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Medicamentos e saúde pública em tempos de AIDS: metamorfoses de uma política dependente

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Por:   •  24/10/2014  •  Trabalho acadêmico  •  2.763 Palavras (12 Páginas)  •  326 Visualizações

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Medicamentos e saúde pública em tempos de AIDS: metamorfoses de uma política dependente

Drugs, health policy and AIDS: changes in a dependent policy

Maria Andréa Loyola 1

1 Instituto de Medicina Social, UERJ. Rua São Francisco Xavier 524, Bloco D, 7º andar, Maracanã. 20550-900 Rio de Janeiro RJ. andrea.loyola@terra.com.br

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REVISÃO REVIEW

Abstract Since the 1970s the Brazilian govern- ment has made efforts to implement a pharma- ceutical policy that, in spite of a market predom- inantly oligopolized and dominated by multina- tional pharmaceutical industries, guarantees ac- cess to essential drugs for the population. In this context, in 1999, a law regarding generics was approved. This article aims at analyzing the ele- ments that interfered in the implementation pro- cess of this law. Based on specialized bibliography, on the debate in the Brazilian press (1992-2002) and on interviews with industry members, phy- sicians, politicians, activists and civil servants we try to show that the implementation of generics in Brazil is strongly related to the AIDS epidemic. More precisely, it is related to the successful health policy against this disease involving different ac- tors and a variety of elements to be analyzed here, among them the policy of copycat versions of drugs, the law of universal access to anti-AIDS drugs, the struggle of organized social movements, the governmental bureaucracy implemented for fight- ing this epidemic and the strong mobilization of the media. Key words Pharmaceutical policy, Generic drugs, AIDS, Public health, Pharmaceutical industry, Patents

Resumo Desde os anos 1970, o Brasil vem ten- tando pôr em prática uma política de medica- mentos que, apesar do mercado predominante- mente oligopolizado e dominado pelas empresas farmacêuticas multinacionais, garanta à popu- lação o acesso a medicamentos essenciais. Foi nesse contexto que se deu a aprovação da lei de medicamentos genéricos, em 1999. O objetivo deste trabalho é analisar os elementos que inter- feriram no processo de implantação dessa lei. Com base na bibliografia especializada, na análise dos debates publicados em jornais brasileiros (1990 a 2002) e em entrevistas realizadas com mem- bros da indústria, bem como com médicos, polí- ticos, ativistas e funcionários públicos, procura- se mostrar que a efetiva implantação dos genéri- cos no Brasil está fortemente relacionada ao ad- vento da AIDS. Mais precisamente, à implanta- ção de uma política bem-sucedida de saúde pú- blica no combate a essa doença, envolvendo a ação de diferentes atores e a combinação de di- versos elementos também analisados neste arti- go, tais como a política de cópia industrial de medicamentos, a lei de acesso universal aos me- dicamentos anti-AIDS, o movimento de luta con- tra a AIDS, a burocracia governamental consti- tuída na luta contra essa epidemia e a forte mo- bilização da mídia. Palavras-chave Política de medicamentos, Ge- néricos, AIDS, Saúde pública, Indústria de me- dicamentos, Patentes

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Loyola, M. A.

Introdução

Desde os anos 1960, em diferentes momentos e em diferentes governos, o Brasil vem elaboran- do e tentando por em prática uma política de medicamentos que, num mercado predominan- temente oligopolizado e dominado pelas empre- sas farmacêuticas multinacionais, garanta o aces- so aos medicamentos essenciais à preservação do estado de saúde de sua população, do qual uma grande parte encontrava-se e encontra-se ainda excluída. Uma das últimas tentativas nesse senti- do foi a promulgação da lei n° 9.787 de 1999, que estabelece as bases legais para a implementação do medicamento genérico no país. A introdução dos genéricos no Brasil é con- comitante ao desenvolvimento de uma política pública de combate à AIDS, que se caracterizou por abordar não apenas os aspectos preventivos da transmissão da doença, mas também aqueles referentes ao tratamento. Mais do que isso, a essa política de controle da epidemia de AIDS, foram articulados programas industriais de cópia e pro- dução de medicamentos antiretrovirais (ARVs)1. Tais programas industriais apontam alterações nas relações históricas entre os setores nacionais e internacionais da indústria farmacêutica. Em- bora, para alguns, tal experiência deva ser vista como localizada, gostaria de propor, nesse arti- go, que a efetiva implantação dos genéricos no Brasil está fortemente relacionada ao advento da AIDS; mais precisamente, a uma política bem- sucedida que mobiliza mecanismos de enfrenta- mento da atuação perversa das multinacionais já construídos e utilizados no passado. Ela resulta, em grande parte, da vontade polí- tica de governantes e de atores sociais estrategi- camente colocados, que souberam empreender, mobilizar, conjugar e explorar, positivamente e numa mesma direção, uma série de ações e fato- res favoráveis, que serão aqui analisados. Uma parte desses atores, notadamente daqueles que atuaram no interior do Estado, ou diretamente associados à sua política, o fizeram no rescaldo do movimento sanitarista brasileiro e segundo uma orientação autonomista, mais precisamen- te, no sentido de contornar e de frear, ao menos em parte, os efeitos do modelo econômico neoli- beral; de abrir espaços para a indústria nacional ou de tornar o Brasil menos dependente da lógi- ca capitalista internacional na área de medica- mentos. A expressão vontade política é corrente- mente utilizada para designar o empenho de um governo para o sucesso (ou não) de uma políti- ca. Nesse texto, ela é usada para dar conta da

dimensão voluntária dos acontecimentos políti- cos em uma determinada conjuntura, quer dizer, quando as condições estruturais (econômicas, institucionais) e políticas (suporte social e políti- co) apresentam uma determinada configuração (favorável, desfavorável ou neutra) em relação aos fins almejados ou aos resultados obtidos. Essa noção distancia-se, portanto, de qualquer tipo de voluntarismo, mas associa-se à idéia de que a vontade política é, em parte, determinada, além de pela posição do indivíduo no campo em que atua, por sua história pessoal e por seu pro- jeto político individual e/ou coletivo. A análise aqui desenvolvida baseia-se em do- cumentos, artigos de jornais e na bibliografia es- pecializada. Baseia-se, sobretudo nos depoimen- tos, obtidos através de entrevistas gravadas de alguns profissionais que estão ou que estiveram direta ou indiretamente envolvidos com o pro- cesso de implantação dos medicamentos genéri- cos no país e, de forma especial,

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