O Filme Terra em Tramse Traz o Personagem Felipe Vieira
Por: Mariana Albuquerque • 5/12/2019 • Pesquisas Acadêmicas • 670 Palavras (3 Páginas) • 303 Visualizações
O filme Terra em Tramse traz o personagem Felipe Vieira (José Lewgoy) como o representante da típica figura do político populista na América Latina, um sujeito conciliador de interesses antagônicos que encara as massas de maneira paternalista e cujo cerne da sua política reside em torno do panis et circenses, ou melhor, da política do pão e circo. Tal figura é apresentada por Glauber Rocha na cena 00:28:05-00:32:55 como um político emaranhado numa teia confusa de alianças políticas que, em momentos de acirramento da luta de classes, não hesita em trair parte de sua base eleitoral, mais especificamente os operários e camponeses, para atender às demandas dos seus financiadores de campanha, isto é, da alta burguesia industrial e dos latifundiários.
É inevitável estabelecer associações entre Vieira e João Goulart, afinal logo no início do filme, na cena 00:03:20-00:06:45, é abordado o fato do presidente estar sendo deposto por um golpe cívico-militar, algo muito similar ao que aconteceu com Goulart em 1964. Além disso, também é retratada nessa mesma cena a opção que Vieira fez, quando interpelado por Paulo (Jerdel Filho), a não resistir militarmente a ofensiva golpista com medo de iniciar uma “guerra sangrenta e fratricida” entre compatriotas, algo que também remete aos questionamentos de Lionel Brizola fez a João Goulart, na época do golpe, sobre o erro histórico que era aceitar pacificamente sua deposição pelos militares. No entanto, é importante salientar que a figura de Vieira não se limita a João Goulart, podendo ser vista características de outros políticos populistas, como aponta Stam (1976, p.177):
Vieira, por sua vez, apresenta uma síntese de diversos líderes populistas. Como João Goulart, ele é gaúcho e é deposto por um golpe de direita. Como Miguel Arraes, ele é um governador de província [...] eleito com o apoio dos estudantes e dos camponeses. A auto-descrição que faz do “self-made man” (“Eu vim de baixo com as mãos...) lembra Jânio Quadros, enquanto seu discurso de demissão (“A contradição das forças que regem a nossa vida”) ecoa a famosa carta de suicídio de Vargas denunciando conspirações internacionais.
O projeto populista, no qual Vieira e Goulart faziam parte, afirmava que era possível desenvolver as forças produtivas do país e combater a pauperização das massas populares mediante um pacto policlassista entre a burguesia nacional industrial, supostamente comprometida com os interesses nacionais, e os trabalhadores urbanos, sendo que para isso eram imprescindíveis uma política de substituição de importações e um modelo de industrialização baseado no mercado interno coordenado pelo Estado-nacional. No entanto, segundo Ruy Mauro Marini (1969, p.151), esse período harmônico em que a burguesia e o proletariado tinham interesses comuns que “conduziram ao reformismo e à política de colaboração de classes”, se esgotou quando “[...] o pronunciamento militar de 1964 assestou um golpe mortal na corrente reformista”.
O esgotamento do projeto populista observado por Marini, é encarnado na figura de Vieira e denunciado por Glauber Rocha, sobretudo na cena 1:30:15-1:32:20, num diálogo entre o político liberal-conservador Porfírio Diaz (Paulo Autran) e o magnata “anti-imperialista” da indústria brasileira Júlio Fuentes (Paulo Gracindo). Neste diálogo Diaz convence Fuentes, até então representante da burguesia nacional, a trair o governo populista de Vieira e associar-se ao capital-imperialista representado pela empresa transnacional Explint. Esse momento do filme evidencia a construção do que René Dreyfuss denominou de “bloco multinacional e associado”, a grande burguesia brasileira observando a pressão popular sobre o governo para aderir a uma radicalização política através de um conjunto de reformas que ameace a propriedade privada dos meios de produção, opta por um aprofundamento com o grande capital transnacional a fim de salvaguardar seus interesses de classe.
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