Mobilidade e Segregação Urbana
Por: camillacassie • 22/8/2018 • Trabalho acadêmico • 1.993 Palavras (8 Páginas) • 160 Visualizações
Mobilidade e Segregação Urbana
Camilla de Cássia Oliveira Silva*
Resumo
O trabalho pretende examinar, discutir e promover uma reflexão crítica sobre a relação entre as notícias e os textos apresentados no seminário de aprofundamentos dos quais os títulos são: Carrópolis, Let’s Talk About Garbage, Provo, Ressaca Urbana: Crivella anunciou um “banho de loja” na Rocinha – e a discussão sobre o Rio pós-olímpico recua dos grandes projetos aos pequenos reparos de fachada (Revista Piauí) e Porto Maravilha: permanências e mudanças. A análise será realizada através da correlação dos eventos apresentados nas notícias e textos com discussões urbanísticas e sociais em pauta atualmente, sendo elas, mobilidade urbana, desigualdade social, segregação, entre outras. A metodologia utilizada para o artigo foi de análise urbanística, junto a analogias, pesquisas, leituras de artigos científicos, publicações e livros. Em síntese, conclui-se ao longo deste trabalho que grande parte da mobilidade urbana e das intervenções aplicadas pelo poder público em muitas cidades brasileiras são segregacionistas e excludentes, além de privilegiar os automóveis frente aos indivíduos.
Introdução
O acelerado crescimento urbano que ocorreu no mundo com a revolução industrial e nas cidades brasileiras a partir da década de 50 foi acompanhado de rápidas e efetivas mudanças na mobilidade urbana. Aumentaram os números de automóveis motorizados nas ruas não só particulares como também veículos públicos, como vemos em Carrópolis. Sendo assim, o poder público começou a canalizar investimentos para viabilizar esse aumento no número de deslocamentos de maneira exclusiva sem viabilizar também ou conjuntamente outros modos de transporte que poderiam compartilhar as vias de tráfego. Isto acabou deixando principalmente a mobilidade a pé e em bicicleta desfavorecida, diminuindo a segurança e o espaço dos ciclistas e pedestres nas ruas, algo bastante evidenciado no texto de Provo e da principal pauta de lutas do movimento de contracultura holandês. Em decorrência, aumentaram-se as vias, estreitaram-se as calçadas, alongou-se a energia e o tempo de viagem na mobilidade e agravou-se a emissão de poluentes.
Além das intervenções urbanas e políticas de mobilidade, exemplificadas com o texto do Porto Maravilha, resoluções sobre o uso e ocupação do solo, muitas vezes sanitaristas e gentrificadoras, como as citadas no artigo da revista Piauí de Crivella nas favelas do Rio de Janeiro, foram cruciais para criar ou expandir a segregação espacial das camadas de renda mais baixa, aumentando assim o isolamento e a dificuldade de se encaixar à cidade, aos serviços públicos e ao trabalho.
- Desenvolvimento e Políticas de Mobilidade
Grande parte do processo de desenvolvimento urbano brasileiro, foi caracterizado pela ocupação irregular do território. A liberdade na localização, somada à falta de alternativa e ao custo do solo levou à ocupação de áreas proibidas, em topografia inadequada, e de áreas suburbanas distantes de equipamentos públicos/privados essenciais e de áreas com ofertas de empregos, aumentando muito a distância e o tempo de deslocamento. Consequentemente, este tipo de ocupação direcionou uma sobrecarga do sistema viário, lesando a circulação de mercadorias e indivíduos.
O processo de urbanização acentuada ocorreu principalmente entre a década de 50 e dos anos 2000. Período este que a população aumentou nas áreas metropolitanas e consequentemente o raio médio do espaço urbano aumento em média 80%, fazendo crescer as distâncias entre a área central e as zonas mais periféricas.
Evidentemente, podemos observar com base nos textos lidos, que o impacto das políticas públicas privilegiou claramente as classes mais abastadas, que correspondem a minoria dentre a população brasileira. A elaboração do espaço do automóvel foi na realidade a produção do espaço das classes médias, que para garantir sua formação econômica e social, utilizam os veículos privados de forma crescente. Uso que foi perseverantemente apoiado pelas iniciativas públicas no meio urbano, onde os responsáveis, em sua maioria, pertencem as esferas mais ricas. Consequentemente, acentua-se um processo de higienização de áreas centrais e populares, que começam a ser procuradas para investimentos de classe média e alta, aumentando a especulação imobiliária da área e o conforto para estas classes, entretanto, se expulsa as camadas mais pobres que não tem condições de se sustentar no local, as empurrando para as áreas cada vez mais periféricas e com menos serviços públicos.
A verdade é que o retorno aos centros pelas camadas médias não teve, nessas capitais, “vida longa”, talvez porque aqui as intervenções tenham sido feitas de modo muito artificializado e com uma prática muito distante do discurso, que sempre teve como mote uma devolução da área central a toda a população, retomando o seu uso tradicional de espaço público heterogêneo. Os visitantes, porém, acabaram por frequentar esses locais de forma descontínua e os antigos usuários (moradores e/ou trabalhadores) tiveram dificuldade de se manter nos centros gentrificados.
Nas ultimas décadas, esses processos têm incorporado a “cultura” como conteúdo diferenciador das várias experiências de revitalização. Assim, o patrimônio histórico, as tradições locais, a cultura popular e outros elementos transformaram-se em mercadoria altamente valorizada nos debates sobre revitalização, na busca de um diferencial naquilo que se acreditaria ser um mercado global de cidades (Botelho, 2006). O discurso sobre as práticas de conservação patrimoniais acabou sendo ressignificado e, assim, a preservação passou a ser pensada não para evitar o desaparecimento, mas para se conferir valor ao local, não pela ação de novas edificações, mas pelo agenciamento, por vezes cenográfico, das antigas (Rubino, 2009). Os projetos de revitalização urbana, então, foram diretamente relacionados à valorização e recuperação do patrimônio de valor histórico e cultural nas cidades.
O que se percebe nesses projetos contemporâneos de gentrificação é que, se no discurso, propõe-se a recuperação dos edifícios e das ruas, no sentido de devolver à população um espaço heterogêneo de sociabilidade, na prática o que se vê é a “expulsão”, simbólica ou não, do vernacular (para falar com Zukin, 2000). Esses projetos partem de uma concepção de mercado que implica uma gestão mista entre Estado e iniciativa privada na forma de intervir no patrimônio como mercadoria cultural, cuja lógica altera o sentido do lugar ao tomar o cidadão como consumidor, identificado pelo seu poder aquisitivo. Essa prática é, obviamente, segregatória. Como afirma Smith (2006, p. 73):
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