Resumo do Artigo Abrucio
Por: Olga Maria • 22/10/2015 • Resenha • 2.171 Palavras (9 Páginas) • 230 Visualizações
Trajetória recente da gestão pública brasileira:
um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas
Um balanço sobre o processo de reforma nos últimos 20 anos revela uma dupla
realidade. Por um lado, houve avanços e inovações, em alguns casos deixando
raízes mais profundas de modernização. Mas, por outro, constata-se
que os resultados foram desiguais e fragmentados para o conjunto do Estado,
afora alguns problemas não terem sido devidamente atacados. Separar o joio
do trigo desta trajetória reformista é o intuito deste artigo. Com base tanto
numa sintética reconstrução histórica quanto nos ideais recentes da nova gestão
pública, procura-se aqui ter um olhar crítico sobre o passado recente com
vistas à criação de uma agenda efetiva e de longo prazo em torno do tema da
gestão pública.
2. Da redemocratização ao governo Lula
O processo recente de reforma do Estado no Brasil começou com o fim do
período militar. Naquele momento, combinavam-se dois fenômenos: a crise do
regime autoritário e, sobretudo, a derrocada do modelo nacional-desenvolvimentista.
Entretanto, a principal preocupação dos atores políticos na redemocratização
foi tentar corrigir os erros cometidos pelos militares, dando pouca importância à necessidade de se construir um modelo de Estado capaz de enfrentar os novos desafios históricos. De fato, o regime autoritário foi pródigo em potencializar problemas históricos da administração pública brasileira, como o descontrole financeiro, a falta de responsabilização dos governantes e burocratas perante a sociedade, a politização indevida da burocracia nos estados e municípios, além da fragmentação excessiva das empresas públicas, com a perda de foco de atuação governamental.
Para combater o legado do regime militar, as mudanças mais profundas vieram com a Constituição de 1988. Os constituintes mexeram em várias questões atinentes à administração pública. Entre estas, três conjuntos de mudanças podem ser destacados:
_ em primeiro lugar, a democratização do Estado, que foi favorecida com o fortalecimento do controle externo da administração pública, com destaque, entre outras mudanças, para o novo papel conferido ao Ministério Público (MP).
_ a descentralização foi outra demanda construída nos anos de luta contra o autoritarismo e que ganhou enorme relevância na Constituição de 1988. Após 20 anos de centralismo político, financeiro e administrativo, o processo descentralizador abriu oportunidades para maior participação cidadã e para inovações no campo da gestão pública, levando em conta a realidade e as potencialidades locais.
_ propôs-se, ainda, completar a chamada reforma do serviço civil, por meio da profissionalização da burocracia. Nesta linha, houve ações importantes, como o princípio da seleção meritocrática e universal, consubstanciada pelo concurso público.
No que se refere à democratização do Estado, tome-se o exemplo dos tribunais de contas, particularmente os subnacionais, que pouco avançaram no controle dos governantes, quando não estiveram a eles vinculados de forma patrimonialista. A Constituição estabeleceu mecanismos de escolha dos Conselheiros que dificultam a sua autonomia, uma vez que o Executivo tem um enorme poder de interferir neste processo
(Arantes et al., 2005). No caso da descentralização, as dificuldades para potencializá-la foram muitas: houve uma multiplicação exagerada dos municípios, poucos incentivos
à cooperação intergovernamental foram estabelecidos, a questão metro RAP politana foi ignorada pela Constituição, além de o patrimonialismo local ter sobrevivido em boa parte do país. Acima de tudo, foi criado um federalismo compartimentalizado (Abrucio, 2005b), em que há mais uma atuação autarquizada dos níveis de governo do que o estabelecimento de laços entre eles. Como a descentralização em um país tão desigual como o Brasil dependeda articulação entre os entes federativos, a compartimentalização afeta diretamente (e de forma negativa) os resultados das políticas públicas.
Não obstante as qualidades das medidas em prol da profissionalização do serviço público previstas na Constituição de 1988, parte desta legislação resultou, na verdade, em aumento do corporativismo estatal, e não na produção de servidores do público, para lembrar a origem da palavra (Longo, 2007).
Foram criadas falsas isonomias (como a incorporação absurda de gratificações e benefícios) e legislações que tornaram a burocracia mais ensimesmada e distante da população — exemplo claro disso foi o direito irrestrito de greve, que prejudica basicamente os mais pobres. Ademais, estabeleceu-se um modelo equivocado da previdência pública, tornando-a inviável do ponto de vista atuarial e injusta pelo prisma social.
Após o interregno do governo Itamar, que chegou a produzir documentos com diagnósticos importantes sobre a situação da administração pública brasileira (principalmente o trabalho organizado por Andrade e Jaccoud, 1993), mas que não teve grande iniciativa reformista, a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso foi bastante ativa. Entre os seus pilares, estava a criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (Mare), comandado pelo ministro Bresser-Pereira. Sua plataforma foi erigida a partir de um diagnóstico que ressaltava, sobretudo, o que havia de mais negativo na Constituição de 1988 e apoiava-se fortemente no estudo e tentativa de aprendizado em relação à experiência internacional recente, marcada pela construção da nova gestão pública.
Bresser foi pioneiro em perceber que a administração pública mundial passava por grandes mudanças, também necessárias no Brasil, mas nem sempre ele soube traduzir politicamente tais transformações para as peculiaridades brasileiras. Este diagnóstico foi exposto de forma clara e profunda no livro Reforma do Estado para a cidadania (1998).
Vale ressaltar os principais avanços obtidos pela chamada reforma Bresser.
Em primeiro lugar, a maior mudança realizada foi, paradoxalmente, a continuação e o aperfeiçoamento da civil service reform, por mais que o discurso do Plano Diretor da Reforma do Estado se baseasse numa visão (erroneamente) etapista — com a reforma gerencial vindo depois da burocrática. Houve uma grande reorganização administrativa do governo federal, com destaque para a melhoria substancial das informações da administração pública — antes desorganizadas ou inexistentes — e o fortalecimento das carreiras de Estado. Um número importante de concursos foi realizado e a capacitação feita pela Enap, revitalizada. Em suma, o ideal meritocrático contido no chamado modelo weberiano não foi abandonado pelo Mare; ao contrário, foi aperfeiçoado.
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