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A METAMORFOSE

Por:   •  1/3/2018  •  Resenha  •  1.793 Palavras (8 Páginas)  •  235 Visualizações

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METAMORFOSE

Franz Kafka

Sentiu uma leve comichão na barriga; arrastou-se lentamente sobre as costas, - mais para cima na cama, de modo a conseguir mexer mais facilmente a cabeça, identificou o local da comichão, que estava rodeado de uma série de pequenas manchas brancas cuja natureza não compreendeu no momento, e fez menção de tocar lá com uma perna, mas imediatamente a retirou, pois, ao seu contato, sentiu-se percorrido por um arrepio gelado. ... À medida que tudo isto lhe passava pela mente a toda a velocidade, sem ser capaz de resolver a deixar a cama - o despertador acabava de indicar quinze para as sete -, ouviram-se pancadas cautelosas na porta que ficava por detrás da cabeceira da cama. - Gregor - disse uma voz, que era a da mãe -, é um quarto para as sete. ... Gregor teve um choque ao ouvir a sua própria voz responder-lhe, inequivocamente a sua voz, é certo, mas com um horrível e persistente guincho chilreante como fundo sonoro, que apenas conservava a forma distinta das palavras no primeiro momento, após o que subia de tom, ecoando em torno delas, até destruir-lhes o sentido, de tal modo que não podia ter-se a certeza de tê-las ouvido corretamente. ... A sua intenção imediata era levantar-se silenciosamente sem ser incomodado, vestir-se e, sobretudo, tomar o breve almoço, e só depois estudar que mais havia a fazer, dado que na cama, bem o sabia, as suas meditações não levariam a qualquer conclusão sensata. ... Pensou que talvez conseguisse sair da cama deslocando em primeiro lugar a parte inferior do corpo, mas esta, que não tinha visto ainda e da qual não podia ter uma idéia nítida, revelou-se difícil de mover, tão lentamente se deslocava; quando, finalmente, quase enfurecido de contrariedade, reuniu todas as forças e deu um temerário impulso, tinha calculado mal a direção e embateu pesadamente na extremidade inferior da cama, revelando-lhe a dor aguda que sentiu ser provavelmente aquela, de momento, a parte mais sensível do corpo. ... Quando, após repetir os mesmos esforços, ficou novamente deitado na posição primitiva, suspirando, e viu as pequenas pernas a entrechocarem-se mais violentamente que nunca, se possível, não divisando processo de introduzir qualquer ordem naquela arbitrária confusão, repetiu a si próprio que era impossível ficar na cama e que o mais sensato era arriscar tudo pela menor esperança de libertar-se dela. ... Duas pessoas fortes - pensou no pai e na criada - seriam largamente suficientes; não teriam mais que meter-lhe os braços por baixo do dorso convexo, levantá-lo para fora da cama, curvarem-se com o fardo e em seguida ter a paciência de colocá-lo direito no chão, onde era de esperar que as pernas encontrassem então a função própria. ... Seria que todos os empregados em bloco não passavam de malandros, que não havia entre eles um único homem devotado e leal que, tendo uma manhã perdido uma hora de trabalho na firma ou coisa parecida, fosse tão atormentado pela consciência que perdesse a cabeça e ficasse realmente incapaz de levantar-se da cama? ... Eu sei, murmurou Gregor, de si para si; mas não ousou erguer a voz o suficiente para a irmã o ouvir. - Gregor - disse então o pai, do quarto à esquerda -, está aqui o chefe de escritório e quer saber porque é que não apanhou o primeiro trem. ... Com certeza não vai reparar na desarrumação do quarto. - Bom dia, Senhor Samsa -, saudava agora amistosamente o chefe de escritório. - Ele não está bem - disse a mãe ao visitante, ao mesmo tempo em que o pai falava ainda através da porta -, ele não está bem, senhor, pode acreditar. ... E tenho a certeza de que ele não está bem, embora ele não o reconhecesse esta manhã. - Já vou - disse Gregor, lenta e cuidadosamente, não se mexendo um centímetro, com receio de perder uma só palavra da conversa. - Não imagino qualquer outra explicação, minha senhora - disse o chefe de escritório. - Espero que não seja nada de grave. Embora, por outro lado, deva dizer que nós, homens de negócios, feliz ou infelizmente, temos muitas vezes de ignorar, pura e simplesmente, qualquer ligeira indisposição, visto que é preciso olhar pelo negócio. - Bem, o chefe de escritório pode entrar? - perguntou impacientemente o pai de Gregor, tornando a bater à porta. - Não - disse Gregor. ... Por ele não se levantar e não abrir a porta ao chefe de escritório, por ele estar em perigo de perder o emprego e porque o patrão havia de começar outra vez atrás dos pais para eles pagarem as velhas dívidas? ... Desde há algum tempo que o seu trabalho deixa muito a desejar; esta época do ano não é ideal para uma subida do negócio, claro, admitamos isso, mas, uma época do ano para não fazer negócio absolutamente nenhum, essa não existe, Senhor Samsa, não pode existir. - Mas, senhor - gritou Gregor, fora de si e, na sua agitação, esquecendo todo o resto -, vou abrir a porta agora mesmo. ... Ao mesmo tempo em que tudo isto lhe saía tão desordenadamente de jacto que Gregor mal sabia o que estava a dizer, havia chegado facilmente à cômoda, talvez devido à prática que tinha tido na cama, e tentava agora erguer-se em pé, socorrendo-se dela. ... Isto devolveu-lhe o controlo sobre si mesmo e parou de falar, porque agora podia prestar atenção ao que o chefe de escritório estava a dizer. - Perceberam uma única palavra? - perguntava o chefe de escritório. - Com certeza não está a tentar fazer de nós parvos? - Oh, meu Deus - exclamou a mãe, lavada em lágrimas -, talvez ele esteja terrivelmente doente e estejamos a atormentá-lo. ... Infelizmente, parecia que não possuía quaisquer dentes - com que havia de segurar a chave?-, mas, por outro lado, as mandíbulas eram indubitavelmente fortes; com a sua ajuda, conseguiu pôr a chave em movimento, sem prestar atenção ao fato de estar certamente a danificá-las em qualquer zona, visto que lhe saía da boca um fluído castanho, que escorria pela chave e pingava para o chão. - Ouçam só - disse o chefe de escritório na sala contígua - esta dando volta na chave . ... Estava ainda empenhado nesta operação, sem ter tempo para observar qualquer outra coisa,

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