Musicoterapia em cuidados paliativos
Por: lucaszengo • 17/9/2019 • Artigo • 4.277 Palavras (18 Páginas) • 286 Visualizações
MUSICOTERAPIA EM CUIDADOS PALIATIVOS: HUMANIZANDO O
PROCESSO DE TERMINALIDADE DA VIDA[1]
ZENGO, Lucas Victoy.[2]
RADAELLI, Patrícia Barth.[3]
“A arte é longa, a vida é breve”
(Hipócrates)
RESUMO
Este artigo busca promover a reflexão a respeito das práticas musicoterapêuticas em cuidados paliativos, com a finalidade de expor a humanização do processo de terminalidade da vida. Discute-se, primeiramente, sobre os conceitos de cuidados paliativos e as implicações práticas dessa abordagem. Em segunda análise, busca-se, por meio de uma breve exposição da história da música e musicoterapia, compreender os caminhos que a música percorre junto às práticas curativas e medicinais ao longo da história. Adiante, analisa-se especificamente o uso da musicoterapia em cuidados paliativos, incluindo não somente os pacientes, mas também os familiares e cuidadores à lógica biopsicossocial.
PALAVRAS-CHAVE: Musicoterapia, Cuidados Paliativos, Humanização, Terminalidade.
1. INTRODUÇÃO
No decorrer da vida, um único diagnóstico pode impactar negativamente todas as expectativas de uma pessoa, mudando de forma drástica sua perspectiva existencial, suas prioridades e necessidades. Na impossibilidade de mudar as consequências, tem-se a dor, o sofrimento e o medo da morte. Ainda, as relações familiares podem sofrer alterações substanciais que aumentam ainda mais o sentimento de desamparo do paciente.
Diante desse dilema, os cuidados paliativos buscam promover a qualidade de vida por meio do controle e alívio da dor, oferecendo uma assistência abrangente a pacientes e familiares. Para alcançar esses objetivos, várias abordagens terapêuticas podem ser incluídas a esses cuidados, como a musicoterapia, por exemplo.
O uso terapêutico da música remonta à antiguidade, no entanto, foi somente em meados do século XX que se tornou uma profissão e disciplina propriamente ditas, conciliando a arte, a ciência e a interpessoalidade, a fim de auxiliar na integração dos fatores psicológicos, espirituais e emocionais do indivíduo frente à enfermidade.
O presente artigo tem como objetivo promover a reflexão sobre o impacto positivo da musicoterapia nos cuidados paliativos e as implicações consequentes na vida dos familiares que acompanham o doente e na equipe de saúde durante o processo de terminalidade da vida. A investigação deu-se pelo viés da assistência integral à saúde do indivíduo, justamente por se entender a necessidade de tratar primeiramente o doente, e não somente a doença que o acomete.
Para isso, esta análise baseia-se, em sua primeira parte, nos estudos de Natalie Seki, Sandra Galheigo, Maria Júlia Kovács, dentre outros teóricos[4], que delineiam as concepções gerais dos cuidados paliativos. Soma-se, também, as reflexões de Clara Costa Oliveira e Ana Gomes sobre a inserção da musicoterapia ao longo da história. Além desses, serão tomados como referência, ainda, autoras como Lia Rejane Barcellos e Elizabeth Petersen, que especificam o uso da música em um processo de melhoria da qualidade de vida.
Por fim, entende-se que todas as artes contribuem para a maior de todas as artes, isto é, a arte de viver (BRECHT, 2003).
2. OS CUIDADOS PALIATIVOS E O PROCESSO ATIVO DE MORTE
Os cuidados paliativos representam uma abordagem que interpela o paciente não apenas em sua fisiopatologia específica, mas integra, para além disso, os aspectos psicossociais, espirituais e emocionais, por meio de uma equipe interdisciplinar e dos familiares que o acompanham. Por essas razões, o paliativismo faz parte da atenção integral à saúde, sendo necessário para lidar com sintomas antes negligenciados.
Inicialmente, os cuidados paliativos eram voltados aos indivíduos com câncer, e, em 1998, a Organização Mundial da Saúde relacionou o termo a um estágio final da assistência: "cuidados oferecidos por uma equipe interdisciplinar voltados para pacientes com doença em fase avançada, ativa, em progressão, cujo prognóstico é reservado e o foco da atenção é a qualidade de vida". No entanto, sabe-se que atualmente estes são oferecidos já no estágio inicial de doenças crônicas, que podem progredir e ameaçar a vida, tais como, doença de Parkinson, mal de Alzheimer, insuficiência cardíaca congestiva, doenças renais crônicas e, também, na atenção ao idoso (FIGUEIREDO; MACIEL, 2006). A partir disso, a definição mais recente da OMS estabelece que
cuidados paliativos é uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares frente a problemas associados à doença terminal, através da prevenção e alívio do sofrimento, identificando, avaliando e tratando a dor e outros problemas, físicos, psicossociais e espirituais (WHO, 2004).
De acordo com Kovács (1992, p. 14), o medo é a resposta psicológica mais comum diante da morte, tido como experiência universal, que independe da idade, nível socioeconômico, sexo e credo religioso dos indivíduos. Ademais, o sofrimento pode se agravar quando os profissionais da saúde lidam com o paciente de modo tecnicista, com descaso, distanciamento e frieza, negligenciando o ser biopsicossocial. Desse modo, é com frequência que, no ambiente hospitalar, as pessoas em estágio final de vida são isoladas dos demais pacientes, seja em quartos distantes ou, quando em quartos coletivos, separados por biombos, como se o moribundo incomodasse e houvesse a intenção de ocultá-lo (CARVALHO[5] e MERIGHI, 2004 apud SEKI e GALHEIGO, 2010, p. 274).
No cotidiano dos cuidados paliativos, é comum a equipe de saúde que lida diariamente com indivíduos muito enfermos apresentar exaustão emocional, estresse, insônia, abuso de álcool e outras substâncias, além de sintomas somáticos, pois se percebe que o sofrimento psíquico se iguala ao sofrimento físico (SILVA e HORTALE, 2006, p. 2059). Por conseguinte, há, também, uma mudança significativa nas relações afetivas entre os familiares, uma vez que questões, antes inexistentes, como perda do poder aquisitivo, preocupações financeiras, necessidade de manutenção dos tratamentos, incerteza sobre a capacidade de manter o emprego ou os estudos, tornam-se dilemas que alimentam a tensão familiar.
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