Por Bernardo Guimarães e Carlos Eduardo Soares Gonçalves, para o Valor 17/10/2008
Quando somos procurados para dar opiniões na imprensa sobre diferentes temas econômicos, não raramente os repórteres, após apresentar a questão ou tema de particular interesse, emendam: "Professor, para finalizar, nos diga como esta mudança na economia afeta a dona de casa que agora nos escuta?" Digo isso porque poucos minutos antes de começar a escrever este artigo, recebi um telefonema, não de um repórter, mas da minha mãe, uma representante clássica do grupo genericamente intitulado de donas de casa. Apavorada com o noticiário econômico, minha mãe, acreditando nos meus conhecimentos sobre teoria econômica, me perguntou o que iria acontecer com o mundo agora que as bolsas não param de cair e os bancos estão quebrando. Reproduzo abaixo um trecho da nossa conversa.
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Mãe: Filho, você viu que a Bolsa está caindo de novo hoje, quase 10%? O que está acontecendo?
Economista: Mãe, parei de olhar os índices diários, não vale a pena. O que está acontecendo é um pânico generalizado e uma enorme aversão ao risco porque as pessoas não sabem se há mais bancos em situação muito problemática. Assim, ninguém quer emprestar para ninguém mais - chamam isso de "empoçamento de liquidez". Além disso, tem gente tirando dinheiro dos bancos com medo de perder tudo.
Mãe: E onde isso tudo começou?
Economista: Alguns anos atrás, o Banco Central dos Estados Unidos, então presidido pelo Alan Greenspan, manteve os juros muito baixos por muito tempo. Muitas instituições financeiras, tendo então acesso a fontes de crédito barato, expandiram fortemente suas carteiras de empréstimos para pessoas com menor capacidade de repagar. Quando os juros voltaram a subir, muitos desses devedores - do chamado segmento subprime - não conseguiram honrar seus compromissos e deram o calote. Aí começou a coisa toda. Para piorar, os preços dos imóveis, que são a garantia dos bancos nesse tipo de empréstimo, começaram a cair.
Mãe: Mas como o problema se alastrou tanto?
Economista: Na verdade, nos EUA, e em menor escala na Europa, muitas instituições financeiras estavam muito alavancadas, e então uma faísca inicialmente localizada acabou gerando um verdadeiro incêndio.
Mãe: Como assim "alavancadas"?
Economista: É o seguinte: boa parte dos empréstimos das instituições financeiras é feita com dinheiro dos outros, ou seja, que não é dos acionistas da instituição e, sim, dos depositantes. Por conta disso, o incentivo natural delas é fazer empréstimos arriscados: se der uma bolada, a instituição ganha bastante; se não, ela repassa o problema para os depositantes, dizendo: "Não tenho como te pagar, quebrei." A razão entre os empréstimos totais e o capital dos acionistas das instituições financeiras é chamado de alavancagem. Quando ela é muito alta, a coisa fica perigosa, pois aí se dá um problema em alguns dos empréstimos e a instituição não tem como cobrir as perdas, dado que o capital próprio dela é pequeno em relação aos empréstimos totais.
Mãe: Mas quem deposita recursos nessas instituições não monitora o que essas fazem com o dinheiro, não as proíbe de arriscar demais?
Economista: Dificilmente, mãe, até porque, se os depositantes acharem que no caso de dar uma tremenda m... o governo sairá em socorro das instituições financeiras, eles não têm mesmo motivos para gastar tempo investigando.
Mãe: Então o governo deveria forçar essas instituições a não se alavancarem demais, certo?
Economista: Certíssimo, mas isso não foi feito nos EUA. Por lá, uma porção de instituições financeiras não está sob regulamentação do Banco Central. Os fundos de investimento, por exemplo, operavam em um tremendo vácuo de regulamentação. Muitos economistas nos EUA, alguns deles dentro do governo, achavam que regulamentar esses fundos prejudicaria a eficiência da economia, a capacidade dos mercados de diversificar riscos. Deu no que deu.
Mãe: Meu Deus, se a crise é tão séria, vou amanhã mesmo tirar meu dinheiro do banco. Eu bem que tinha ouvido uma história de que os fabricantes de cofres estão ganhando uma baita grana, com dificuldade para satisfazer o aumento na demanda. Na minha época o dinheiro ia para debaixo do colchão mesmo...
Economista: Não precisa fazer isso não, mãe. Os bancos no Brasil correm bem menos risco de quebrar. O grau de alavancagem aqui é bem mais baixo, a prudência é maior. Desta vez, nós somos o bom moço.
Mãe: E a tal da corrida bancária, me explica?
Economista: Quando você coloca dinheiro no banco, ele pega e empresta uma boa parte, uns 10% só ficam lá no caixa do banco. No balancete contábil do banco aparece, então, uma dívida de curto prazo, já que você pode teoricamente pintar por lá a qualquer hora e pedir os recursos de volta. Do outro lado, os empréstimos que ele faz usando seu dinheiro são em geral de prazos mais longos, às vezes de muitos anos. Os economistas dizem, então, que o banco transforma prazos: gera empréstimos de longo prazo a partir de dívida de curto. Em tempos de normalidade, isso não é um problema porque, como tem uma porção de gente com conta no banco, mesmo que alguns retirem toda sua grana, os 10% do volume total de depósitos que ficam no caixa são suficientes para fazer frente aos saques. Agora, se as pessoas começam a achar que muitos outros clientes vão lá sacar - expectativas nada absurdas em tempos de pânico extremo -, elas também vão correr para tirar seu dinheiro, com medo de ser as últimas da fila. Todo mundo querendo sacar, o banco quebra mesmo, pois ele só tem à vista, em caixa, 10% do total depositado - o resto, lembre, está emprestado. O que os governos no mundo desenvolvido estão buscando fazer oferecendo maiores garantias para os depositantes é justamente mostrar que o dinheiro deles não corre risco. Assim, evita-se a corrida, que só prejudica todo mundo. E, mãe, de novo, não precisa se preocupar com isso aqui no Brasil, não.
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