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Fichamento Crueldade Consentida

Por:   •  12/9/2016  •  Resenha  •  3.183 Palavras (13 Páginas)  •  315 Visualizações

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Crueldade consentida – Crítica à razão antropocêntrica

Laerte Fernando Levai*

JUSTIÇA DOS HOMENS

Nosso sistema jurídico, permissivo de condutas cruéis, admite, aceita e muitas vezes até estimula as atrocidades cometidas pela espécie que se diz racional e inteligente. Fls. 02

O termo, originário do grego (homem) e do latim (centrum), relaciona-se à idéia religiosa da essência divina do ser humano. Vale lembrar que a escolástica e a teologia medievais firmaram a postura antropocêntrica com base no preceito bíblico de que a terra é o centro do mundo criado por Deus para usufruto do homem. Ao se curvar inicialmente perante os deuses do Olimpo e depois aos santos das Escrituras, assumindo ser “a medida de todas as coisas” – conforme a célebre fórmula de Protágoras – a espécie humana passou a subjugar as demais criaturas vivas. Para o filósofo grego Aristóteles (384322 a.C.), cujos ensinamentos foram acolhidos e repassados por São Tomás de Aquino (354-430), a pirâmide natural da existência tem em sua base os vegetais, que existem para servir aos animais, enquanto estes, finalmente, servem ao homem. Trata-se do círculo vicioso da dominação, que deferiu à espécie tida como racional – especialmente no Ocidente - um poder ilimitado sobre tudo que a cerca. Fls. 02/03

Finda a Idade Média, a era das grandes navegações e das conquistas territoriais permitiu aos países colonialistas consolidar não apenas a sanha de dominação sobre os povos vencidos, mas a matança indiscriminada de animais nativos visando a propósitos mercantis ou à satisfação da vaidade do caçador, simbolizada pelo cruel aprisionamento e subjugação dos bichos. Fls. 03

o hábito da caça, inicialmente praticado como necessidade de sobrevivência e depois elegido em esporte da nobreza, difundiu-se pelas classes sociais a ponto de se firmar como um dos mais pusilânimes entretenimentos humanos. Os costumes da cultura popular, como a secular tourada espanhola e alguns rituais de sacrifícios nas festividades religiosas, transformaram martírio em tradição. Fls. 03

Renê Descartes (1596-1650), que no século 17 propôs a famigerada teoria “animal máquina”, o fisiologista Claude Bernard (1813-1978)) fez da vivissecção o método oficial de pesquisa médica. A partir deste momento a experimentação animal torna-se metodologia padrão, submetendo suas cobaias a tormentos inomináveis sob a cômoda justificativa de contribuir ao progresso da ciência. Fls. 03

O pensador grego Pitágoras (565-495 a.C.), após conhecer os principais centros espirituais da Antigüidade (India, Egito e Babilônia), tornou-se adepto da meditação, da alimentação vegetariana e da compassividade, a ponto de adquirir animais cativos nos mercados para soltá-los na mata.  Consta que ele fundou, nas colinas de Crotona, uma cidade regida pelo amor e não pelo Direito, utopia essa que acabou sendo impiedosamente destruída.  Na Grécia Antiga, época dos filósofos naturalistas, acreditava-se na dinâmica das coisas, na evolução das espécies e na origem animal do homem. Segundo as concepções da Escola de Mileto, a vida é uma contínua transformação, uma luta entre contrários  e sujeita às vicissitudes do tempo e do espaço. Tal corrente de pensamento, surgida cinco séculos antes da era cristã e bastante elevada do ponto de vista espiritual, inseria o ambiente em uma perspectiva cósmica. Interessante notar que essa pioneira manifestação filosófica continha pontos de contato com o chamado Direito Natural, cujos princípios – inspirados no bom sendo e na eqüidade – decorrem das próprias leis da natureza. Fls. 04

Em meio a tal contexto, os animais acabaram sendo inseridos no regime privatista perante o qual a noção do Direito alcança somente os homens em sociedade, transformando o entorno em res (coisas). Fls. 04

Assim, sob o mesmo regime jurídico conferido aos objetos inanimados ou à propriedade privada, a servidão animal foi legitimada pelo Direito. O conceito do justo, porém, nem sempre está compreendido na noção do Direito, cujas leis – surgidas ao sabor das circunstâncias históricas e sujeitas aos múltiplos interesses políticos – podem vigorar em descompasso ao princípio da moralidade, que deveria inspirá-las. Fls. 04

No século II o pensador romano Celso já dizia que a natureza existe tanto para os animais quanto para os homens. Para David Hume (1711-1776), “Nenhuma verdade me parece mais evidente que a de que os animais são dotados de pensamento e razão, assim como os homens. Os argumentos neste caso são tão óbvios que não escapam nem aos mais estúpido e ignorantes.” (in ‘Tratado sobre a natureza humana”, p. 209.  Há mais de duzentos anos outro filósofo inglês, Jeremy Benthan (1748-1832),  argumentava magistralmente em favor dos direitos dos animais: “Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos dos quais jamais poderiam ter sido privados, a não ser pela mão da tirania (...) A questão não é saber se os animais são capazes de raciocinar, ou se conseguem falar, mas se são passíveis de sofrimento.” (in ‘The Principles of Morals and Legislation, cap. XVII, I, nota ao par. 4). Já o pensador alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) escreveu que a piedade, princípio de toda a moralidade, não depende de idéias preconcebidas, de religiões, de dogmas, de mitos, de educação ou da cultura, para colocar os animais sob o seu manto protetor: “Insistir na suposta inexistência de direito dos animais,  como se nossa conduta para com eles não tivesse  importância moral, porque deveres humanos em relação aos animais  inexistem, é agir de modo preconceituoso e com  uma ignorância revoltante” (in  ‘Dores do Mundo’, p. 124). Na segunda quadra do século passado o professor Cesare Goretti (1886-1952), que lecionava Filosofia do Direito na Universidade de Ferrara, Itália, observou que os animais, quando domesticados, participam do ordenamento jurídico humano, surgindo daí nosso dever legal e moral, principalmente, de não tratá-los com brutalidade: “Se não podemos negar a eles um princípio de moralidade (companheirismo, gratidão, amizade), que razão temos em recusar sua participação em nossa ordem jurídica, que é apenas um esfera da moral?” (in ‘L´animale quale soggeto di diritto”, Rivista di Filosofia, n. 19, Itália).Esse primoroso ensaio, ao  desvincular os animais da perspectiva jurídica privada, teve o mérito de rebater o clássico conceito de que eles são objetos passíveis de uso, gozo e fruição, reconhecendo-os como detentores de uma capacidade jurídica sui generis. Ao questionar, mediante profunda argumentação filosófica, por que o animal – como ser sensível que é – permanece relegado à condição meramente passivo da relação jurídica, o professor Goretti projeta novas luzes sobre o tema relacionado ao estatuto ético dos animais, concluindo que o homem possui, a um só tempo, dever legal e moral sobre eles. Fls. 04/05

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