ADOÇÃO INTUITU PERSONAE SOB A ÓTICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - A BUSCA PELA PROTEÇÃO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR
Por: Isabela Bortholace Lima • 13/5/2020 • Artigo • 3.510 Palavras (15 Páginas) • 221 Visualizações
ADOÇÃO INTUITU PERSONAE SOB A ÓTICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - A BUSCA PELA PROTEÇÃO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR
Isabela Faria Bortholace da Silva¹, Professora Dra. Ana Maria Viola de Sousa²
¹UNIVAP, Faculdade de Direito, discente, isabelabortho@gmail.com
²UNIVAP, Faculdade de Direito, docente, anaviola@aasp.org.br
Resumo: O presente artigo objetiva demonstrar o entendimento majoritário quanto a adoção intuitu personae do Superior Tribunal de Justiça nos anos de 2014 e 2015. É relevante sob o aspecto da criança e do adolescente, observar seu melhor interesse e sua proteção, bem como sua qualidade de vida e seu desenvolvimento num ambiente harmonioso. Essa modalidade de Adoção, de certa forma, lesa o sistema de adoção estabelecido pelo artigo 50 da Lei nº 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Assim, é fato que o tema central deste artigo sempre foi vislumbrado como um obstáculo à plena aplicabilidade do instituto da Adoção, sendo caracterizado como um subterfúgio usado pelos pretendentes à adoção e como uma afronta à legislação. Todavia, é de entendimento do Egrégio Tribunal que essa forma de adoção é aceitável e acelera a integração da criança com a família, tornando o processo mais natural e coerente com a realidade das famílias brasileiras, além de tutelar a dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Adoção intuitu personae, criança e adolescente, Superior Tribunal de Justiça.
Área do Conhecimento: Direito
Introdução
O processo de adoção, previsto legalmente no artigo 50, §§ 1º a 14, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), exige que os pretendentes a adoção, assim como as crianças e os adolescentes a serem adotados, estejam cadastrados na comarca ou foro regional. O deferimento da inscrição ocorre após análise dos órgãos especializados e ouvido o Ministério Público. Prevê ainda a lei[1], que aos futuros adotantes, haverá uma preparação psicossocial e jurídica, orientada pela equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude (DIGIÁCOMO, 2010).
A despeito da exigibilidade do cadastro dos futuros pais, a realidade muitas vezes evidencia uma ótica divergente com um viés social, que ultrapassa os limites das normas. A adoção dirigida, por exemplo, é muito comum na realidade brasileira, sendo que na maioria das vezes a adoção tem início na vida uterina do adotado, o que revela o aspecto afetivo do ato de adoção, que supera normas jurídicas (COELHO, 2011).
Com o objetivo de proteger e defender o melhor interesse da criança e adolescente, a rigidez do processo de adoção tem sido objeto de mitigação, seja por parte dos doutrinadores, seja pelos julgados dos Tribunais brasileiros, os quais vêm decidindo pela flexibilização da observância rígida da listagem cadastral, fundado na prioridade absoluta do bem-estar da criança.
Surgiu assim, a chamada adoção intuitu personae, também denominada adoção consensual, ou adoção dirigida, na qual os pais biológicos indicam previamente a família substituta que irá acolher seu descendente.
A adoção intuitu personae, embora seja uma realidade que vem aumentando sua presença a cada dia nas lides judiciais, apresenta muitas divergências de opiniões. De um lado, constitui-se numa prática que confronta diretamente a determinação legal de cumprir o sistema cadastral; de outro, busca efetivar o princípio do melhor interesse da criança.
O objetivo do presente trabalho será a discussão dessa modalidade de adoção, tendo como foco central as decisões atuais oriundas do Superior Tribunal de Justiça, indicando as tendências do entendimento sobre o tema.
Metodologia
A respectiva pesquisa utilizou publicações científicas relacionadas à adoção intuitu personae, legislação, como a Lei nº 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e a Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, juristas e doutrinadores.
Foram analisadas jurisprudências[2] do Superior Tribunal de Justiça, limitadas principalmente às decisões publicadas em 2014 e 2015 sobre o tema abordado.
Resultados
A análise das decisões do Superior Tribunal de Justiça dos anos de 2014 e 2015, conforme se observa da Figura 1, evidencia que 85,71% das decisões concederam a permanência da criança com os pais adotivos, por meio do instituto da adoção intuito personae, e apenas 14,9% foram contra esta forma de adoção.
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[pic 2]Figura 1 – Decisões do Superior Tribunal de Justiça nos anos de 2014 e 2015.
Fonte: gráfico nosso.
É preciso esclarecer que todas as decisões analisadas retratam casos concretos de crianças que já estavam convivendo com os interessados, evidenciando tratar-se de filiação socioafetiva e não especificamente “adoção intuitu personae”, o que, eventualmente, pode ter ocorrido nas ações que configuram a adoção pronta, por exemplo. Contudo, é possível inferir o posicionamento de cada julgador, no quesito da modalidade da adoção em comento, analisando-se o conteúdo, o embasamento e as razões de decidir aduzidos nas respectivas jurisprudências.
As principais manifestações contrárias à adoção intuitu personae argumentam que os adotantes devem estar formalmente habilitados no cadastro geral e se submetam aos exames psicossociais necessários para atestar suas aptidões para o exercício da adoção. Foi nesse sentido o julgamento do HC 311.250, do relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, publicado no DJe de 19/12/2014. Há ainda outro julgado que também não autoriza essa modalidade de adoção pela inexistência da destituição do pátrio poder, como fundamentou a relatora Ministra Laurita Vaz, no julgamento de HC 329.967, publicado em 04/08/2015.
A maior parte dos juristas, porém, são favoráveis, firmando o entendimento de que: (i) não é de seu melhor interesse o acolhimento institucional, salvo evidente risco à integridade física ou psíquica do infante; (ii) o art. 50 do ECA preconiza a manutenção de um registro de pessoas interessadas na adoção, porém, a observância da preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar crianças não é absoluta; (iii) há de sempre prevalecer o princípio do melhor interesse do menor, norteador do sistema protetivo da criança; (iv) na ausência de perigo de violência física ou psicológica contra a criança, o acolhimento institucional, no curso de qualquer ação em que se discuta a custódia física do infante, representa evidente afronta ao melhor interesse do menor. Esses argumentos foram defendidos pelos Ministros Luis Felipe Salomão (HC 279.058, DJe, 28/02/2014); Sidnei Beneti (HC 291.103 e 294.729 ambos publicados no DJe 20/05/2014); Marco Buzzi (AgREsp 220.138, DJe 05/06/2015); Nancy Andrighi (HC 157.549-9 e HC 298.009, ambos publicados no DJe 04/09/2014); Ricardo Villas Bôas Cueva (HC 250.203, DJe 09/02/2015).
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