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ABORTO É UMA QUESTÃO DE EMPATIA, NÃO DE OPINIÃO

Por:   •  22/5/2019  •  Trabalho acadêmico  •  2.736 Palavras (11 Páginas)  •  201 Visualizações

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ABORTO É UMA QUESTÃO DE EMPATIA, NÃO DE OPINIÃO

Flávia Priess De Bastiani[1]

Atualmente, o direito das mulheres de praticar um aborto de forma legal até a 12ª semana de gravidez é um dos temas que mais divide conservadores e progressistas no país. Grande parte da população decide se posicionar contra ou a favor do ato, entretanto, nessa mistura de opiniões e “achismos” sobre criminalizar ou legalizar o aborto, as pessoas esquecem do fundamental: a saúde da mulher.

Diante desse tema, é preciso saber diferenciar a legalização da descriminalização. De acordo com Marco Aurélio Florêncio Filho, professor de direito penal da Universidade Mackenzie, de São Paulo, na legalização, todas as possíveis sanções são eliminadas, enquanto na descriminalização o ato deixa de ser ilícito apenas do ponto de vista penal. Ou seja, ainda pode haver punições administrativas. A pessoa não é presa, mas pode pagar multas, prestar serviços à comunidade ou frequentar cursos oferecidos pelo Estado.[2]

O atual debate sobre o aborto no Brasil apresenta-se minado de equívocos e controvérsias. A começar pela colocação da questão nos termos "ser contra ou a favor do aborto". Primeiramente, é preciso entender, que não é uma questão de ser a favor ou não ser, na maioria dos casos, é possível dizer que nem mesmo as mulheres que praticam o aborto são a favor dele. É uma questão de que o aborto existe e vai continuar existindo, sendo ele criminalizado ou não. Mesmo diante das severas restrições legais do Brasil, o aborto é realizado por diversas mulheres, isto devido ao fato de parte delas compartilharem da mesma situação de ilegalidade da intervenção. Ao responder se é a favor ou contra o aborto, o “sim” ou “não” não é sobre o aborto em si, a resposta indica se o indivíduo acredita que o aborto realizado por 1 a cada 5[3] mulheres no Brasil deve ser seguro ou inseguro e se essas mulheres devem ser acolhidas ou abandonadas.

O CÓDIGO PENAL E O ABORTO CLANDESTINO

No país, vigora o Código Penal, editado em 1940, que criminaliza o aborto em seus artigos 124 a 128. De acordo com o artigo 124, provocar um aborto é considerado crime que prevê detenção de um a três anos para a gestante que provocar ou consentir que outro provoque o ato.[4]

Atualmente, o aborto é permitido em três casos:[5] quando o feto é diagnosticado como anencefálico; se houver evidências de que a gravidez é fruto de estupro (incontáveis foram as vezes que não se evidenciou e a mulher foi obrigada a seguir com a gravidez); ou quando a gestação representa um risco para a vida da mulher. Portanto, não é proibido realizar o aborto, mas se for realizado — fugindo dos três critérios na qual ele é legalizado -  a mulher sofrerá uma severa punição penal. Levando alguns países menos desenvolvidos em consideração, trata-se de uma legislação mais avançada que a Nicarágua ou o Egito, por exemplo, que proíbem o aborto em qualquer caso. Ainda assim, a lei atual pouco fez para diminuir o número de procedimentos ilegais e clandestinos.[6]

A desembargadora Maria Berenice Dias destaca na obra “Em defesa da vida: aborto e direitos humanos.” a lei que vigora no Código Penal Brasileiro sobre o aborto. Para ela, essa lei tem como objetivo preservar a moral da família em razão  da questão da dignidade da mulher. Ela observa que, mesmo o aborto sendo criminalizado, isso não impede sua prática na clandestinidade e argumenta que sua penalização se dá por influência da religião e por outros interesses lucrativos. Não cabe ao Estado, segundo Dias, definir o início da vida, uma vez que nem a ciência conseguiu fazê-lo. Além disso, de acordo com a desembargadora, as anomalias fetais graves, a exemplo da anencefalia, não devem ser consideradas abortos. Para ela, a solução jurídica seria a inclusão de um permissivo legal sobre essa questão no Código Penal Brasileiro.[7]

Baseando-se na lei, o cidadão tem o dever de pensar e se perguntar se é isso que deseja para as mulheres num momento de tanta fragilidade, que sejam punidas em um momento de sofrimento moral decorrente de um processo judicial que pode levar a sua condenação. É preciso ter consciência que no momento que uma gestante escolhe realizar a interrupção da gravidez, ela dispõe de muitos motivos pra tomar essa difícil decisão que transformará totalmente o seu corpo e o seu ser. Nesses momentos, o ser humano deve agir com sanidade, tendo em vista que as mulheres permanecem numa linha muito delicada, enfrentando um abortamento inseguro, a mulher fica exposta ao risco de agravar sua saúde e até mesmo à morte. Neste contexto, a legalidade do abortamento seguro serviria para salvar vidas e possibilitar que mulheres não adoeçam e não fiquem com sequelas para o resto de suas vidas, além de reduzir gastos com a saúde pública.[8]

Em países como o Brasil, onde o aborto é criminalizado na maioria das situações, é possível perceber que as mulheres de classe social menos favorecida e as negras são as que mais sofrem com a criminalização[9], uma vez que são as que necessitam solucionar sua gestação indesejada, muitas vezes, de maneira insegura. Nesse caso, verifica-se que o caráter de ilegalidade do aborto favorece a sua realização de maneira clandestina, e isso é sentido na ausência de serviços e na má qualidade da assistência.[10] Entretanto, é importante lembrar que todas as mulheres, de todas as idades, classes sociais, etnias e religiões abortam, mas a ocorrência de problemas de saúde relacionados ao aborto clandestino é bem maior para as mulheres pobres e negras que, nestas ocasiões, são as que de fato se submetem a atendimentos e condições mais precárias e arriscadas, uma vez que mulheres mais favorecidas economicamente podem realizar o aborto de forma segura (mesmo sendo proibido), em clínicas hospitalares ou até mesmo fora do país.

O Ministério da Saúde, ao se pronunciar sobre "o aborto e saúde pública no Brasil: 20 anos", alega que a criminalização do aborto provoca implicações negativas à saúde das mulheres, pouco coíbe a prática, além de que incentiva a desigualdade social. O risco imposto pela ilegalidade do aborto é, em sua maioria, vivido pelas mulheres pobres e pelas que não têm acesso aos recursos médicos para o aborto seguro.[11] O Ministério afirma também que o abortamento no país resulta de necessidades não satisfeitas de planejamento reprodutivo, envolvendo a falta de informações sobre a anticoncepção, dificuldades de acesso aos métodos, falhas no seu uso, uso irregular ou inadequado e/ou ausência de acompanhamento pelos serviços de saúde.[12]

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