CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA: O VALOR DO AFETO NO RECONHECIMENTO DO VÍNCULO PATERNO-FILIAL APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Por: matheushistoria • 26/8/2016 • Artigo • 5.642 Palavras (23 Páginas) • 405 Visualizações
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA:
O VALOR DO AFETO NO RECONHECIMENTO DO VÍNCULO PATERNO-FILIAL APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Jéssica Dantas Feitosa Gomes
Curso de Pós Graduação em Direito Civil
Anhaguera - Uniderp
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo discutir sobre a importância do afeto no reconhecimento do vínculo paterno filial após a Constitucionalização do Direito de Família, com o advento da Constituição Federal de 1.988. Será abordado também o posicionamento doutrinário e jurisprudencial nos casos de conflito entre a filiação biológica e a afetiva. Dentro da perspectiva da importância do afeto, também será tratado brevemente sobre a questão da possibilidade de responsabilização civil por abandono afetivo.
Palavras-chave: constitucionalização; socioafetividade; filiação afetiva; abandono afetivo.
Sumário: Introdução. 1. A socioafetividade e sua importância no reconhecimento do vínculo paterno-filial e na concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. 2. Filiação biológica x filiação socioafetiva. 3. Possibilidade de indenização por abandono afetivo.
INTRODUÇÃO
O Direito de família pode ser considerado como o ramo do direito civil que mais sofreu transformações nos últimos anos. Tais mudanças foram motivadas tanto pela premente necessidade de o direito acompanhar a realidade social, como pelo processo de evolução constitucional que levou o país do Estado Liberal para o Estado Social. Neste processo de evolução constitucional, a Constituição Federal de 1.988 representa um marco que tornou o direito e a sociedade mais humanizados.
Expressões como “constitucionalização”, “despatrimonizalização”, “publicização” e “humanização” vem sendo cada vez mais utilizadas no meio jurídico para se referir ao modo de interpretação do Código Civil a luz dos princípios consagrados pela Constituição Federal de 1988.
A partir do fenômeno da constitucionalização o ser humano passou a ser priorizado, sendo valorizada sua personalidade e todos os direitos dela decorrentes, especialmente o direito à dignidade, o que afetou diretamente o Direito de Família, considerando que não há ramo do direito privado em que a dignidade da pessoa humana tenha mais atuação. É na família onde o indivíduo cria seus primeiros laços afetivos, suas primeiras relações sociais e é nela que a pessoa humana encontra amparo irrestrito. Por tal razão é chamada de “célula mater” da sociedade, ou seja, seu núcleo inicial.
A questão relativa à socioafetividade é tema bastante atual e reconhecido pela doutrina e grande parte da jurisprudência. Entretanto, não está expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, o que acaba gerando divergências em torno do reconhecimento da filiação baseada unicamente no vínculo afetivo. A escolha de tal tema justifica-se pela inegável importância da família para a sociedade, haja vista que é nela onde são reproduzidos os valores sociais vigentes em determinada época com vistas à adequada formação do indivíduo.
Nessa perspectiva, o presente artigo tem como objetivo analisar a importância atual do afeto como fator caracterizador do vínculo familiar a partir do fenômeno de constitucionalização do direito de família, após a Constituição Federal de 1988. Dentro deste quadro será dado enfoque principal à questão da importância da socioafetividade no reconhecimento do vínculo paterno-filial, bem como no desenvolvimento sadio da criança, de modo a proporcionar o pleno desenvolvimento de sua dignidade.
1. A SOCIOAFETIVIDADE E SUA IMPORTÂNCIA NO RECONHECIMENTO DO VÍNCULO PATERNO FILIAL E NA CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O contexto histórico na vigência do Código Civil de 1.916 era bem diferente da realidade atual, tal Código refletia bem a sociedade da época: conservadora, patrimonialista, individualista, machista e preconceituosa, que se prendia aos interesses dos fazendeiros de café, proprietários de terras e da burguesia mercantil. Ademais, era extremamente discriminatório com relação à família, sendo esta eminentemente patriarcal. Segundo Maria Helena Diniz (2007, p. 30) a chefia das famílias era atribuída ao marido, de modo que esposa e filhos tinham posição inferior à dele e, assim, a vontade da família consubstanciava-se na própria vontade marido. Tal família era matrimonializada e os filhos nascidos fora do casamento, chamados de ilegítimos, não tinham espaço na unidade familiar codificada. O casamento, em regra, era indissolúvel, sendo que a única forma de dar solução a um matrimônio mal sucedido era o desquite, o qual encerrava a comunhão de vida, mas não o vínculo jurídico .
Felizmente, através da evolução social e familiar, as alterações legislativas foram inevitáveis. A evolução do conhecimento científico, a revolução tecnológica, a clonagem, as inseminações artificiais, os movimentos políticos e sociais, a inclusão da mulher no mercado de trabalho, o homossexualismo, dentre outros fatores, exigiram profundas mudanças na legislação.
A Constituição Federal de 1.988, também chamada de Constituição Cidadã, foi a responsável por trazer grande parte dessas mudanças, consagrando uma série de direitos sociais que desestabilizaram a estrutura liberal e patrimonialista da legislação civil até então vigente. Para Rodrigo da Cunha Pereira (2003, p. 5-6), tais mudanças vieram acompanhadas de novos ideais que provocaram o enfraquecimento do patriarcalismo e lançaram os sustentáculos de compreensão dos Direitos Humanos . O princípio da Dignidade da Pessoa Humana foi o principal responsável por essas modificações ao colocar o ser humano no centro das preocupações do ordenamento jurídico.
A Constituição Federal de 1.988 impôs uma verdadeira quebra de paradigma ao Direito Civil, fazendo com que este abandonasse a tradicional postura individualista e patrimonialista, e migrasse para uma concepção em que a dignidade da pessoa humana e seus valores existenciais fossem prioritariamente considerados, prevalecendo sobre interesses eminentemente econômicos.
A constitucionalização do Direito Civil trouxe ao Direito de Família um avanço nunca antes alcançado, onde prevalece
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