concentrations and cardiovascular pathology on an
atherosclerotic basis. Low HDL levels characterize about 10% of the general population and they represent the
most frequent dyslipidemia in patients with coronary artery disease. Reduced HDL concentrations would be unable
to effectively eliminate the cholesterol excess at the vascular wall, contributing to the inflammatory phenomenon
that characterizes the pathogenesis of atherosclerosis since its initial phases. Results of numerous studies reasonably
allow supposing that HDL is able to exert, also directly, anti-inflammatory actions through the modulation of
expression of diverse acute phase proteins. Furthermore, HDL also exerts several other atheroprotective effects,
such as antioxidants affects, inhibition of platelets aggregation and monocytes migration. This paper is a review
on recent literature data about HDL metabolism and its role in the prevention of coronary artery disease.
HDL
Coronary arterial disease
Reverse cholesterol transport
Primeira submissão em 26/01/06
Última submissão em 26/01/06
Aceito para publicação em 10/05/06
Publicado em 20/06/06
artigo de revisão
review paper170
Lima, E. S. & Couto, R. D. Estrutura, metabolismo e funções fisiológicas da lipoproteína de alta densidade • J Bras Patol Med Lab • v. 42 • n. 3 • p. 169-178 • junho 2006
Introdução
Numerosos estudos clínicos e epidemiológicos têm
relacionado fortemente a diminuição da concentração
plasmática da lipoproteína de alta densidade (HDL) com o
desenvolvimento de doença arterial coronariana (DAC)(96).
Baixa concentração de HDL circulante é um fator de risco
independente para DAC(3). Esse efeito também é observado
na síndrome metabólica(1, 8, 9, 72), que inclui resistência à insulina(68),
intolerância à glicose(7, 47, 94) e hipertensão arterial(25, 75).
Além disso, o aumento das concentrações plasmáticas das
lipoproteínas aterogênicas, incluindo a lipoproteína de muito
baixa densidade (VLDL) e a lipoproteína de baixa densidade
(LDL), está freqüentemente associado à diminuição da concentração
da HDL. O efeito antiaterogênico da HDL se dá,
sobretudo, devido à sua propriedade de transportar lípides,
principalmente ésteres de colesterol, dos tecidos periféricos
para o fígado, o que é conhecido como transporte reverso
do colesterol (TRC). Contudo, outras ações protetoras
importantes da HDL, além do TRC, têm sido descritas em
diversos modelos experimentais e estudos epidemiológicos.
Essas ações incluem: proteção antioxidante, mediação do
efluxo de colesterol, inibição da expressão de moléculas de
adesão celular, ativação de leucócitos, indução da produção
de óxido nítrico (NO), regulação da coagulação sangüínea
e da atividade plaquetária.
Este trabalho faz uma revisão das principais características
antiaterogênicas da HDL, além do transporte reverso
do colesterol, e suas implicações na prevenção de doenças
ateroscleróticas.
Definição e estrutura
A fração lipoprotéica conhecida como HDL é, na verdade,
constituída por um grupo de partículas originalmente
obtidas por ultracentrifugação do plasma, com densidade
entre 1,063 e 1,25g/ml. Assim, as HDL são as menores (7-
17nm de diâmetro) e as mais densas (1,063 < d < 1,25g/ml)
das frações lipoprotéicas plasmáticas(32, 39, 77). Sua estrutura
consiste em um núcleo lipídico hidrofóbico, contendo principalmente
ésteres de colesterol, uma pequena quantidade
de triacilgliceróis e colesterol não-esterificado. Esse núcleo
é circundado por uma camada monofásica de fosfolipídios,
colesterol não-esterificado e apolipoproteínas. As principais
apolipoproteínas da HDL são apoA-I e apoA-II, embora
outras, como apoA-IV, apoA-V, apoC-I, apoC-II, apoC-III,
apoD e apoE, possam estar presentes(39). A HDL também
serve como transportador plasmático eficaz de proteínas
envolvidas com o metabolismo lipídico, como proteína
transportadora de éster de colesterol (CETP), lecitina,
colesterol aciltransferase (LCAT) e proteína transportadora
de fosfolipídios (PLTP), que participam ativamente das vias
metabólicas da HDL(89). Essas e outras moléculas de origem
protéica presentes na HDL estão descritas na Tabela 1.
Quando isoladas por ultracentrifugação, podem ser
observadas duas frações predominantes de HDL: uma
subfração principal, chamada HDL2, encontrada na faixa
de densidade entre 1,063 e 1,125g/ml, e outra, chamada
HDL3, obtida entre 1,125 e 1,21g/ml. Uma terceira fração
obtida em menor quantidade, conhecida como lipoproteína
de densidade muito alta (VHDL), pode também ser isolada
na faixa de densidade entre 1,21 e 1,25(35). Quando separada
por eletroforese em sistema de gel de poliacrilamida
não-desnaturante, que usa o tamanho e a carga da partícula
como base para a separação, a fração da HDL previamente
obtida por ultracentrifugação pode ser dividida em cinco
subfrações distintas(65, 66, 92). Essas subfrações separadas por
ordem decrescente de tamanho são: HDL2b (diâmetro médio
10,6nm), HDL2a (9,2nm), HDL3a (8,4nm), HDL3b (8nm) e
HDL3c (7,6nm), que também podem ser identificadas por
ressonância magnética nuclear (RMN), técnica que tem sido
mais recentemente utilizada na identificação de subfrações
da HDL em função do tamanho das partículas(59).
As HDL também podem ser divididas em duas subpopulações,
tendo como base a sua composição de apolipoproteínas:
uma subpopulação compreendendo as partículas
contendo somente apoA-I (HDL A-I) e outra que contém as
duas apolipoproteínas (HDL A-I/A-II). Enquanto a proporção
de apoA-I é de aproximadamente 50% nas HDL A-I e HDL
A-I/A-II, na maioria dos indivíduos quase toda a apoA-II está
na fração das HDL A-I/A-II. A maior parte das HDL A-I/A-II
está na fração de densidade HDL3, e as HDL A-I são os componentes
principais das frações HDL3 e HDL2
(77, 89).
Quando as partículas de HDL são separadas por eletroforese
em gel de agarose, ocorrem quatro bandas de
migração denominadas alfa, pré-alfa, pré-beta e gama de
acordo com as bandas observadas na separação do plasma.
As partículas que migram na posição alfa são esféricas e
constituem a maior proporção, na qual estão incluídas as
frações HDL3 e HDL2, assim como HDL A-I e HDL A-I/A-II.
As partículas conhecidas como pré-β1 HDL são, na verdade,
moléculas de apoA-I ou partículas discóides consistindo de
uma ou duas moléculas de apoA-I contendo fosfolipídios
e, possivelmente, uma pequena quantidade de colesterol
não-esterificado. A fração gama é constituída de partículas
que contêm apoE e não apoA-I(4, 92).171
Conteúdo protéico da HDL
Proteína/enzima Sigla Funções
Apolipoproteína A-I ApoA-I Lipoproteína estrutural da HDL representa o maior componente
protéico dessa partícula. É responsável por ativação da LCAT,
estimulação do efluxo do colesterol e ligação aos receptores da
HDL (SR-BI, ABCA-1). Pode ser também responsável pela ação
antioxidante da HDL
Apolipoproteína A-II ApoA-II Modula a atividade de LCAT, CETP e LH. Possui ação antioxidante
Apolipoproteína A-IV ApoA-IV Ativação da LCAT, modulação da lipase lipoprotéica e estimulação
do efluxo de colesterol
Apolipoproteína E ApoE Ligante dos receptores de ApoE
Apolipoproteína F ApoF Inibição da CETP
Apolipoproteína J ApoJ Clusterina participa da função da PON-1
Lecitina colesterol aciltransferase LCAT Esterificação do colesterol livre e maturação do HDL
Proteína de transferência
de ésteres de colesterol
CETP Modula a troca de ésteres de colesterol e triglicérides entre HDL e
lipoproteínas contendo ApoB. Geração de ApoA-I pobre em lípides
Proteína de transferência
de fosfolípides
PLTP Transferência de fosfolípides de lipoproteínas ricas em triglicerídeos
para HDL e geração de ApoA-I pobre em lípides
Paraoxonase PON-1 Hidrolisa hidroperóxidos de fosfolípides na superfície da partícula
de LDL, inibindo assim a oxidação dessa partícula in vivo
Tabela 1
Síntese e metabolismo
As HDL são sujeitas a um processo de remodelamento
contínuo no compartimento plasmático. As apoA-I e
apoA-II são sintetizadas principalmente no fígado, apesar
de uma proporção da apoA-I ser também formada no
intestino(20, 73, 84, 87). As apolipoproteínas plasmáticas são
lipidadas por processo dependente de proteína especí-
fica conhecida como ATP binding cassette transporter A1
(ABCA-1)(19, 57, 76, 80, 82, 90, 91), formando uma partícula de HDL
discóide contendo, além da apolipoproteína, fosfolipídios e
uma pequena quantidade de colesterol não-esterificado. Essas
partículas discóides adquirem colesterol não-esterificado
de outras lipoproteínas e das membranas celulares por um
processo passivo independente de ABCA-1 e também são
excelentes substratos para a ação da LCAT, que esterifica o
colesterol. Esse processo tende a formar partículas esféricas
de núcleo lipídico, contendo principalmente ésteres de
colesterol (Figura 1). O maior número de partículas de
HDL esféricas encontradas no plasma pode ser explicado
em função da relação entre a eficiência de esterificação da
LCAT e o tempo de permanência da HDL na circulação(4).
A remoção das HDL do plasma se dá por processo
complexo. A maioria dos constituintes é removida separadamente
e apenas uma fração da HDL é metabolizada como
Figura 1 – Principais vias do transporte reverso do colesterol e metabolismo da HDL
partícula intacta(2). Por exemplo, os ésteres de colesterol são
transferidos para as VLDL e LDL, por ação da CETP, ou são
seletivamente captados pelo fígado, em um processo dependente
de receptores ligantes de HDL, sendo o principal deles
o SR-B1(87). Os triacilgliceróis e fosfolipídios são removidos por
hidrólises catalisadas por lipases, entre as quais lipase hepática
(LH), lipase endotelial e fosfolipase A2
. A apoA-I da HDL é
metabolizada independentemente, após sua dissociação da
partícula durante o processo metabólico. A apoA-I dissociada
pode ser tanto reutilizada na formação de uma nova partícula
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de HDL quanto excretada através dos rins. As HDL contendo
somente apoA-I são catabolisadas de forma mais rápida do
que aquelas contendo apoA-I e apoA-II(20).
O processo metabólico da HDL tem um papel importante
na composição, na forma, no tamanho e na carga
de superfície das partículas, sendo o responsável pela
heterogeneidade das HDL plasmáticas. O fenômeno de remodelamento
plasmático ocorre mais rapidamente do que
o tempo de permanência da HDL na circulação (três a cinco
dias), sendo o principal responsável pelo metabolismo dessa
fração lipoprotéica(8). Um dos resultados do remodelamento
das HDL por fatores como CETP, LH e PLTP é a formação
de apoA-1 pobre em lípides que pode ser reincorporada
na formação de novas partículas de HDL ou excretada na
urina. Uma vez formada, a apoA-I pobre em lípides captará
o colesterol celular através do ABCA-1, dando início à formação
de uma nova partícula de HDL(20). Assim, a geração
de apoA-I pobre em lípides é um fator determinante da
taxa de efluxo do colesterol celular (Figura 1).
Catabolismo das apolipoproteínas
O mecanismo de remoção da circulação das proteínas
presente na HDL é bem menos compreendido do que
aquele que ocorre com os lipídios associados à partícula. O
principal mecanismo de retirada dessas apolipoproteínas é
a captação via receptores presentes no fígado e rins, assim
como na placenta e no saco amniótico durante a gravidez.
Pequenas partículas de HDL de tamanho menor que 8nm
e apoA-I livre de lipídios são filtradas pelos glomérulos
renais e posteriormente reabsorvidas no túbulo contorcido
proximal(2, 89).
A cubilina, receptor do fator intrínseco/vitamina B12, foi
recentemente identificada com receptora de apoA-I da HDL
em células epiteliais do túbulo contorcido proximal renal
e do saco amniótico(5, 21, 50). Em indivíduos nos quais essa
proteína encontra-se deficiente, há aumento da excreção de
apoA-I na urina. Apesar disso, a cubilina não possui domínio
transmembrânico e não poderia mediar a internalização de
ligantes sem o auxílio de co-receptores. Portanto, a megalina,
um membro da família do gene do receptor da LDL,
tem sido indicada como responsável por esse papel nos rins
e na placenta(22). Após internalização, os ligantes da cubilina
(HDL, apoA-I e complexo fator intrínseco/vitamina B12) são
degradados por lisossomos endógenos. Portanto, é improvável
que a apoA-I captada pelas células renais retorne ao
compartimento plasmático e que somente a cubilina seja
fator determinante na concentração da HDL plasmática.
As HDL que contêm apoE constituem a minoria das
partículas de HDL e são internalizadas pelo fígado via receptores
de LDL. Também existem evidências da presença
de receptores hepáticos de HDL não contendo apoE. Alguns
estudos têm identificado sítios de ligação para HDL
de diferentes tamanhos em células hepáticas, os quais são
candidatos a mediadores da captação da partícula de HDL
como um todo(4). Estudos morfológicos também têm fornecido
evidência da ligação e endocitose da HDL no fígado.
Também alguns autores têm demonstrado ressecreção de
HDL que tinha sido internalizada por células hepáticas(20).
Interessantemente, ligação hepática, captação, degradação
e ressecreção de HDL estão alteradas em camundongos
homozigóticos deficientes em leptina(38). Esses animais
possuem níveis plasmáticos elevados de HDL, devido ao
catabolismo mais lento dessa partícula. Tall et al.
(85) sugerem
a presença de um receptor hepático para HDL regulado
pela leptina, o qual regula os níveis de HDL mediando a
captação da partícula pelas células hepáticas.
Funções fisiológicas
Transporte reverso do colesterol
O transporte reverso do colesterol é a via pela qual o colesterol
nos tecidos periféricos é transferido através do plasma
para o fígado. Este também pode ser reciclado ou excretado
na bile e/ou utilizado como arcabouço para produção de
hormônios, respectivamente. Para isso são necessários: 1)
a transferência de fosfolipídios e colesterol de membranas
celulares para partículas lipoprotéicas ricas em proteínas
e pobres em lipídios, através do espaço extracelular por
processo dependente de ABCA-1 que resulta na formação
das HDL discoidais(27, 57, 88); 2) a esterificação do colesterol
mediada pela LCAT da HDL discoidal, transformando-a em
partícula esférica; 3) a interação das HDL esféricas com a
proteína transportadora de colesterol éster (CETP), que transfere
o conteúdo de ésteres de colesterol (EC), ou parte dele,
para VLDL e seus remanescentes; e 4) a recirculação do EC
para o fígado, tanto pela remoção de β-VLDL por meio dos
receptores da lipoproteína de baixa densidade quanto pela
remoção de partículas de HDL pelos receptores da família
SR-BI, que removem seletivamente os EC das partículas de
HDL e também de LDL para os hepatócitos e células produtoras
de hormônios esteroidais, sem internalizar as proteínas
da HDL, os fosfolipídios e as apolipoproteínas(20).
Embora os mecanismos nos quais ocorre dissociação de
lipídios e lipoproteínas e incorporação dos EC nas membraLima,
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nas plasmáticas não estejam ainda totalmente elucidados,
acredita-se que exista a formação de um canal hidrofóbico
por onde o colesterol da HDL se difunde para a membrana
plasmática. O processo realizado pelos receptores da família
do receptor de LDL (LDL-r) ou scavengers classe A é diferente,
ou seja, acontece a internalização das lipoproteínas via endossomos,
seguida da fusão com lisossomos para degrada-
ção das partículas lipoprotéicas. É importante enfatizar que
o TRC é realizado por um conjunto de partículas efetoras
como apoproteínas, lipídios, proteínas de transferência,
enzimas, entre outras, associadas ou não a HDL e suas subclasses,
sendo esse um grande desafio para a lipidologia:
entender como a relação influxo/efluxo do colesterol pode
ser modulada para prevenir a aterosclerose(88).
Ação antioxidante
A oxidação da LDL é considerada o principal evento de
iniciação do desenvolvimento da aterosclerose(13, 28, 37, 83, 95).
A LDL oxidada (LDL-ox) age como fator quimiotático para
monócitos que, transformados em macrófagos túrgidos
com lipídios (células espumosas), exercem efeitos citotó-
xicos sobre as células endoteliais, aumentando a ativação
de plaquetas, estimulando a migração e a proliferação de
células musculares lisas (SMC) e antagonizando os efeitos
vasodilatadores do óxido nítrico(13). Diversos autores têm
mostrado que a HDL reduz significativamente as modifica-
ções oxidativas da LDL(20, 31, 42, 45, 46).
A HDL pode inibir a oxidação da LDL quando causada
por íons de metais de transição e prevenir a formação de
peróxidos lipídicos pela 12-lipoxigenase(20, 26, 31, 42, 45, 46, 74, 79).
A Figura 2 mostra o resultado de um experimento clássico
ilustrando esse efeito. Nele a HDL foi capaz de inibir a
oxidação da LDL induzida por sulfato de cobre (CuSO4).
A HDL também adquire alguns produtos de oxidação da
LDL como, por exemplo, lisofosfatidilcolina e peróxidos
lipídicos, transportando-os até o fígado, onde serão metabolizados(26).
A inibição da oxidação da LDL pela HDL
é comumente atribuída ao seu conteúdo de antioxidante
(α-tocoferol, licopeno, estrógenos)(6, 61, 62), às propriedades
antioxidantes da apoA-I e apoA-II e, principalmente, devido
à presença de paraoxonase, uma enzima que catalisa
a hidrólise de ácidos carboxílicos aromáticos e compostos
organofosforados(10, 12, 44, 63, 78, 93).
A paraoxonase também catalisa a quebra de fosfolipí-
dios oxidados na LDL, os quais estimulam a produção de
citocinas e induzem a adesão de monócitos na superfície
de células endoteliais(93). Além disso, diminui o conteúdo de
peróxidos lipídicos em artérias coronárias humanas e lesões
da carótida(18). Em animais susceptíveis à aterosclerose,
como camundongos deficientes em apoE ou receptores de
LDL, altos níveis de marcadores de oxidação estão acompanhados
da diminuição da atividade da paraoxonase(78). Tal
diminuição também foi observada em animais submetidos
a uma dieta aterogênica e em pacientes diabéticos com
níveis elevados de hemoglobina glicada(71). Por outro lado, a
expressão da apoA-I humana em camundongos aumentou
a atividade da paraoxonase(78). Além disso, diversos estudos
genéticos têm confirmado a importância da paraoxonase
na inibição do desenvolvimento da aterosclerose. Existem
três genes identificados que codificam enzimas com atividade
paraoxonase: PON1, PON2 e PON3. O polimorfismo
localizado na posição 192 da PON1 é um importante determinante
da atividade dessa enzima(41). A isoforma-A que
possui glutamina nessa posição tem atividade oito vezes
mais baixa que a isoforma-B que possui arginina. Além disso,
diversos estudos têm mostrado o aumento do risco de DAC
em indivíduos com baixa atividade de paraoxonase(43).
Estímulo da produção de óxido nítrico
O endotélio vascular tem papel crucial no aparecimento
e no desenvolvimento da aterosclerose. Fatores
importantes da disfunção endotelial são a diminuição da
biodisponibilidade do NO e o aumento da afinidade do
endotélio a leucócitos que estão associados aos eventos
iniciais do processo aterogênico(2, 11, 23). Diversos estudos
in vivo têm mostrado efeitos benéficos da HDL na função
endotelial (34, 40, 48, 56, 67, 97). Por exemplo, a correlação negativa
entre vasodilatação dependente de NO e níveis plasmáticos
de HDL tem sido descrita, assim como a melhora da função
endotelial na hipercolesterolemia humana após infusão de
Figura 2 – Ação antioxidante in vitro da HDL. Em tubos de ensaio uma solução de LDL
(0,25mg de proteína/ml) foi incubada isoladamente, após adição de 1mM de CuSO4
ou
com uma solução de HDL (1mg de proteína/ml) por uma hora a 37°C. Em seguida foi
realizado teste das substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARs) com o objetivo
de mensurar produtos da oxidação de lipídios presentes nas lipoproteínas. *Diferente
da LDL incubada somente com CuSO4, (p < 0,05, teste t)
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partículas de HDL(81). Recentemente foi demonstrado que
HDL é um fator autônomo de proteção para o endotélio,
induzindo a ativação da NO sintase, a liberação de NO e o
efeito de vasorrelaxamento(67).
Os efeitos protetores da HDL à função endotelial estão
associados a sua ligação com os receptores SR-B1 e podem
estar relacionados a substâncias reguladoras presentes
na composição da partícula de HDL. Esses efeitos seriam
mediados por uma proteinoquinase, a qual pode ser ativada
após a ligação da HDL com os receptores SR-B1 e a
conseqüente interação de lisoesfingolipídios presentes na
HDL com genes receptores de diferenciação presentes na
membrana da célula endotelial(49, 67).
Inibição da expressão de moléculas de adesão e
ativação de leucócitos
As partículas de HDL interferem em várias das inúmeras
funções secretoras das células endoteliais. A prostaglandina
(PGI2
), produzida nas células endoteliais por ação das ciclooxigenases
(COX-2), tem alta atividade vasorrelaxante, inibe
a ativação plaquetária e diminui a liberação de fatores de
crescimento que agem estimulando a proliferação local das
células musculares lisas(14). A HDL, em concentrações fisiológicas,
estimula a produção de PGI2. O efeito estimulante
depende de dois fatores: o suprimento de ácido araquidônico
para as células endoteliais, a partir das partículas de HDL,
e a indução da síntese de COX-2, que é a principal via de
produção de prostanóides pelas células endoteliais(64).
A HDL também demonstra ter importante papel na
modulação da síntese do peptídeo C natriurético (CNP),
o qual causa vasodilatação, inibe a proliferação das SMC e
da secreção de endotelina-1. A placa aterosclerótica sofre
forte influência dos tipos celulares nela contidos. Tem sido
relatado que a adesão de leucócitos às células endoteliais
e sua interação com as SMC possuem papel crucial
no desenvolvimento da placa aterosclerótica. A adesão
celular é mediada por moléculas de adesão presentes na
superfície das células do endotélio vascular, representadas,
basicamente, pelas moléculas de adesão vascular VCAM-1,
ICAM-1 e pelas selectinas P, L e E. O processo de adesão
dos leucócitos ao endotélio é chamado de marginação,
seguido pela fase de ativação da ligação ao endotélio e
finalmente à fase de migração, em que os leucócitos tornam-se
aptos a migrar através dos tecidos. Essas moléculas
de adesão (necessárias para a aderência dos leucócitos às
células endoteliais), principalmente VCAM-1, ICAM-1 e
selectina-E, estão abundantemente presentes nas placas
ateroscleróticas(33). Cybulsky et al.
(16) observaram pela primeira
vez o aumento da expressão de VCAM-1 em animais
hipercolesterolêmicos, tanto devido à indução por dietas
hipercolesterolêmicas quanto pela deficiência do LDL-r. A
expressão de moléculas de adesão é induzida por citocinas
(IL-1 e TNF-α), que são liberadas por células ativadas, por
lisofosfatidilcolina presente em LDL oxidada e por produtos
de lipólise. A modulação da HDL sobre as moléculas de adesão,
especialmente a VCAM-1 pode ser dependente da sua
composição fosfolipídica, aspecto verificado em partículas
reconstituídas após depleção de fosfolipídios(16). Mesmo
após a remoção das partículas de HDL das culturas celulares,
o efeito inibitório permanece, excluindo então o efeito per se
de moléculas antioxidantes presentes nessas partículas. Esse
fenômeno parece estar relacionado à indução de fatores de
transcrição nuclear (ex.: NF-κB), visto que a HDL não inibe
translocação nuclear, ligação com seqüências específicas
do DNA e degradação ou síntese do NF-κB.
Apesar de todas essas evidências, o papel da HDL na
indução da supressão de moléculas de adesão para prevenir
a aterosclerose é ainda uma questão importante para
debate.
Regulação do processo de coagulação e
fibrinólise
Estudos epidemiológicos têm demonstrado a associação
de coagulação e fibrinólise com doença arterial coronariana
(DAC)(86). O estudo sobre doença cardíaca de NorthwickPark
demonstrou que a ação pró-coagulante do fator VII,
fator dependente de vitamina K, é um potente preditor da
mortalidade por DAC(58). Altos níveis do inibidor tipo I do
ativador do plasminogênio (PAI-I) também estão associados
ao aumento do risco de eventos cardiovasculares(36). Tais
achados sugerem que o desequilíbrio entre a coagulação
e a fibrinólise pode conduzir à aterosclerose.
A ativação dos fatores da coagulação é seguida pela
produção da tenase extrínseca (complexo formado por fator
tecidual, fator VIIa, fosfolipídios e íons cálcio) e protrombinase
(complexo de fatores da coagulação como Va, Xa, II, fosfolipídeos
e íons cálcio). Essas ativações são moduladas pelas
partículas de HDL. Diferente das lipoproteínas aterogênicas,
como LDL e VLDL, as quais estimulam a secreção de TF e a
ativação da tenase extrínseca, a HDL per se não estimula a
secreção de TF a partir de células endoteliais e monócitos,
sendo a síntese de TF estimulada pela VLDL e inibida pela
HDL(55). Estudos recentes demonstraram que a atividade
inibitória da HDL sobre a ativação desses fatores deve-se à
presença do fator de inibição tecidual (TPFI) presente nessa
lipoproteína(17). Moyer et al.
(51) demonstraram que, embora
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a trombina seja gerada na superfície das partículas da HDL,
esse processo é 20 vezes menos expressivo do que quando
ela é gerada na superfície das partículas de lipoproteínas
ricas em triglicérides (TG). Verificou-se também aumento da
atividade da protrombinase em dislipidemias onde há maior
concentração de lipoproteínas ricas em TG e diminuição
da HDL plasmática(51).
A partícula de HDL também tem efeito anticoagulante
através do estímulo da proteína C ativada (APC), que tem
importante papel na inativação proteolítica dos fatores Va
e VIIIa da coagulação. O aumento da atividade da APC é
ainda maior devido ao estímulo da proteína S pela HDL,
ou seja, há um efeito anticoagulante sinérgico entre as
proteínas C e S. Essa característica anticoagulante da HDL
é devida à presença de anticoagulantes naturais, como
cardiolipina e fosfatidiletanolamina. A HDL parece, a priori,
participar também do processo de fibrinólise, pois, embora
a secreção do PAI-1 esteja aumentada (aumento da secre-
ção pelas células endoteliais) tanto na hipercolesterolemia
quanto na hipertrigliceridemia, a concentração da HDL
plasmática é inversamente proporcional às concentrações
de PAI-1 e do ativador tecidual de plasminogênio (Tpa).
Essa associação pode refletir o efeito in vitro inibitório da
HDL na secreção dos fatores PAI-1 e tPA pelo endotélio(15).
A modulação do processo de coagulação e de fibrinólise
pela HDL é acompanhada da inibição da secreção de citocinas,
TNF-α e IL-1 que aumentam tanto a coagulação
quanto a fibrinólise.
Inibição da ativação plaquetária
A HDL baixa é preditor independente da formação aguda
de trombo dependente da ativação plaquetária(15). Estudos
in vitro demonstraram que, na presença ou na ausência de
plasma rico em plaquetas ou apenas em plaquetas isoladas,
a HDL inibe a ligação do fibrinogênio induzida por trombina
na superfície plaquetária. A HDL inibe ainda a trombina e a
formação de ADP devido ao estímulo à secreção de grânulos
alfa e grânulos densos nas plaquetas(53).
Em estudos utilizando inibidores da NO sintase, obteve-se
diminuição da capacidade inibitória da agregação
plaquetária pela HDL. Por outro lado, a presença de precursores
de NO aumenta a capacidade inibitória da HDL sob a
ativação plaquetária. A inibição da agregação plaquetária
é devida, provavelmente, à indução da síntese de óxido
nítrico (NO) pela apoE presente nessas lipoproteínas(70).
Por outro lado, a maior parte dos estudos que avaliaram
o fenômeno inibitório da ativação plaquetária utilizou
partículas de HDL derivadas de pacientes deficientes em
apo E(24, 69). Verificou-se também que, após incubação da
HDL com plaquetas, há presença de um substrato (proteína
fosforilada com peso molecular de 43kDa) para a proteinoquinase
C(52).
A ativação da proteinoquinase C pela HDL induz o
antiporte sódio-próton (H+) que gera a alcalinização do
compartimento citoplasmático, impedindo a liberação de
cálcio (Ca2+) a partir de organelas intracelulares armazenadoras.
Esse desfecho, por sua vez, conduz à inibição da
ativação plaquetária. Ainda, a ativação da proteinoquinase
C inibe a fosfolipase C específica para fosfatidilinositol
(PI-PLC). A inativação da PI-PLC cessa a liberação de inositol
1,4,5-trifosfato e de Ca2+ intracelular, assim como a
produção de diacilglicerol (DAG), o qual também ativa a
proteinoquinase C(29). Não se sabe ainda por certo como
a HDL ativa a proteinoquinase C, porém essa ativação é
importante para a inibição da ativação plaquetária(54).
Vários autores demonstraram sítios de ligação para
HDL na superfície de plaquetas, embora ainda não exista
concordância entre o número e o tipo de afinidade desses
receptores. O resultado pode ser devido à heterogeneidade
das partículas de HDL ou ainda às incorretas interpretação
e comparação entre os diversos tipos de experimentos
realizados para verificar a capacidade de ligação da HDL
com esses sítios de ligação. Koller et al.
(29) verificaram que a
proteína de ligação para a HDL na superfície de plaquetas
é idêntica à glicoproteína IIb/IIIa (GP IIb/IIIa), apesar de
existirem divergências. Os receptores da família CD36 podem
ser os receptores para as HDL nas plaquetas. O CD36
está intensamente presente na superfície das plaquetas
e pode tanto ligar a HDL quanto outras lipoproteínas(54).
Embora exista pouca informação sobre os efeitos da HDL
na função plaquetária in vivo, os resultados obtidos in vitro
são bastante convincentes e importantes para o desenho
e o direcionamento de novos estudos.
Conclusões e perspectivas
A dinâmica do metabolismo das lipoproteínas tem sido
enfatizada nas últimas décadas como importante fator de
risco cardiovascular. O conhecimento adquirido sobre a HDL
e o seu papel protetor é fundamental para a otimização das
estratégias terapêuticas hoje utilizadas no tratamento das
alterações metabólicas passíveis de aumentar o risco de
doença cardiovascular.
Inúmeras pesquisas têm demonstrado que algumas
propriedades funcionais da HDL podem participar em
diversos aspectos da sua atividade biológica: 1) função
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(ex.: plaquetas, fator X, proteínas C e S); 5) proliferação de
células endoteliais e musculares lisas. Esse mosaico de ações
pode resultar em efeitos antiinflamatórios, antioxidantes e
anticoagulantes que, no conjunto, resultariam em proteção
contra o desenvolvimento da aterosclerose. Por outro lado,
um dos aspectos mais intrigantes que se apresenta na prá-
tica cardiológica é a constatação de eventos coronarianos
em pacientes, de ambos os sexos, portadores de HDL em
concentrações aceitas como protetoras. Nesse caso, quais
seriam as causas da não-proteção? Haveria perda da eficiência
da HDL, ou seu papel seria sobrepujado por outros
fatores de risco genéticos ou adquiridos? São questões que
deverão ser esclarecidas no futuro.
Continua, então, a busca por moléculas que possam
atuar na elevação da concentração da HDL plasmática isoladamente
baixa. Existem prováveis sítios de ação para efeitos
de novos fármacos: 1) aumento na produção de apoA-I; 2)
aumento da taxa de maturação da HDL; 3) diminuição do
catabolismo da HDL, atuando em receptores SR-B1 hepáticos
ou na CETP, sendo que neste último os dados ainda são controversos;
4) aumento da atividade de LCAT; e 5) diminuição
da atividade da lipase hepática. Portanto, as investigações
dirigidas às ações da HDL, na área experimental ou clínica,
constituem ainda campo fértil a ser explorado.
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