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O Lobo de Wall

Por:   •  23/9/2021  •  Resenha  •  1.179 Palavras (5 Páginas)  •  155 Visualizações

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Há alguns anos, li uma reportagem interessante numa revista americana. Uma pesquisa perguntava se o cidadão queria ter sucesso na vida e, também, se achava que as pessoas bem-sucedidas tiveram de cometer atos antiéticos e até desonestos para estar aonde chegaram. A resposta para ambas era: sim. Mas, peraí, se você acha que quem é bem sucedido precisa ser antiético ou desonesto para sê-lo, e você quer ser bem-sucedido, você está disposto a ser antiético e desonesto, certo?

Trata-se de um caso clássico de narciso que acha feio o espelho mesmo, e não o que não é (desculpe-me, Caetano). E essa perguntinha chata do título foi a que fez nossa revista-prima francesa. Um dos artigos que se propôs respondê-la escolheu uma abordagem interessante. Citando a biografia do pintor Paul ­Gauguin, Martin Legros nos lembra que a noção de “antiético”, ou melhor, a percepção mais ou menos aguda do que é ser antiético dependerá não apenas do ato em si, mas também, e principalmente, das consequências do ato. Gauguin, lembra Legros, tinha 33 anos quando abandonou a família numa viagem a Copenhague, seguindo viagem a Paris, Arles, Rouen, até ir parar no Taiti. Lá, dedicou-se inteiramente à sua arte, tornando-se, por fim, o grande Gauguin.

Valores éticos em crise

Mas e se tudo não tivesse passado de uma imensa ideia de jerico? E se ele tivesse ido pro Taiti, dedicado-se inteiramente à sua arte e permanecido medíocre? Voltaria de mão abanando e rabo entre as pernas pra França, para se tornar o pequeno Gauguin, o canalha que abandonou sua família em nome de um surto de megalomania que não vingou.

Quem agora se lembrou da melhor cena do melhor filme de todos os tempos, do melhor cineasta que já existiu, acertou. Refiro-me à cena de Crimes e pecados (1989), de Woody Allen, em que o médico ­oftalmologista, Judah Rosenthal, consumido pela culpa, visita sua antiga casa e imagina um diálogo com sua família. Tia May tenta convencer o pai de Judah de que “nada está escrito em pedra”, de que “moral é para quem quer ter moral” e de que os nazistas foram condenados pela história somente porque perderam a guerra. Se tivessem vencido, seriam vistos de forma completamente diferente. De forma moralmente positiva. A não ser que você seja dessas pessoas que ainda acredita em coelhinho da páscoa, papai noel e campeonato brasileiro de futebol, terá de concordar com a sábia tia May.

Os fins justificam os meios

Nesse momento, vale esclarecer o sentido que a pergunta tem aqui. Seria pertinente algum leitor ponderar que “bem-sucedido” pode assumir várias formas, muitas delas dispensando que se pise em cabeças para se chegar aonde se quer. Sejamos claros: “bem-sucedido” aqui se refere a bens materiais e/ou carreira profissional. Ou seja, o “homem de ação” de Fernando Pessoa e o “homem extraordinário” de Dostoiévski.

No extremo, quase como uma caricatura, podemos citar nosso velho conhecido Gordon Gekko (“Greed is Good”), assim como nosso recém-apresentado Jordan Belfort, o lobo de Wall Street. A bolsa de valores é rica tanto como ficção, quanto realidade para ilustrar a tese de que o homem é o lobo do homem. O que se faz ali é dinheiro a partir de dinheiro. Não dinheiro a partir de trabalho. Um jogo, cujos participantes se dividem em tubarões, rêmoras e presas. As presas somos eu e você. Jogando ou não. Os tubarões se revezam. As rêmoras trocam de tubarão quando o seu próprio é devorado pelos demais.

Imagino que agora você está balançando a cabeça, concordando comigo, que somos coitadinhos devorados pelos tubarões capitalistas. Pois pare. Não somos coitadinhos. Somos incompetentes. Queríamos ser tubarões, mas não temos capacidade para isso. O máximo que conseguimos é puxar o tapete de nosso colega no concurso para professor de universidade. Ou na escolha para quem será promovido a gerente. Ou trapacear no banco imobiliário.

O perigo de apresentar esses exemplos extremos é esse. Como não somos assim, acionamos o mecanismo mental de autopreservação, autoelogio e autocomiseração. Esquecemos que não prestamos também. Por quê? Porque ninguém presta. A justiça é a conveniência do mais forte, já dizia o sábio Trasímaco para o pateta Sócrates.

Outro perigo de tais exemplos é imaginar que há apenas Gordons Gekkos e Jordans Belfortes no mundo sujo da bolsa. Hoje há algo muito pior. Algo que deixa os dois parecendo assaltantes de carrinho de picolé. Há máquinas. Espécie de robozinhos que operam o chamado High Frequency Trade

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