As Alegações Finais
Por: anapcaetano07 • 3/4/2022 • Trabalho acadêmico • 1.428 Palavras (6 Páginas) • 133 Visualizações
EXCELENTÍSSIMO JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO XXXXX
Ação Penal nº XX
TÍCIO, qualificado nesta Ação Penal que lhe move o Ministério Público, representado pela advogada que subscreve, vem respeitosamente a Vossa Excelência apresentar suas Alegações Finais.
1 – SÍNTESE PROCESSUAL
O Ministério Público ofereceu Denúncia contra o RÉU pela prática, em tese, do crime previsto no Art. 125 do Código Penal (aborto provocado por terceiro) em razão do fato descrito na Denúncia e transcrito abaixo:
“(...) Ocorre que Tício, de forma imprudente no caminho de volta, imprime velocidade excessiva, sem observar o seu dever de cuidado, pois queria chegar a tempo de assistir ao jogo de futebol do seu time do coração que seria transmitido naquela noite. Assim, Tício, ao fazer uma curva fechada, perdeu o controle do veículo automotor que capotou. Os bombeiros que prestaram socorro ao acidente encaminharam Maria para o Hospital mais próximo onde ficou constatado que a mesma não havia sofrido qualquer lesão. Contudo, na mesma ocasião constatou-se que a gravidez de Maria havia sido interrompida em razão da violência do acidente automobilístico, conforme comprovou o laudo do Instituto Médico Legal, às fls. 14 dos autos.”
Ou seja, o Ministério Público alega que o RÉU praticou, em tese, a conduta descrita no delito de aborto provocado por terceiro e, com isto, está incurso nas penas do art. 125 do CP.
A Denúncia foi recebida por este D. Juízo e o RÉU, que apresentou Resposta à Acusação (Art. 406 do CPP).
Foi designada Audiência de Instrução e Julgamento na qual foi realizada a oitiva da vítima Maria, das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa e, em seguida com o interrogatório do acusado Tício, tudo na forma do Art. 411 do CPP.
Encerrada a instrução o RÉU passa a apresentar as suas Alegações Finais por memoriais. Em suma, é o relatório do necessário.
2 – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O Ministério Público ofereceu Denúncia contra o RÉU pela prática, em tese, do crime previsto no Art. 125 do Código Penal (aborto provocado por terceiro), transcrito abaixo:
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
Porém, a própria Denuncia afirma que o RÉU agiu “de forma imprudente no caminho de volta, imprime velocidade excessiva, sem observar o seu dever de cuidado”.
Dispõe o Art. 419 do CPP:
Art. 419. Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1o do art. 74 deste Código e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
Parágrafo único. Remetidos os autos do processo a outro juiz, à disposição deste ficará o acusado preso.
Pois bem. Ocorre a desclassificação quando o juiz se convence de que não houve crime dolo contra a vida, ou seja, quando o acusado não tinha intenção de matar.
Nos crimes de trânsito deve-se realizar uma análise acurada na existência de indícios que amparem a configuração do dolo eventual, pois sua configuração é excepcional.
O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor, mas, isto sim, das circunstâncias. Nele, não se exige que resultado seja aceito como tal, o que seria adequado ao dolo direto, mas isto sim, que a aceitação se mostre no plano do possível, provável.
Com base na lição de Nelson Hungria a respeito do dolo eventual, tem-se que não houve sequer dolo eventual por parte do RÉU, vez que ele, por exemplo, não praticou “racha” ou agiu por motivo egoístico, pouco se importando com os desdobramentos de sua conduta, vez que ele próprio estava no veículo e foi também uma das vítimas.
No caso de interrupção de gravidez ocasionado pela conduta do motorista que dirige de maneira imprudente, tal ação se subsume mais à culpa consciente do que ao dolo eventual, ou seja, da referida conduta se extrai que o agente age por imprudência ao dirigir o veículo de sem os devidos cuidados. Com isto, tem-se provado que o RÉU agiu com culpa consciente, o que enseja, a competência do juiz togado.
Para a configuração do dolo eventual não basta tão-somente que o agente esteja dirigindo de modo imprudente e sem os devidos cuidados ao ocasionar o acidente que teve como consequência a interrupção de gravidez da vítima Maria.
Com efeito, tal fato, por si só, configura quebra do dever de cuidado objetivo exigido pela própria lei de trânsitos (Art. 165 do CTB), configurando, assim, o crime culposo.
É necessário provar que o agente realmente anuiu com o resultado e não que este tenha apenas confiando, de forma leviana, que ao dirigir sem os devidos cuidados poderia evitar o resultado, o que configura culpa consciente.
O acidente de trânsito descrito na Denúncia ocasionou a interrupção da gravidez de Maria, de quem o RÉU é amigo.
Portanto, não havendo outro fator que não seja o excesso de velocidade, que apenas ausência dos devidos cuidados ao dirigir, tem-se que o RÉU não anuiu com o resultado, ou seja, não agiu com dolo eventual, de modo que deve ser desclassificado o crime de aborto provocado por terceiro (Art. 125 do Código Penal) para o crime de homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB), transcrito abaixo:
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
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